O governo da semana que vem

Paulo Uebel e Salim Mattar, subordinados diretos do ministro Paulo Guedes, pediram demissão. O primeiro por discordar do atraso da reforma administrativa. O segundo, por discordar do atraso da agenda de privatizações.

Este é o governo do atraso. Ou se preferirem, o governo da “semana que vem”.

Confiança é o nome do jogo

Leio hoje no Valor que Rússia e China aumentaram as transações em moeda local entre si. Agora, representam 24% do total do comércio exterior entre os dois países. O restante ainda é em dólar (46%) e Euro (30%).

Alguns poderiam se perguntar, afinal, por que essa dependência do dólar? Não poderiam as nações simplesmente transacionar em suas próprias moedas entre si?

A resposta a essa pergunta vai na forma de uma outra pergunta: se você fosse um empresário brasileiro e estivesse vendendo para a Argentina, você aceitaria o pagamento em pesos argentinos? Ou exigiria dólares?

Na última vez que fui à Argentina, em 2014, troquei todos os meus dólares por pesos argentinos, para poder pagar as coisas. O comércio de lá aceitava (e ainda aceita) dólares também, mas o câmbio não era muito favorável. Bem, no final da viagem sobraram alguns pesos. Só para testar, fui ao Banco de La Nacion do aeroporto de Ezeiza para tentar trocar os pesos por dólares. Obviamente não tive sucesso. Nem o banco estatal aceitava a moeda do país.

Moeda é, acima de tudo, confiança. Aquele papel pintado só vale alguma coisa porque por trás existe um governo confiável, suportado por um sistema jurídico que funciona. Você compraria um carro usado do Putin? E do Xi Jinping? Pois é.

Ok, você também não compraria um carro usado do Trump. Mas aí entra a força das instituições. Trump vai durar mais alguns meses ou, no máximo, mais 4 anos. Todos sabem disso, todos confiam que isso acontecerá. A dívida americana é gigantesca, mas todos confiam de que receberão o seu dinheiro de volta, se assim o quiserem. Aliás, receberão em dólares, o papel pintado que vale tanto quanto a dívida.

Mesmo no caso do Euro, a confiança é menor. Trata-se de uma moeda construída há menos de 30 anos, com uma governança que depende basicamente da Alemanha. Na verdade, a confiança no Euro é a confiança na Alemanha. Os detentores do Euro confiam que, se um dia a moeda desaparecer, poderão trocá-la por marcos alemães. Mas trata-se de um arranjo mais precário do que o dólar.

Assim, vejo essas notícias com um certo ceticismo. O repórter entrevista um professor de Harvard que credita ao dólar três vantagens: inflação baixa, mercado doméstico gigantesco e mercado financeiro enorme e sofisticado. É verdade, mas isso a Europa também tem. Então, o que determina a predominância é a confiança de que a poupança em dólar é mais segura. Não vejo isso mudando em um horizonte de tempo visível.

O que distingue o craque do medíocre

Leio no jornal hoje que Patrick de Paula pediu a Vanderlei Luxemburgo para bater um pênalti ontem na decisão. E não um pênalti qualquer, mas o último pênalti, que poderia ser o decisivo.

O garoto tem 20 anos. Ontem foi a primeira vez que o vi jogar. Pareceu-me seguro e com bom toque de bola. Mas, no Brasil, milhares de garotos têm bom toque de bola. Para ser um craque, é preciso mais do que isso. É preciso tomar risco. “Ter personalidade”, como diz o jargão do futebol.

Ao pedir para bater o 5o pênalti, Patrick mostrou que tem personalidade, que sabe tomar risco. A própria forma de bater o pênalti mostrou isso: na forquilha de Cássio, sem chance para o goleiro. Raras vezes vi um pênalti bem batido como esse. Mas é uma batida arriscada, a probabilidade de a bola sair por cima não é desprezível.

Patrick de Paula mostrou, no jogo de ontem, que pode se destacar no futebol. Pois, além do bom futebol, sabe tomar risco. E isso distingue o medíocre do herói.

