O programa econômico de governo do PT

Esse post é dedicado àqueles que acham que Haddad é moderado. Haddad é aquele que vem percorrendo o país com o programa de governo do PT debaixo do braço, dizendo, para quem quiser ouvir, que é o programa que será implementado, pois foi elaborado pelo presidiário de Curitiba.

E que programa é este? Vou me ater à sua parte econômica, que é minha especialidade. Mas, antes de começar, não poderia deixar de destacar o seguinte trecho: “É preciso melhorar a qualidade da democracia no Brasil, combinar de forma eficaz a democracia representativa e novas formas de exercício da democracia participativa, e enfrentar o processo devastador de desqualificação da política e de deslegitimação das instituições”.

Novas formas de exercício de democracia participativa”, em petês, significa ignorar o Congresso como instância de poder. Ou, por outra, contornar o Congresso, ligando o Executivo diretamente com o povo. Isso se dá através da implantação de inúmeros “conselhos”, claro, controlados pelos companheiros.

A segunda parte, “enfrentar o processo devastador de desqualificação da política” significa enterrar a Lava-Jato. Tão simples quanto isso.

Bem, agora, vamos ao programa econômico.

A parte sobre economia do programa de governo do PT começa com a mãe de todas as mistificações, o que impedirá que todo o resto faça o mínimo sentido. Segundo o programa, o país começou a regredir a partir do governo “golpista”. Até abril/2016, tudo estava indo às mil maravilhas. Veio o governo golpista e estragou tudo. Portanto, as primeiras medidas serão de revogação de tudo o que o governo golpista fez, a saber: 1) Revogação do teto de gastos, 2) Revogação da reforma trabalhista e 3) Suspensão das privatizações.

A primeira medida jogaria o dólar para acima de R$5,00 rapidamente. Duvido que alguém o faça, não sem antes aprovar uma reforma da previdência digna do nome. Nem o PT o fará. Será o primeiro estelionato eleitoral do novo governo.

A segunda e terceira medidas voltarão a piorar o ambiente microeconômico, dificultando o aumento do PIB potencial. Mas o PT nunca se mostrou muito preocupado com isso.

Agora, vejamos as medidas que farão o Brasil ser feliz de novo. Existem medidas de natureza emergencial e medidas de natureza estrutural.

Medidas de natureza emergencial

  1. Retomada imediata de obras
  2. Retomada dos investimentos da Petrobras
  3. Retomada do Programa Minha Casa Minha Vida
  4. Reforçar os investimentos no programa Bolsa Família
  5. Criação de linhas de crédito para famílias que estejam no cadastro negativo

As medidas 1 e 3 dependem de espaço no orçamento. Não fica claro de onde viriam os recursos, dado que temos déficit primário.

A retomada dos investimentos da Petrobras supõe também um balanço que suporte estes investimentos. A dívida líquida sobre o lucro operacional (uma medida da saúde financeira de uma empresa) da Petrobras está em 4,3x. Chegou a atingir 5,6x no final de 2016, portanto já melhorou bastante. Mas o objetivo é chegar a 2,5x, nível de endividamento do final de 2012. Nos bons tempos, este indicador chegou a ficar abaixo de 1x. Portanto, fazer com que a Petrobras volte a investir “como nos bons tempos” é uma irresponsabilidade imensa em relação à empresa.

O item 5 é cópia do programa do Ciro: refinanciar a carteira podre dos bancos, de modo a que os consumidores possam assumir novas dívidas. Teríamos o efeito de uma injeção de adrenalina em um doente com câncer: há um efeito benéfico de curto prazo, mas o problema de fundo continua lá, e ainda piorado, com a dívida pública elevada pelo programa.

Medidas de natureza estrutural

As medidas de natureza estrutural classificam-se em 5 áreas: 1) Redução das desigualdades regionais, 2) geração de empregos de qualidade e fortalecimento do estado de bem-estar social, 3) fortalecimento da capacidade de planejamento estatal, 4) reorientação da política macroeconômica para o desenvolvimento e 5) reindustrialização e investimentos em infra-estrutura.

Vou ser sincero: é difícil extrair muita coisa concreta. Vou copiar aqui o primeiro parágrafo só para vocês terem uma ideia o que eu sofri para traduzir para vocês o programa econômico do PT:

A visão regional e territorial é estratégica para mobilizar os recursos nacionais e para consolidar e ampliar o viver bem brasileiro. É no território que se encontram amplas oportunidades para a efetiva transição ecológica sustentada na pluralidade cultural e sociobiodiversidade do Brasil, com seus conhecimentos, práticas, capacidades e insumos que podem ser base para novas tecnologias, sistemas, serviços e produtos, superando os modelos que concentram terra, renda, riqueza, cidadania e acesso a serviços públicos e a oportunidades”.

E por aí vai, a coisa só piora. Paulo Freire sentiria orgulho desse, digamos, texto.

Mas, vamos lá, não vou desistir.

Item 1 (desigualdades regionais): destaco a volta do BNDES, CEF, BB e bancos regionais no subsídio ao desenvolvimento regional. Além disso, a inauguração de mais e mais universidades públicas e institutos técnicos federais. Tudo muito bonito, se dinheiro houvesse.

Item 2 (geração de empregos): destaco a revogação da reforma trabalhista, mas acompanhada de “um amplo debate com a sociedade acerca das relações trabalhistas do futuro, em uma economia que crescentemente se concentra no setor de serviços e demanda novas formas de organização e regulação”. Puxa, e eu que achei que isso fosse exatamente a definição da reforma trabalhista. Capaz desse pessoal revogar a reforma, ficar discutindo décadas uma nova reforma, e chegar exatamente na reforma revogada.

