Há 9 meses, o governador da Califórnia, Gavin Newson (democrata) decidiu reduzir em 75% os subsídios para a instalação de painéis solares nos telhados das casas da Califórnia. Resultado: a instalação de novos equipamentos recuou nada menos do que 85% nesse período.
A justificativa do governo da Califórnia é clara e cristalina: os subsídios representam uma distribuição de renda às avessas, em que o imposto dos pobres financia a energia barata dos mais ricos, aqueles que têm condições de instalar painéis solares em seus telhados.
Isso aqui pode ser facilmente extrapolado para todos os incentivos à energia limpa. Por exemplo, toda vez que um real do governo é gasto subsidiando carros elétricos para os mais ricos, é um real a menos para políticas públicas que beneficiam os mais pobres.
Pode-se argumentar que os pobres se beneficiam indiretamente desses subsídios, na medida em que se evitam catástrofes climáticas no futuro, e que prejudicariam principalmente os mais pobres. Pode ser. O problema está em tirar dinheiro de políticas para mitigar a miséria atual para despejar em políticas para mitigar um teórico sofrimento futuro. Não sei qual seria a opinião dos mais pobres que não têm painéis solares ou carros elétricos sobre esse trade off.
A conta de luz no Brasil é das mais caras do mundo. O vilão principal, claro, são os impostos, principalmente o ICMS. Mas, em um cada vez mais próximo segundo lugar, temos os subsídios bancados pelos consumidores comuns para certos grupos de consumidores privilegiados.
O problema é que a conta cada vez mais cara torna o pagamento da conta de luz cada vez mais problemático. Com a abertura do chamado “mercado livre”, um grupo cada vez maior de consumidores poderá pular fora dessas tarifas mais caras e fechar contratos mais vantajosos com as distribuidoras, deixando de bancar os subsídios que recaem sobre os investidores do chamado “mercado cativo”, eu e você, que não podemos escolher a distribuidora. Também há a “solução” do “mercado livre do B”, livre, no caso, de pagar qualquer conta, como é o caso da cidade do Rio de Janeiro, em que mais da metade da energia faz parte de um mercado paralelo de gatos, em que a energia sai “de graça”.
No gráfico abaixo, podemos observar que, das quatro principais fontes de subsídios, três estão relacionadas à pauta ambiental: sistemas isolados, fontes incentivadas e geração distribuída.
“Sistemas isolados” refere-se ao combustível gasto para gerar eletricidade em Roraima, único estado não conectado ao sistema nacional. Isso acontece porque não conseguimos vencer o lobby dos indígenas que vivem na região, de modo que o linhão que ligaria Manaus a Boa Vista ainda não saiu do papel.
“Fontes Incentivadas” refere-se a subsídios diversos para a aquisição de equipamentos para a geração de energias renováveis.
Por fim, “Geração Distribuída” refere-se aos subsídios para a compra de equipamentos de geração de energia solar nos telhados da classe média brasileira, e que vem crescendo de maneira exponencial nos últimos anos. Esse é, além disso, mais um mecanismo de distribuição de renda às avessas, em que o pobre da favela subsidia a classe média que coloca painéis solares em seus prédios e casas de campo e praia. O favelado, claro, se defende fazendo gatos.
O problema de todos esses subsídios, considerando a migração de uma parcela de consumidores para o mercado livre, é que a conta recairá sobre cada vez menos gente, comprometendo a capacidade de pagamento e aumentando a inadimplência, o que, no limite, inviabilizará a operação das distribuidoras de energia.
Se você acha que paga caro por um serviço ruim, acredite, você vai sentir saudades.
Em artigo de ontem no Valor Econômico, o economista Luís Schymura defende a adoção de Políticas Industriais (PI) por parte de governos, mas “da maneira certa”. E qual seria essa maneira? Estabelecendo metas e descontinuando programas que não atingissem essas metas. Segundo Schymura, o problema não estaria na falta de visão do burocrata estatal, pois o empresário tampouco tem essa visão ex-ante do que vai dar certo, tudo tem risco. O problema está na insistência em programas que não dão certo. E o elixir que faria a PI estatal “dar certo” seria o estabelecimento e a mensuração de metas.
Uma das poucas vantagens de ser velho é já ter visto de tudo. Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff lançou uma PI que faria inveja aos governos militares. O nome, como tudo no PT, era grandiloquente: Plano Brasil Maior. Tratava-se de uma mistura de subsídios e renúncias tributárias, que tinha por objetivo lançar o país para o próximo patamar. A desoneração da folha de pagamentos, que foi mais uma vez recentemente renovada, fazia parte desse pacote.
