O ‘poder’ das redes

Quando Eugênio Bucci fala, eu paro para ouvir. Normalmente, sua argumentação me convence do ponto exatamente oposto. Mais uma vez, não saí decepcionado.

Como era de se esperar, Bucci amou o documentário O Dilema das Redes (eu ia usar outra palavra para descrever a reação do colunista, mas há crianças na sala). O curioso em sua crítica é o foco nas consequências políticas e não de consumo. Digo curioso porque, sendo professor da área de comunicação, esperaria uma análise sobre a manipulação do consumo. Nem uma linha a respeito, o que já nos diz muita coisa.

O colunista envereda pelas “ameaças à democracia” representadas pelas redes sociais (destaco os dois principais trechos abaixo). Infelizmente, o raciocínio do colunista sofre de três falhas lógicas graves.

A primeira é assumir que as redes são as responsáveis pela ascensão de líderes populistas que destroem a democracia por dentro. Na medida em que eu ia lendo, vozes na minha cabeça iam soprando: “Hitler, Mussolini, Chavez”. Líderes que foram eleitos sem as redes e destruíram as democracias de seus países por dentro. Isso sem contar outros golpes na democracia que não passaram por eleições mas que, mesmo assim, tiveram apoio popular (todo golpe tem apoio popular, não sai do nada): Getúlio, Fidel, os militares de 64. Enfim, atribuir às redes um fenômeno generalizado no tempo e no espaço é, para dizer o mínimo, uma falha lógica.

A segunda falha decorre da primeira: se as redes serviram para “um lado”, porque não serviriam para o “outro lado”? As redes são território neutro, a não ser que se acuse Zuckerberg de fazer campanha para Bolsonaro, mas a esse ponto (ainda) não chegou o colunista. Sendo território neutro, podem ser usadas pelo “lado do bem” igualmente. Bucci contrapõe a mídia tradicional, que estaria ao lado do “bem racional” às redes, que estariam a serviço do “mal irracional”. Ora, isso parece-me mais desculpa de perdedor. Primeiro, porque o monopólio da mídia tradicional não impediu a ascensão de líderes populistas e ditadores ao longo de décadas e no mundo inteiro. E, segundo, as redes estão à disposição de todos, inclusive dos monopolistas do bem, entre os quais se auto-alinha o articulista. Isso nos leva à terceira falha do raciocínio.

A terceira falha lógica da argumentação é óbvia: e se o vencedor da próxima eleição for o Luciano Huck? Ou o Felipe Neto? (Desculpem-me, estou só estressando o argumento). Neste caso, pessoas que sabem usar as redes a seu favor. Bucci virá a público para denunciar a manipulação das redes sociais? Ou comemorará o fato de as redes sociais terem ajudado a eleger candidatos fofos?

No fundo, todo esse barulho em torno das redes sociais se dá por conta das eleições de Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil. Se Clinton e Haddad fossem os presidentes hoje, esse assunto teria atenção mínima, se tivesse alguma. Esse artigo de Eugênio Bucci é prova cabal desse ponto. Afinal, ninguém está nem aí para a manipulação do consumo. Mas a coisa foi para o lado político, que desperta paixões. Esse é o problema.

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