Nota especial para Vanderlei Luxemburgo. Cabia a ele a decisão de quem iria bater o pênalti. Tomou o risco de entregar a responsabilidade para um garoto de 20 anos. Se Patrick perdesse o pênalti, a cobrança viria principalmente sobre o técnico, pois ele é o adulto na sala, aquele que decide com responsabilidade. Mas Luxemburgo confiou na sua avaliação, e tomou o risco. Mostrou porque, apesar de controverso, é um técnico incontestavelmente vitorioso.

Claro, nada disso estaria sendo escrito se Patrick perdesse o pênalti. Mas o sucesso é dos que se arriscam e não têm medo do fracasso. O “se”, agora, faz parte do passado. Patrick acertou o pênalti com maestria, e vai colher os frutos de sua ousadia.

A solução já existe

Prevaleceu o bom senso, e Maia decidiu engavetar o projeto que tabela os juros do cheque especial e do cartão de crédito. Mas o presidente da Câmara exige dos bancos uma “solução” para o problema.

Ocorre que essa solução já existe: chama-se crédito pessoal. Qualquer um pode substituir o saldo do rotativo do cartão ou do cheque especial por uma linha de crédito pessoal, que normalmente conta com taxas muito mais baixas. Aliás, a regra do rotativo do cartão já conta com uma linha de crédito pessoal embutida: se depois de 30 dias o cliente não saiu do rotativo, o banco é obrigado a oferecer um parcelamento daquele saldo.

Mas (e tem sempre um mas), para grande parte das pessoas que rodam sua vida no cheque especial e no rotativo do cartão, o problema está no déficit de seu orçamento pessoal. Depois de renegociar a dívida, essas pessoas voltam a usar o cheque especial e o rotativo, simplesmente porque não conseguem controlar seus gastos.

A diferença fundamental entre o cheque especial/rotativo do cartão e o empréstimo pessoal está na exigência, por parte deste último, de pagamentos periódicos. O crédito pessoal tem dia para terminar, enquanto o cheque especial e o rotativo podem ser rolados ad eternum sem que o nome do devedor vá para o Serasa. Por isso, essas linhas são mais caras, é muito mais difícil o banco reaver o dinheiro.

No limite, o problema dos juros do cheque especial e do rotativo acabariam com o fim desses produtos. Seria um tombo na receita dos bancos, mas serviria como um poderoso elemento disciplinador para a população: as pessoas seriam obrigadas a rever suas despesas, não seria tão fácil fazer dívidas. Tabelar os juros seria uma forma de fazer isso, pois os bancos deixariam de oferecer esses produtos ao preço tabelado. Na verdade, é até uma pena que esse projeto não vá para frente.

Tratando o brasileiro como imbecil

Imposto Digital.

Imposto digital não é CPMF. Imposto digital é…

Até agora ninguém do governo veio a público para explicar o que seria o tal “imposto digital”, e como ele pode substituir impostos sobre folha de pagamento, IPI, Imposto de Renda, subsidiar o Renda Brasil, a lista de benesses não para de crescer.

Há uma confusão intencional aqui. Existe realmente uma discussão global sobre como taxar a economia digital. Empresas “que não estão em lugar algum”, como Google, Facebook, Amazon e outras do mundo virtual são um desafio para um sistema tributário baseado em jurisdição territorial. Os governos estão discutindo como taxar o consumo desses serviços.

Isso é uma coisa.

Outra coisa é um imposto “de base ampla” (como gosta de enfatizar Paulo Guedes) para financiar a felicidade geral da nação. Seu assessor especial Afif Domingos falou em arrecadação de R$ 120 bilhões/ano. Não se arrecada esse montante taxando os serviços do Google, Facebook etc. Obviamente não é isso. Insiste-se no termo “imposto digital” para confundir as coisas. Propositalmente. Não existe (pelo menos não foi divulgado) até o momento qual seria a base de tributação desse tal “imposto digital”.

A taxação das transações pela Internet já acontece. Pagamos ICMS e IPI sobre a compra de qualquer produto, seja este comprado em uma loja física ou na Amazon. Resta a transação em si, o pagamento sobre a transferência do dinheiro. Mas se isso for taxado somente para transações na Internet, todo o consumo migrará para as lojas físicas. Obviamente também não é disso que se trata.