O que me chamou a atenção na época foram as metas extremamente bem definidas, na linha do que Schymura propõe como o ideal. Eram 10 metas:
Ampliar o investimento em capital fixo de 18,4% para 22,4% do PIB
Elevar a despesa empresarial em P&D de 0,50% para 0,90% do PIB
Elevar o % de trabalhadores da indústria com pelo menos o nível médio de 54% para 65%
Aumentar o Valor da Transformação Industrial/Valor Bruto da Produção de 44,3% para 45,3%
Aumentar a participação das indústrias de média-alta tecnologia na produção industrial total de 30,1% para 31,5%
Aumentar o número de micro/pequenas/médias empresas inovadoras de 37 mil para 58 mil
Diminuir o consumo de energia de 150,7 tep/ R$ milhão para 137,0 tep/R$ milhão
Ampliar a participação do Brasil na corrente de comércio internacional de 1,36% para 1,60%
Aumentar a participação dos setores ligados à produção de energia sobre a produção industrial total de 64% para 66%
Ampliar o número de domicílios com acesso à banda larga de 14 para 40 milhões.
Como se vê, não foi por falta de metas que o Brasil Maior foi mais uma PI que acabou no cemitério das boas intenções. Aliás, deve ter sido por isso que Dilma abandonou esse negócio de estabelecer metas…
Essa história de que PI é algo intrinsecamente bom, só precisando ser aplicada “da maneira certa”, me faz lembrar os defensores do socialismo como forma de organização econômica: trata-se da forma mais justa e humana de organizar os fatores econômicos, e só não deu certo em lugar nenhum do mundo porque seus princípios foram desvirtuados. O problema é que, tanto o socialismo quanto a política industrial dependem de um ser humano que não existe: virtuoso, abnegado, altruísta. Podemos ser tudo isso em nossas esferas privadas, mas quando se trata de relações econômicas entre iguais, cada um busca maximizar a sua posição. No final, aquela política bem-intencionada é capturada por aqueles que estão mais próximos do cofre, e que sempre tiram da cartola uma história triste para justificar o não atendimento das metas estabelecidas e, assim, manterem a sua mamatinha.
A grande vantagem do empresário sobre o burocrata é que a sua única meta chama-se lucro. Claro, o empresário também trabalha com metas: crescer x%, conquistar tais mercados, etc. Mas o que vai decidir se aquele “política” continuará viva ou não é o lucro. Não dando lucro, essa “política” chamada empresa será descontinuada. A não ser, claro, que seja sustentada por uma PI generosa, que permite que empresas-zumbi sobrevivam sugando a produtividade do país por anos e décadas. Aliás, coincidência ou não, abaixo do artigo do Schymura o jornal estampa a renovação dos incentivos para a indústria automobilística pela trocentésima vez nas últimas 7 décadas. Serve como um CQD deste post.
O Senado decidiu não incluir cotas para filmes nacionais nos cinemas. O projeto em tramitação na Casa discutirá cotas apenas para a TV paga. Matéria no Estadão volta a discutir essa questão.
Cinema é uma diversão cara. Uma única meia-entrada custa uma mensalidade do Netflix. Por isso, as pessoas pensam muito bem antes de escolher onde vão gastar o seu rico e suado dinheirinho. E como é tomada essa decisão? O consumidor forma a sua opinião com base em alguns elementos: “hype” (todo mundo está falando), grandiosidade da produção, interesse pelo tema etc.
Mas, antes de mais nada, é preciso que o filme seja conhecido de alguma forma. O consumidor comum não é um cinéfilo especializado, que acompanha a indústria e seus festivais. De maneira geral, o filme que ocupa as salas é acompanhado de uma grande campanha de marketing, que procura convencer o consumidor de que vale a pena assistir àquele filme no cinema e não esperar pelo streaming. Para isso, é preciso ter verba de publicidade.
É a isso que se refere o representante das salas Multiplex. A decisão de colocar um filme em uma sala envolve risco. Uma sala vazia é prejuízo. Uma boa estratégia para minimizar esse risco é justamente acompanhar as campanhas de marketing em torno dos filmes. Quanto maior a campanha, maior a chance de ocupar a sala.