Item 3 (planejamento central): depois de muito bla bla bla a respeito das virtudes do planejamento central, vem a promessa de ressuscitar o PAC, programa que serviu, basicamente, para eleger a Dilma.

Item 4: esse item é interessante pois refere-se a medidas macroeconômicas. Ou seja, é onde mais podemos observar o delírio dos petistas.

Comecemos com o câmbio. O programa promete controlar a entrada de capitais, de modo a evitar a “volatilidade”, outro nome para a valorização do real. Parece que o PT estacionou na década 2000, quando havia excesso de capitais no mundo, e Mantega teve que adotar barreiras para evitar a apreciação do Real. Hoje é o inverso, os capitais estão saindo do Brasil. Além disso, pretendem estabelecer um imposto regulatório sobre exportações, que teria como objetivo criar um fundo para manter o nível do câmbio. Ou seja, vamos ferrar os exportadores no curto prazo, mas acredite, eles serão beneficiados no longo prazo.

Na política monetária, o PT vai adotar o mandato dual para o BC, ou seja, o BC seria o responsável por manter o nível de emprego também. Há uma inconsistência intertemporal nesse mandato que não vou detalhar aqui. O exemplo do Fed norte-americano não é adequado: lá, o Fed criou credibilidade em mais de 100 anos de atuação. No final da década de 70, Paul Volcker não hesitou em dar um choque de juros para debelar uma inflação de dois dígitos, criada pelo 2º choque do petróleo. O duplo mandato vale em tempos “normais”. Quando a inflação aparece, não tem conversa.

Agora, imagine esse mandato dual nas mãos de um governo populista. Não precisa ir longe: basta ver o que aconteceu no governo Dilma, quando nem mandato dual havia. Além disso, o PT defende a construção de um novo índice de inflação, para balizar a Selic. De modo transparente, claro. Dá até arrepio.

Outra ideia é a volta da concorrência no sistema bancário, usando os bancos públicos para diminuir os spreads bancários, o que também já foi tentada pela Dilma. O resultado foi a fragilização dos bancos públicos, sem a diminuição permanente dos spreads. Mas, sabe como é: se uma ideia não deu certo da primeira vez, vamos tentar em dobro de novo.

Por fim, a ideia do imposto sobre o spread bancário: quanto maior o spread, maior o imposto. Ideia que, obviamente, aumentará o custo do crédito justamente para os tomadores de maior risco. Ou vocês acham que os bancos não repassarão para os clientes mais este imposto?

Com relação à reforma tributária, o programa propõe isenção de IR para quem ganha até 5 mínimos, compensado com aumento de alíquota para as maiores rendas. Como a grande base é de quem ganha menos, provavelmente o aumento das alíquotas para as maiores rendas deverá ser brutal, de modo a não perder receita.

Ainda com relação à tributação, o programa prevê lucros e dividendos tributados de acordo com a tabela do IR, compensado pela redução da alíquota da pessoa jurídica. Essa ideia já está presente no programa de outros candidatos, assim como a criação do IVA, que é comum a todos os candidatos.

Igual ao Ciro, o programa propõe a CRIAÇÃO DA CPMF para grandes movimentações financeiras, além da criação de um imposto sobre grandes patrimônios. No final, o Estado brasileiro será tão hostil ao grande capital, que este buscará outras paragens. E depois esse mesmo pessoal vêm dizer que somente o Estado está disposto a investir no Brasil…

Na onda ecológica, o programa prevê a criação de “tributos verdes” e revisão dos benefícios fiscais voltados à economia de alto carbono. Pena que esta parte é contraditória com os maiores investimentos por parte da Petrobras. Não se conversaram.

Item 5 (Reindustrialização): Os setores serão escolhidos com base em alguns critérios. Ou seja, o Estado induzirá o desenvolvimento de alguns setores em detrimento de outros. Super deu certo com a Dilma, vai dar certo de novo agora.

A elevação da taxa de investimento da economia passará pelo setor produtivo estatal, cuja atuação fortalecerá setores industriais estratégicos. Traduzindo: a Petrobras voltará a ser usada para induzir alguns setores, como o naval. Super deu certo com a Dilma, vai dar certo de novo, certeza.

Os investimentos em infra-estrutura serão feitos em parceria com a iniciativa privada, no modelo que minimiza os custos para os usuários. É aquele modelo que você faz de conta que paga uma tarifa e o concessionário faz de conta que presta um serviço decente. Super deu certo com a Dilma também.

Por fim, o programa prevê o uso de uma tal “fração excedente das reservas cambiais” para a criação de um fundo de financiamento de infraestrutura. Medida contraditória com o objetivo de manter o câmbio desvalorizado, na medida que internaliza os dólares das reservas. Além disso, qual é esta “fração excedente”? Como medir isso?

Este é o programa econômico do PT, em suas principais linhas. Note que a reforma da previdência, que é o grande nó fiscal do Brasil a longo prazo, sequer é citada. O programa é a aposta de que a intervenção estatal em várias instâncias criará as condições para a retomada do crescimento econômico, o que tornará obsoleta a necessidade de conter despesas.

Se nem uma recessão de 10%, a maior da história do Brasil, foi capaz de convencer os formuladores petistas dos erros de suas ideias, nada será capaz de fazê-lo.

E não se engane: eles podem até reconhecer que precisam fazer o ajuste das despesas, e contratar um economista ortodoxo para fazê-lo. Mas não está no DNA do partido, e o destino desse ajuste é o mesmo que teve aquele tentado por Joaquim Levy. No fundo, não acreditam nisso. Haddad incluído.

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