Manchete marota

Daí você vai ler a matéria, e descobre que o inquérito apontou uma looonga cadeia de causalidades:

– Pessoas organizaram um baile contra a lei.

– A prefeitura não fiscalizou e coibiu o baile contra a lei.

– Bandidos fugiram de perseguição policial para dentro da multidão do baile.

– Pessoas que estavam no baile agrediram fisicamente os policiais que estavam perseguindo os bandidos.

– Os policiais jogaram bombas de gás para se defender das agressões da multidão.

– Pessoas pisotearam outras pessoas na tentativa de fugir da confusão.

Mas quem só leu a manchete, ficou achando que o inquérito incriminou os PMs. Veja, não estou dizendo que o inquérito esteja certo ou errado. Estou apenas dizendo que a manchete, escolhida a dedo para incriminar apenas um dos elos dessa cadeia, não tem nada a ver com a reportagem.

Mas não tenho dúvida que o autor dessa manchete marota vai correndo procurar a PM quando se vir privado de seus direitos.

Em banho-maria

Antes de comentar a declaração de Maia, vamos desenhar o contexto.

O Estado brasileiro gera déficit fiscal primário desde 2014, e ainda vai gerar por mais uns dois anos, pelo menos. Serão quase 10 anos em que o Estado brasileiro não cabe dentro dos impostos arrecadados, tendo que se endividar para pagar suas contas. Isso, com uma carga tributária equivalente a 35% do PIB, a maior, de longe, entre os países emergentes, e comparável a países ricos, como Reino Unido e Alemanha.

Durante esse período, a dívida pública saiu de 55% do PIB (que já era de longe a maior dívida entre os países emergentes) para quase 80% do PIB, nível de dívida comparável ao de países muito mais desenvolvidos, com taxas de juros muito menores. A dívida só não continuou aumentando porque aprovamos uma medida extrema, o Teto de Gastos, o BNDES devolveu uma parte do dinheiro emprestado e conseguimos diminuir as taxas de juros após uma política monetária responsável, que domou a inflação. Mesmo assim, 80% do PIB é uma dívida de gente grande.

Agora, a fala de Maia. Como um liberal responsável, ele não defende o endividamento irresponsável. Não. Ele defende a continuidade das reformas justamente para abrir espaço no orçamento para o investimento estatal. Segundo ele, só com o investimento privado, o Brasil não vai a lugar algum.

Segundo o pensamento de Maia, não há espaço para a redução da carga tributária. O Estado precisa gastar o dinheiro liberado pelas reformas para investir. O pibinho seria uma evidência de como o investimento estatal é essencial para o Brasil crescer. Não lhe ocorre que, com o Estado consumindo a poupança nacional (lembre-se, geramos déficit primário há 6 anos), com uma carga tributária escorchante e um nightmare tributário e jurídico sem paralelo no mundo, pedir investimento privado é quase uma ato de fé. Mas não, o problema é que o “investimento privado não resolve”. Bem ou mal, Maia representa a banda mais liberal do Congresso, aquela que não demoniza a iniciativa privada. Se ele pensa desse jeito, imagine a média do Congresso…

Ontem, ao ser perguntado sobre o pibinho pelos jornalistas, Bolsonaro soprou no ouvido do humorista carioca a resposta: Posto Ipiranga. Para bom entendedor, meia palavra basta: Paulo Guedes é o fiador dessa política liberal, que busca tirar o Estado de atividades produtivas para abrir espaço ao investimento privado. O pibinho, se continuar (e, ao que tudo indica, vai continuar) será cobrado politicamente do ministro da Economia por um presidente que nunca teve convicções liberais. Ontem, Bolsonaro colocou o Posto Ipiranga no banho-maria. E vai aumentar a temperatura da panela daqui para frente.

O 5o maior

Bem, o Brasil tem a quinta maior população do planeta, então é só natural que seja o quinto maior em qualquer coisa.

Mas essa militância fica ainda mais ridícula quando se compara o número de assassinatos: segundo dados da UNODC (escritório da ONU para drogas e crime) em 2017 o Brasil liderava com folga o número de assassinatos: 64 mil, contra um distante segundo lugar do México, com 32 mil. Ou seja, em relação a esse ranking, que é o que importa para fins de comparação, o suposto quinto lugar de feminicídios parece um “não problema”.

Mas para quem só se preocupa em lacrar, esse tipo de raciocínio só pode ser sinal de um machismo tóxico.

O STF e os cremes

Fico satisfeito quando vejo a nossa Suprema Corte cumprindo a sua função institucional. Vale cada real dos meus suados impostos, inclusive para comprar lagostas.

