Mas não tem crise?

Já escrevi aqui sobre a reivindicação dos professores das universidades estaduais paulistas de poderem ganhar acima do teto constitucional, que é o salário do governador. Não vou aqui entrar no mérito da justeza da reivindicação. Meu ponto é apenas financeiro.

Leio estupefato, em reportagem no Valor de hoje, a afirmação dos docentes de que tal reajuste não afetará financeiramente as contas do Estado, pois o repasse continuará sendo o mesmo: 9,57% do ICMS.

Fiquei estupefato porque, para mim, as universidades paulistas estão em crise financeira, sem condições de tocar obras e, até, de pagar o 13o salário de servidores, conforme podemos observar nas manchetes abaixo.

Se estão em crise financeira, como arrumarão dinheiro para pagar aumentos salariais que sequer estavam previstos no orçamento???Agora, ficamos sabendo que a USP está trabalhando com superávit, e que este reajuste deve poder ser pago com o orçamento já aprovado de 2020. O mesmo deve estar acontecendo com as outras duas universidades, pois não se fala mais em “crise financeira”.

Então, fica aí a lição: quando você ouvir falar em “crise financeira” das universidades, saiba que é fake news. Quando interessa, tem dinheiro sobrando.

Ciência brasileira

Brasileiro é que nem praga, tem em todo lugar.

Pois bem, encontraram um brasileiro na equipe que desenvolveu a “supremacia quântica” do Google. Ele deu uma entrevista ao Estadão, que reproduzo abaixo.

Destaco os seguintes pontos:

1) A pesquisa foi financiada pelo Google. A IBM está desafiando os resultados. E o cientista brasileiro já se mudou para a Amazon. Apesar de ser professor da Caltech, Fernando Brandão e a equipe do Google estão sendo financiados pela fina flor da iniciativa privada. Por que? Ele mesmo explica: até seria possível o investimento público, mas seria muito arriscado, porque não se sabe direito ainda no que investir. Trata-se de investimento de risco, e somente capitais de risco deveriam se meter nisso. Google, IBM e Amazon estão atrás dos lucros fabulosos que essa tecnologia pode trazer no futuro e, por isso, estão dispostos a investir a fundo perdido. O mesmo ocorre no setor farmacêutico, ou de biotecnologia: até dar certo, rios de dinheiro são gastos em pesquisa. Por isso, é tudo muito caro.

2) No Brasil, é impensável esse nível de parceria, visto por aqui como uma ingerência indevida sobre a autonomia universitária, que não pode se curvar aos ditames do mercado. Sim, nos EUA é bem mais fácil, como reconhece o cientista brasileiro.

3) Há um esforço para dizer que, neste governo, a pesquisa científica “piorou muito”. O cientista ainda concede que a coisa não ia tão bem assim nos governos passados, mas pelo menos havia “esforços de valorização”. De onde concluo que a única diferença deste governo para os anteriores no que se refere à pesquisa científica é a retórica agressiva. De resto, está fazendo a mesma coisa que os governos anteriores, ou seja, nada. O pessoal precisa de um discursinho para se sentir valorizado.

Universidades na China

Trecho de um artigo sobre a procura de cursos de português nas universidades chinesas.

Na China só tem universidades públicas. Mas são pagas.

Esse é um modelo fracassado. Basta ver a imensa vantagem tecnológica do Brasil em relação aos chineses, graças ao nosso sistema de universidades públicas gratuitas, o que garante a nossa “autonomia universitária”.

Quando a China finalmente tornar-se um país comunista, certamente adotará o nosso sistema de universidades públicas gratuitas.

As universidades públicas e o nosso dinheiro

Um artigo defendendo a excelência das universidades públicas paulistas e seu impacto positivo sobre a economia do Estado.

Os exemplos utilizados são dignos do debate raso do Congresso: as universidades sustentariam um ecossistema de bares e barbeiros no interior de São Paulo, por isso seriam importantes.

Obviamente, outros efeitos mais fundamentais para o desenvolvimento do País são atribuídos às universidades paulistas, como o estabelecimento de polos tecnológicos e a produção acadêmica. Mas quis chamar a atenção para o efeito mais bizarro com o objetivo de colocar em cheque todo o raciocínio.

A questão de fundo não são os impactos em si. É óbvio que sempre alguma coisa boa é feita com o dinheiro. A grande questão é se este foi o melhor uso possível para o dinheiro do contribuinte. E, se sim, se este dinheiro está sendo usado de maneira responsável, ou se está sendo desperdiçado com políticas pouco racionais.