Seria muito melhor para todos se Paulo Guedes parasse de tratar os brasileiros como imbecis. Jogasse aberto, dizendo exatamente o que quer, e não ficar se escondendo atrás de um palavreado que não significa nada. Ganharíamos tempo, uma mercadoria cada vez mais escassa na dramática situação fiscal brasileira.

Apple vs. Brasil

As pessoas (jornalistas incluídos) fazem confusão entre PIB e riqueza. PIB é fluxo, riqueza é estoque. Explico.

PIB é o quanto um determinado país produziu em um ano. A riqueza de um país é a soma de todos os PIBs anteriores mais as riquezas naturais e menos a depreciação daquilo que já foi produzido.

Este valor de mercado da Apple é a riqueza da Apple, não o seu PIB. Aliás, está riqueza da Apple conta também com a sua produção futura, a expectativa de seus lucros futuros.

A riqueza do Brasil é muitas, mas muitas vezes maior do que US$ 1,8 trilhão. Na verdade, a cada ano o Brasil agrega U$ 1,8 trilhão à sua riqueza. A riqueza é o estoque do que foi produzido.

Portanto, dizer que a Apple é mais “valiosa” que o Brasil é errado. Trata-se de uma ignorância de conceitos econômicos básicos.

Só avisando

“Parece que tem muita gente que não quer deixar suas digitais”.

“É maldade ou ignorância chamar novo imposto de CPMF”.

Estas são frases de Paulo Guedes, hoje, em audiência no Congresso, sobre o novo imposto que não é a CPMF.

Lula era mestre em cunhar frases que deslocavam a discussão do mérito da questão para o questionamento da moral de quem criticava. Quem não se lembra da acusação de que as pessoas “se incomodavam pelo pobre viajar de avião”, para desclassificar seus críticos?

Guedes precisa tomar cuidado para, no afã de emplacar sua agenda, não adotar métodos que não deram lá muito certo para o PT. Chamar quem é contra a CPMF de ladrão, ignorante ou maldoso, deixando de lado o mérito da questão, não é algo muito esperto a se fazer. Só avisando.

A imparcialidade em cheque

Eu poderia começar este post desancando os ministros do Supremo, dizendo que atendem interesses inconfessáveis de seus respectivos amigos. Mas não. Vamos nos ater à questão técnica, ou pelo menos lógica, já que não sou da área jurídica. Assumamos a boa fé dos ministros do Supremo, e consideremos que a suspeição de Moro se baseie em argumentos absolutamente técnicos.

A suspeição tem como pressuposto uma suposta parcialidade do juiz. Ora, para todo crime, é necessário que haja um motivo. Se não há motivo, o crime (se é que o há) nada mais é do que um erro, um acidente. Em um jogo de futebol, o juiz pode errar, e muitas vezes erra. Mas daí a acusá-lo de parcialidade há uma looooonga distância. Seria necessário encontrar elos que unam o juiz a um dos times. E não basta dizer que o juiz é torcedor de tal ou qual time. Precisa ter uma mala preta na jogada.

Voltemos ao caso de Moro. É possível (e até provável) que o juiz de Curitiba tenha errado. Afinal foram dezenas de processos complexos no âmbito da Lava-Jato. Mas daí a acusá-lo de parcialidade vai uma looooonga distância. Seria necessário que se encontrassem provas da tal suspeição. Caso contrário, temos apenas erros processuais, que podem ser corrigidos em instâncias superiores. Instâncias essas, aliás, que confirmaram a esmagadora maioria das ações de Moro.

Que a torcida chame o juiz do ladrão faz parte do jogo. Petistas e os neo-amigos de Bolsonaro do Centrão estão em seu papel político de levantar suspeitas com relação ao juiz que colocou o mundo político na cadeia. Coisa bem diferente é condenar um juiz por parcialidade. Para tanto, é preciso que o comitê de árbitros (no caso, o STF) julgue com base em provas. Caso contrário, o STF estaria se juntando à torcida, o que significaria o fim do Estado Democrático de Direito.