Por outro lado, o especialista em cinema defende uma certa “liberdade de escolha”. Estabelecer cotas para filmes brasileiros seria uma forma de garantir essa liberdade ao consumidor. O problema desse raciocínio está em definir quem paga por essa liberdade. Sim, porque alguém precisa pagar pelas salas ocupadas apenas por cinéfilos especializados, que assistem a filmes com baixa verba de publicidade. As cotas transferem esse custo de marketing para os exibidores, que substituem, com o seu prejuízo, a verba inexistente de publicidade. Como os exibidores não conseguem sobreviver com o prejuízo, o custo é repassado para o preço dos ingressos, elitizando ainda mais o divertimento.
Não sou a favor nem contra cotas para filmes brasileiros. Cada sociedade deve definir suas prioridades. A única observação que faço é que não existe política pública “de graça”. Alguém sempre está pagando, mesmo sem perceber.
O colunista Pedro Doria pratica, em sua coluna de ontem, um de seus esportes favoritos: criticar os grandes Titãs da tecnologia. No capítulo de hoje, temos a questão do perigo representado por Elon Musk, um sujeito instável com um poder estratégico além da imaginação. Mas aqui não vou analisar esse “problema”. Vou me ater a uma crítica bastante comum ao criador do PayPal, da Tesla, da SpaceX e da StarLink: a de que Musk não seria nada se não fossem os subsídios do governo e, portanto, sua crítica ao Estado grande e generoso seria uma incoerência e, no final das contas, uma falta de gratidão.
Sempre achei pouca lógica nesse raciocínio. Afinal, os subsídios estão lá, em tese, para todos, mas existe um só Elon Musk. Ou seja, não é que os subsídios tenham sido dados para Musk porque só poderiam ter sido concedidos para sul-africanos com nome começado por “E”. Não. Todos tiveram acesso, mas nem todos aproveitaram. Além disso, certamente outros empresários se beneficiaram de subsídios, mas somente um criou a Tesla. Subsídios não necessariamente fazem bilionários. É preciso também ter o dom.
Mas, vejamos pelo ângulo oposto: a Tesla teria sido possível sem os subsídios? Ou, de outra forma, teriam sido os subsídios condição necessária, ainda que insuficiente? Fui atrás dos números: a Tesla obteve cerca de US$ 3,3 bilhões entre subsídios e empréstimos governamentais. Por outro lado, levantou cerca de US$ 19 bilhões em capital desde que foi fundada, em 37 rodadas de captação de recursos, sendo a última no dia 15/08 passado.
Você realmente acredita que, não fossem os subsídios, a Tesla não conseguiria o capital necessário para as suas operações? O que aconteceu é que esses US$ 3 bilhões de subsídios estavam na mesa, e Musk foi lá e pegou. Se não estivessem, ele poderia ter levantado esses recursos como levantou os outros U$ 19 bilhões. Hoje, a Tesla vale US$ 750 bilhões na Nasdaq. US$ 3 bilhões? Faça-me o favor…
Os contratos com a NASA são uma coisa diferente. No caso, não se trata de subsídios, mas de um cliente que viabiliza a empresa, no caso, a SpaceX. O próprio Musk admitiu em uma entrevista que, sem o contrato com a NASA, a SpaceX teria quebrado.
Musk tem um objetivo claro com a SpaceX: colonizar Marte. Para viabilizar esse objetivo, a empresa precisa, antes, mostrar viabilidade comercial. Para tanto, precisa conquistar clientes, em um mercado onde a concorrência é feroz. A NASA decidiu contratar a SpaceX não como uma benemerência, mas porque a empresa oferecia o melhor custo/benefício para os serviços que a agência espacial precisava contratar, dentre todos os concorrentes da empresa de Musk. Deve ser realmente difícil se estabelecer nesse mercado sem conquistar contratos com o maior cliente do setor, que calha ser uma agência governamental.
É realmente curioso como as mesmas pessoas que clamam por subsídios e defendem o papel fundamental do Estado em determinados setores apontam um dedo acusador para os empresários que aproveitam essas vantagens para “vitaminar” suas empresas. O que querem, afinal? Que anjos celestes empreendam?
Há nisso tudo uma visão estilizada da realidade. Um empresário como Musk, que defende o primado da liberdade de empreender, só pode ser contra qualquer participação do Estado na vida da sociedade. Isso se chama anarquismo, não liberalismo. O que ocorre é que esses mesmos que esfregam na cara de Musk o fato de que suas empresas têm muitos pontos de contato com o Estado (como não tê-los?), na verdade usam essa “contradição” para defenderem a presença do Estado em âmbitos onde a iniciativa privada desempenha de maneira superior. Aliás, a própria NASA reconheceu isso, ao encomendar foguetes da SpaceX, e não fabricá-los ela própria. Trata-se de uma falsa dicotomia, explorada para fins meramente políticos. Só isso.
