Vencendo um debate sem ter razão

Schopenhauer foi um filósofo cético alemão do século XIX. Uma de suas obras traduzidas no Brasil é um livrinho chamado “Como Vencer um Debate Sem Precisar Ter Razão”. Ali, o filósofo descreve 38 estratagemas para vencer qualquer debate de maneira fraudulenta.

Lembrei-me de Schopenhauer ao ler duas chamadas de primeira página do Valor de hoje. Na primeira, o CEO da Magazine Luiza diz que “a iniciativa privada não é a solução de todos os problemas”.

Na segunda, um “especialista em desigualdade” afirma ter medo que as políticas neoliberais do governo aumentem a dita-cuja.

Vários estratagemas de Schopenhauer estão presentes. O primeiro e mais óbvio é a “ampliação indevida”, que consiste colocar na boca do adversário uma generalização que ele não fez, para daí refutar toda a tese. Não vi nenhum liberal dizendo, por exemplo, que cada um deve cuidar de sua segurança, como afirma Trajano. Pelo contrário, o Estado deveria sair de atividades empresariais para dedicar-se justamente a campos onde deve ter o monopólio, como a segurança pública. Ao ampliar o escopo falsamente, Trajano frauda a discussão.

Outro estratagema é o “salto indutivo”. A partir de uma premissa particular aceita, assume-se o geral como verdade. Trajano também usa esse estratagema, ao dizer que privatizar a educação é ruim porque ele “não quer ter universidade corporativa”. A premissa é verdadeira, não cabe a uma empresa de um ramo qualquer substituir o papel das universidades, mas daí a deduzir que somente o Estado pode fornecer ensino de qualidade constitui um salto indutivo. Seria como o dono de uma universidade ou escola particular dizer que não quer vender eletrodomésticos em seu estabelecimento, deduzindo daí que só o Estado tem essa capacidade.

Já o nosso “especialista em desigualdade” lança mão da “manipulação semântica” e do “rótulo odioso” como estratagemas. Neste caso, atribui-se ao termo um conjunto de significados que nada tem a ver com o conceito original, mas que prova a tese do argumentador. Assim, o próprio uso do termo serve para ganhar o debate. Isso funciona ainda melhor se o termo for “odioso”. É o caso da palavra “neoliberal”, demonizada por três décadas de doutrinação petista. O neoliberalismo é justamente a mitigação do liberalismo laissez faire, em que se admite que o Estado tem um papel importante na redução da desigualdade das condições iniciais dos agentes econômicos. Assim, as transferências de renda e a educação têm um papel central no neoliberalismo, o justo oposto do que o “especialista em desigualdade” quis dizer ao usar o termo.

Por fim, resta fazer um comentário sobre o fato de um jornal como o Valor Econômico, o maior jornal de finanças do país, estampar em sua capa duas chamadas contra o “liberalismo”. Como se a agenda liberal não estivesse sendo implementada (e mesmo assim muito mal e mal) por absoluta falta de outra alternativa, diante de um Estado que perdeu toda a sua capacidade de exercer minimamente suas funções depois de 30 anos de “políticas distributivas”. O Valor, assim como todos os “especialistas” que execram o liberalismo deste governo, usam o estratagema “uso de premissa falsa” para vencer o debate: a falsa premissa é assumir que a escolha pelo liberalismo é ideológica, e não por necessidade. Sendo ideológica, a coisa fica no “debate das ideias”, enquanto aquilo que não deu certo no passado continua não dando certo no presente e, pelo andar da carruagem, continuará não dando certo no futuro. Como já disse Paulo Guedes mais de uma vez, tentamos políticas social-democratas por 30 anos e não saímos muito do lugar em termos de enriquecimento e distribuição de renda; será que não podemos dar uma pequena chance para o liberalismo?

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