A judicialização do setor aéreo

Não consigo ver nada mais Brasil do que esse assunto aqui. Coisa igual pode existir, mais é impossível.

Trata-se do seguinte: multiplicaram-se sites que oferecem a compra de demandas judiciais de passageiros contra companhias aéreas, ou ajuda para processar as companhias, em caso de atrasos e cancelamentos, em troca de uma participação na indenização. Segundo a matéria do Valor, o nível de judicialização ultrapassou o dos EUA, terra dos advogados e dos processos, como sabemos. Os culpados? Esses sites do demônio.

As companhias aéreas obviamente criticam esses sites, acusando-os de estarem causando milhões de prejuízo às empresas do setor. E aqui entra o primeiro “componente Brasil” dessa história. Esses sites apenas descobriram um nicho de mercado: a tendência de os juízes brasileiros darem ganho de causa para o passageiro, independentemente da causa do atraso/cancelamento. Segundo a reportagem, a justiça brasileira não segue a Convenção de Montreal, que regula essa relação, e que não dá ganho de causa ao passageiro quando o atraso/cancelamento se deu por “força maior”. Mas aqui no Brasil, o sentimento anti-capitalista é mais forte, praticamente invencível, de modo que as empresas são sempre culpadas. Esses sites nada mais fazem do que explorar essa “distorção de mercado”.

Mas a OAB chegou para dar um jeito nessa história. Como não é possível mudar cabeça de juiz, vamos acabar com esses sites do demônio e dificultar o acesso do brasileiro à justiça. E aqui entra a segunda característica bem brasileira dessa história. Não, a OAB não está preocupada com a hiperjudicialização. Segundo a matéria, a OAB está processando os sites por fazerem o papel de advogados sem sê-los e por estarem “mercantilizando” os serviços de advocacia. A OAB está preocupada, portanto, em manter o monopólio da advocacia e a “pureza” da atividade contra a influência do vil metal.

Da primeira acusação, os sites defendem-se dizendo que contratam advogados para representar junto à justiça. Ou seja, respeitam o monopólio da OAB. Mas é a segunda acusação que marca bem o que é a justiça no Brasil. Advogados não podem fazer propaganda de sua atividade. Advogados não podem abrir o seu escritório em uma loja no nível da rua ou em um shopping. Advogados devem esperar sentados em suas torres de marfim os seus clientes. Não mercantilizar a sua atividade é isso. Fazer publicidade seria sujar as mãos no capitalismo mais rasteiro e isso os advogados não podem fazer.

Essa então é a justiça no Brasil: juízes que julgam com cabeça anti-capitalista e advogados que pensam com cabeça anti-capitalista. Resultado: uma justiça inacessível e intimidatória, feita para quem conhece o sistema por dentro e consegue, a peso de ouro, explorar os vieses dos juízes. Esses sites de processos contra companhias aéreas vieram para inverter essa lógica: deixar a justiça facilmente à mão e forçar uma mudança de jurisprudência por parte da justiça. Essa é, aliás, a forma mais eficiente de diminuir a atuação desses sites: passar a adotar a Convenção de Montreal, tornando o ganho na justiça menos certo. Mas aqui preferimos quebrar o termômetro ao invés de combater a febre.

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