Nesta primeira etapa, o que vai acontecer é um perdão de dívidas para quem deve, nos bancos, até R$ 100, e uma “renegociação voluntária” de dívidas para quem tem renda de até R$ 20 mil.
Com relação à primeira parte, estamos falando de um perdão de, no máximo, R$ 150 milhões (1,5 milhão de pessoas devendo até R$ 100), divididos entre todo o sistema financeiro. Dinheiro de pinga, que os bancos graciosamente irão doar para fazer um bonito com o governo.
É a segunda parte que nos interessa aqui, que totalizaria, segundo estimativas do governo, algo como R$ 50 bilhões de renegociações, mais ou menos 1/6 dos R$ 300 bilhões atualmente negativados, segundo a Serasa. A questão é: o que os bancos irão fazer agora que não têm feito desde sempre? Essa é a própria essência da atividade bancária: emprestar dinheiro e cobrar de volta. Já existe um mercado secundário de dívidas de difícil recuperação, não precisa de um Desenrola para isso. A grande novidade do programa, e que deverá ficar para setembro, se não chover, é um fundo público de garantia. Esse fundo servirá para cobrir a inadimplência das dívidas renegociadas. Em outras palavras, o dinheiro público substituirá o dinheiro dos bancos, com a viúva ficando responsável pelos novos calotes.
Ainda não se sabe qual será o tamanho desse fundo, mas como tudo nesse circo de pulgas que é esse governo, deverá ser algo microscópico anunciado como o maior espetáculo da Terra. E, a exemplo do que ocorreu com o programa dos carros baratos, os negativados também devem estar aguardando pela redenção do Desenrola, o que deve estar dificultando as renegociações normais dos bancos. O efeito disso é menos espaço nos balanços dos bancos para novos empréstimos no curto prazo, a exemplo das vendas menores de carros às vésperas do anúncio do programa do carro popular.
A pedido de Lula, o ministério da Fazenda estuda uma nova rodada de subsídios, desta vez para a compra de eletrodomésticos.
Lembro de um artigo de Luciano Huck, lá pelos idos da pandemia, em que o apresentador da Globo conta a história de uma menina de uma comunidade do Rio, que tinha o desejo de ser bailarina. O problema é que, entre outras coisas, a família não tinha dinheiro sequer para as passagens de ônibus necessárias para levar a menina até o Teatro Municipal, onde se davam os ensaios. Huck, no entanto, notou que a cozinha da casa onde vivia a menina destoava de todo o resto: totalmente reformada e com eletrodomésticos novos e modernos. Aquilo tinha sido fruto do auxílio emergencial pago durante a pandemia, uma renda extra que foi usada na verdadeira prioridade da família.
Lula tem uma conexão especial com a alma brasileira. Ele sabe o que o povo realmente quer. Na primeira renda extra disponível, ou mesmo sem renda extra alguma, o povo prefere comprar uma geladeira nova a investir em educação. Não à toa, Lula agora quer patrocinar o programa “carnezinho gostoso”, pois é disso que o povo gosta. Muitas vezes culpamos os políticos pelas nossas mazelas. Mas os políticos, no final do dia, só refletem os desejos do povo. O destino do país está nas mãos do povo, sempre esteve. Não é justo culpar mais ninguém.
Em 6 de junho último, por ocasião do lançamento do programa de descontos para a compra de automóveis e caminhões, escrevi o seguinte:
“Já o programa para ônibus e caminhões tem uma pegada ESG: os beneficiários precisarão sucatear seus veículos usados. Pergunto: quem, com um ônibus ou caminhão em estado de sucateamento, tem dinheiro para comprar um veículo 0km, mesmo com algum desconto? Não conheço esse mercado, mas parece um pouco puxado.”
Bem, mesmo para quem não conhece esse mercado, parece de bom senso que quem tem um pau véio não tem dinheiro para saltar para um caminhão zero, e quem tem o dinheiro para comprar um caminhão novo, não tem um pau véio. Mas talvez seja muito exigir bom senso desse governo.
Mas não vão desistir: o programa Renovar, responsável pela superoferta de caminhões no mercado na década passada, será ressuscitado. Agora vai.
O tamanho do programa do “carro popular” ficou em R$ 500 milhões para automóveis e R$ 1 bilhão para ônibus e caminhões. O que isso significa?