A discussão do uso alternativo dos impostos é mais complexa, necessitaria de estudos mais profundos. Mas o uso em si do dinheiro é o que está sendo questionado pela sociedade. A qual, afinal, é quem paga por tudo isso. O artigo urge por uma defesa da universidade pública, como se qualquer crítica ao desperdício fosse um ataque à própria existência da universidade. Não se está discutindo usos alternativos dos recursos, mas o seu uso mais racional. Ainda que a discussão sobre usos alternativos fosse também bem-vinda.

O argumento dos barbeiros e bares baseia-se na mesma falácia de sempre: o Estado seria um criador de riqueza. Como se o dinheiro usado para sustentar a Universidade fosse criado “out of thin air”, como dizem os americanos. Não. Para sustentar a Universidade, é preciso tirar o dinheiro de outra atividade econômica, talvez mais produtiva.

Ainda bem que foi um professor de Química que escreveu, não de Economia. Assim, está perdoado.

Autonomia universitária

What a surprise!

“Vai reduzir a autonomia universitária”, dizem os luminares que querem o dinheiro do contribuinte sem precisar prestar contas a ninguém.

Não tem jeito mesmo, o caso é de passar uma motoniveladora e salgar o lugar depois.

Assim é se assim lhe parece

O Estadão traz hoje algumas tristes histórias de alunos cujas bolsas de estudos para o exterior foram cortadas. Fora o fechamento de bandejões e linhas de ônibus internas nos campi. Muito triste.

O governo federal contingenciou um total de 3,4% das verbas das universidades públicas. Discutir remanejamento dos outros 96,6% dos recursos para essas momentosas necessidades não está na pauta. Afinal, trata-se de “verbas obrigatórias”, o que inclui a aposentadoria precoce de milhares de professores. Pelo contrário, grande parte desses alunos foi contra a reforma da Previdência, que poderia liberar, no futuro, verbas para essas outras necessidades que foram agora cortadas.

Ok, vamos criminalizar os 3,4% e deixar os 96,6% de lado, como se fosse um fato da vida. Assim é se assim lhe parece.

Greve dos professores federais

O orçamento do MEC para as universidades federais é de R$33 bilhões, já descontando o contingenciamento.

Isso dá R$90 milhões por dia, considerando sábados, domingos e feriados.

Com R$90 milhões, seria possível construir 2.000 casas populares.

Não, os professores e estudantes que não trabalharão amanhã não irão devolver esse dinheiro para a sociedade que os financia.

O financiamento das universidades públicas

O reitor da Unicamp foi entrevistado pelo Valor. É contra a cobrança de mensalidades nas universidades públicas, e dá como exemplo o MIT. Segundo o reitor, apenas 10% das receitas vêm das mensalidades. O restante seria “dinheiro público”.

De fato, o reitor da Unicamp está correto em relação aos 10%. O problema são os outros 90%, que têm sua origem em outras fontes. Não são “dinheiro público”

A maior fonte de receita (27%) é o Lincoln Laboratory, que presta serviços de pesquisa para empresas e o governo, e é remunerada por isso. É conhecida a ojeriza das nossas universidades públicas, com poucas e honrosas exceções, de se “subordinarem ao interesse do capital”. Faça uma enquete no próximo evento da SBPC sobre o assunto, e veja quantos professores topam fazer pesquisas remuneradas para empresas.

A segunda maior fonte (23%) são os retornos dos investimentos. O MIT conta com um endowment de aproximadamente US$17 bilhões. A receita de US$830 milhões representa um rendimento de 5% desse investimento, que é usado para bancar a universidade.

– Ah, mas aqui a elite não está disposta a doar para a universidade!

Verdade. Nem tampouco os americanos estariam dispostos a doar se as regras de governança fossem as mesmas da universidade pública brasileira. No MIT existe um conselho, chamado MIT Corporation, formado por 73 membros, reconhecidos como líderes em seus campos de atuação (iniciativa privada, serviço público, educação). Esta conselho é o responsável por cobrar resultados do braço executivo, que dirige a universidade. Pergunta: a universidade pública brasileira estaria disposta a se submeter a um conselho formado por pessoas de fora da universidade, incluindo pesos pesados do PIB nacional?

Enfim, o reitor da Unicamp só mostra o quão distante estamos de uma universidade capaz de gerar Prêmios Nobel (o MIT tem 90 entre os seus professores).

PS.: na mesma entrevista, o reitor da Unicamp também disse que é falsa a ideia de que a universidade seja um celeiro da esquerda. Mas este é um assunto para outro post.