Fica apenas a dúvida de qual seria o montante a partir do qual o roubo seria considerado crime. Já sabemos que qualquer montante abaixo se R$45,80 tá liberado. Talvez em uma próxima sessão do egrégio colégio, os augustos ministros se inclinem sobre esta importante questão.

Mas R$45,80 já dá para fazer a festa em supermercados e lojas de conveniência. Com o aval do STF!

Uma ideia corajosa

Bernie pretende anistiar todas as dívidas estudantis. Todas. No questions asked, como dizem aquelas ofertas de devolução do dinheiro dentro de 30 dias caso o cliente não fique satisfeito.

E de onde sairá esse dinheiro (cerca de 1,6 trilhões de dólares)? Simples: de um “imposto sobre a especulação”. Wall Street vai pagar. Haverá um imposto sobre todas e cada uma das transações feitas por Wall Street, seja com ações, seja com bonds (títulos de renda fixa).

Soa como música aos ouvidos do “homem comum”. É uma ideia simples mas genial, mas que só poderia ser proposta por alguém com a coragem de Bernie.

Coragem de se mostrar idiota em corpo inteiro. Vejamos.

Esses empréstimos foram intermediados por Wall Street. Do outro lado, estão poupadores de recursos, que entregam seu dinheiro nas mãos de administradores, que os emprestam para estudantes. Quem vai pagar esse imposto? Certamente não é “Wall Street”. Quem vai pagar são os poupadores, que dependem de Wall Street para administrar seus recursos. Wall Street somente repassará esse custo adicional para os seus clientes. O que inclui também os tomadores de recursos. Ou seja, o calote, no final do dia, será pago por doadores e tomadores de empréstimos. Mas não acaba por aí. Não sei se este montante que se prevê arrecadar é acurado, mas seria melhor refazer as contas. Com um imposto desse tipo, é bem provável que uma parcela relevante das negociações de títulos migrem para outras bolsas e mercados. Londres e Frankfurt certamente estariam esperando de braços abertos. Ou seja, o montante arrecadado seria bem menor.

Por fim, o pior dessa história: o moral hazard, que traduzido livremente seria algo como “mau exemplo”. Ao ter suas dívidas perdoadas, os agentes tendem a acreditar que dívidas serão perdoadas mais cedo ou mais tarde, o que impulsiona atitudes de mais risco. O outro lado da moeda é que os agentes poupadores ficarão mais refratários a conceder empréstimos, exigindo taxas mais altas. O resultado será uma diminuição significativa do mercado de crédito, com tudo o que isso significa para o crescimento econômico. O mercado de crédito estudantil, então, tende a desaparecer. Talvez seja esse mesmo o objetivo.

Vem, Colômbia!

Segundo o Heritage Foundation, a carga tributária da Colômbia é de 16% do PIB. Seguindo recomendações de “organismos internacionais”, o país vai aumentar a sua carga tributária em 3 ou 4 pontos do PIB e usar os recursos “de maneira inteligente”. De maneira inteligente, suponho, significa “tirar dos ricos e dar aos pobres”, através de programas sociais.

Bem, se serve de exemplo, a carga tributária do Brasil, segundo a mesma fonte, é de 34% do PIB. Aqui, estamos aumentando a carga tributária desde 1988, e mesmo assim ainda geramos déficit primário. Ou seja, mesmo com essa montanha de arrecadação, os “usos inteligentes dos recursos” são tantos, que falta dinheiro. Mas, pelo menos, temos um serviço público exemplar, estamos todos muito satisfeitos. Vem, Colômbia!

República sindicalista

Responsável pela GLO no Ceará faz discurso sindical para grevistas de uma greve ilegal.

Trocamos uma República Sindicalista por outra.

PS.: antes que digam que não é nada disso, eu vi o vídeo na íntegra. O coronel Aginaldo de Oliveira pede o fim da greve e, para isso, rasga elogios aos policiais grevistas. Lula também recomendava o fim de greves, quando seus próprios interesses haviam sido atingidos, não é esse o ponto. A questão é o tom de companheirismo sindical com funcionários públicos que infringiram a lei. De onde se concluiu que o Estado brasileiro já não é mais guardião da lei, mas de interesses da corporação de plantão.

Quem é o culpado pelas altas taxas de juros?

Sempre ouvi dizer que os juros eram altos no Brasil porque os bancos e o mercado financeiro lucravam muito, e forçavam o BC a deixar a taxa mais alta. Aliás, esse era o motivo pelo qual o BC não podia ficar independente do governo, pois cairia refém dos chantagistas do mercado.

Bem, tela azul agora, com “agentes financeiros” prevendo novas mínimas históricas para a taxa básica de juros. Se não era o mercado que queria as taxas de juros nas alturas, quem era o culpado?