Em busca de uma narrativa

Em jornalismo existe uma lei que diz que, se você procurar bem, sempre existirá uma estatística que rende uma boa manchete. Este é o caso aqui. Diante da relativa estabilidade do número de mortes causadas por policiais, a reportagem encontrou uma estatística útil: o número de mortes causadas pela Rota dobrou de 2018 para 2019. Prato cheio.

Desde o velho bordão de Maluf (“vou colocar a Rota na rua!”) até filmes como Tropa de Elite, esses batalhões especiais têm seus nomes ligados à eficiência no combate à criminalidade com o uso da violência extrema. Quer coisa melhor do que uma estatística que prove isso?

Mas, como dizia o saudoso Roberto Campos, estatísticas são como biquínis: mostram tudo mas escondem o essencial.

Em primeiro lugar, a reportagem apresenta um bonito infográfico mostrando a evolução do número de mortes pela Rota de 2018 para 2019: 51 para 101.

Vamos combinar que, para dar essa informação, não precisava de um gráfico, né? Mas o problema é outro: e os outros anos? Certamente esses dados existem. Por que não informar ao público? Ficamos sem saber se este número de 2019 é de fato um ponto fora da curva ou faz parte de uma média que vem prevalecendo nos últimos anos. Ficamos na dúvida se a reportagem escondeu esses dados porque não ornam com a versão, ou se foi um simples “esquecimento”.

O ouvidor das policiais tem uma explicação para essa “explosão de mortes”: por ser uma “tropa de elite”, a Rota seria mais sensível ao discurso de que “bandido bom é bandido morto”.

Hein?!? O que tem a ver o cy com as calças? Por que cargas d’água os outros batalhões seriam menos sensíveis a esse discurso? Non sense. Mas o bravo ouvidor não parou por aí. Culpou também o “discurso conservador que permeia o Estado e o País”.

Bem, seria assim se assim fosse. Podemos observar no gráfico que houve um salto da letalidade policial de 2013 para 2014 de uma média de 500 a 600 para uma média de 800 a 900. O número de 2019 não destoa da média desde 2014.

A pergunta que obviamente não foi feita ao ouvidor (mesmo porque jornalista está mais preocupado em lacrar do que em informar) é porque este tal “pensamento conservador” começou a fazer estragos especificamente em 2014, quando o país ainda vivia uma “normalidade democrática” (contém ironia).

Bem, ontem foi o último dia do tal ouvidor. Foi substituído por outro, escolhido de uma lista tríplice pelo governador João Doria. Este novo ouvidor, ao que parece, foi elogiado pelo responsável pelo grupo de advogados “Prerrogativas”, aquele que defende o direito pela impunidade de quem pode pagar bons advogados. Ao que parece, poderemos continuar contando com explicações sociológicas convincentes para a letalidade policial.

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