No caso dos automóveis, considerando um bônus médio de R$ 5 mil, estamos falando de 100 mil carros comprados através do programa. O total de automóveis vendidos em 2022 foi de aproximadamente 2 milhões. Tudo o mais constante, o programa representaria um aumento de 5% nas vendas em relação ao ano passado. No entanto, é preciso separar o que é efeito do programa do que é tendência natural do mercado. Até maio, haviam sido vendidos 750 mil automóveis, 10% a mais do que no mesmo período de 2022. Ou seja, o mercado já estava crescendo 10%. Se chegarmos ao fim do ano com crescimento abaixo de 15% (10% do crescimento natural e 5% do programa) dará para desconfiar da eficácia dos descontos.
A pergunta é: 5% de desconto (R$ 5 mil sobre um preço médio de R$ 100 mil) será suficiente para deslocar a curva de demanda de maneira permanente? Ou, de outra forma, não teremos apenas a antecipação do consumo, assim como tivemos seu atraso à espera do bônus? Um desconto de 5% será o suficiente para atrair o novo comprador, aquele que não estava pensando em trocar de carro any time soon? No meu caso, por exemplo, que estava planejando trocar de carro somente daqui a um ano, a conta é a seguinte: é melhor gastar R$ 95 mil hoje ou deixar esse dinheiro rendendo a, digamos, 10% ao ano, para trocar o carro com R$ 104.500 daqui a um ano? Se o carro aumentar menos de 4,5% em 12 meses, terá sido melhor esperar. De qualquer forma, trata-se de uma antecipação de consumo, não da atração de novos consumidores. Para isso, seria necessário que ocorresse um deslocamento permanente da curva de demanda, fruto, por exemplo, de um aumento de renda da população. Se eu comprar meu carro este ano, estarei subtraindo consumo de 2024, a soma será zero.
Já o programa para ônibus e caminhões tem uma pegada ESG: os beneficiários precisarão sucatear seus veículos usados. Pergunto: quem, com um ônibus ou caminhão em estado de sucateamento, tem dinheiro para comprar um veículo 0km, mesmo com algum desconto? Não conheço esse mercado, mas parece um pouco puxado.
O mais curioso é que quem vai custear esse programa serão os próprios donos de veículos a diesel, que terão o desconto do imposto cancelado antecipadamente. Tira de um bolso e coloca no outro. A não ser, claro, que a Petrobras dê uma mãozinha, e segure o aumento do combustível no peito. Assim, o desconto será pago pela minha, pela sua, pela nossa Petrobras. Enquanto isso, continuam faltando R$ 150 bilhões para que o governo consiga atingir sua meta de resultado primário.
Por fim, esse programa vai em linha com o estilo circo de pulgas desse governo: programas minúsculos anunciados como o maior espetáculo da Terra.
Acima, apenas um pequeno potpourri de notícias dos jornais de ontem e hoje, a respeito de um tema candente: benefícios fiscais e creditícios. São 4% do PIB só de benefícios fiscais, fora o crédito subsidiado, que a Receita não computa.
A distribuição discricionária de benefícios fiscais e creditícios parte do pressuposto de que o Estado tem o dom de escolher os beneficiários de acordo com o benefício gerado para o país como um todo. Não há um único mísero estudo sistemático que prove este ponto. Na verdade, os beneficiários são escolhidos de acordo com o viés ideológico do governo de plantão e com o poder do lobby no Congresso.
A lista de beneficiários de isenções fiscais é encabeçada pela Vale. Seus projetos se dão dentro do âmbito da SUDAM e da SUDENE. Vai convencer as bancadas do Norte e do Nordeste a encerrarem esses benefícios.
O super-hiper-moderno-e-eficiente setor do agronegócio não sobrevive sem o Plano Safra. E a indústria agora será a beneficiária de um novo plano de neoindustrialização nacional, anunciado ontem com pompa e circunstância em artigo no Estadão pelo presidente. O que incluirá, obviamente, muitos subsídios e crédito “mais barato”, a começar pelo crem de la crem da indústria, as montadoras.
A lista de empresas do Haddad soma apenas R$ 50 bi em isenções, de um total de R$ 400 bi. Falta muita coisa: regime do simples, isenções do IR e uma longa lista de etceteras. Se é para acabar com as isenções, que seja de tudo. Mas, claro, cada beneficiário defenderá com unhas e dentes os seus benefícios, destacando o quanto fazem bem ao Brasil, mesmo que não haja nenhuma evidência científica para tal afirmação.
Eu tenho um sonho: usar esses 4% do PIB para diminuir horizontalmente a carga tributária de todas as empresas. Não tenho dúvida de que o efeito positivo sobre o crescimento econômico seria muito maior. Mas este é apenas um sonho.