Redes sociais, a nova face do velho capitalismo

O professor Eugênio Bucci lançou um livro. Em entrevista ao Estadão (destaquei os trechos mais interessantes abaixo), nos conta um pouco do que vai por aquelas páginas. Ao lado de expressões como “a instância da imagem ao vivo é o portal por onde a totalidade do agora abraça a totalidade do espaço”, repetida pelo entrevistador com mal disfarçado enlevo, Bucci somente repete o seu fatwa sobre as redes sociais, o que já havia sido objeto de artigos do professor.

Segundo o professor da ECA, “nunca os seres humanos foram tão abusivamente explorados como agora”. Os seres humanos escravizados de todas as épocas, o que inclui os prisioneiros dos campos de concentração nazistas e das prisões do Gulag soviético, devem estar se revirando nos seus respectivos túmulos. Até mesmo os proletários de Marx, esses pobres explorados pelo capital, devem estar aliviados de não serem mais os líderes desse ranking da exploração. Agora, os mais explorados de todos os tempos somos nós, os usuários das redes sociais. U-lá-lá!

Bucci faz uma revelação aterradora: os usuários das redes sociais somos “mercadejados”! A palavra “mercadejar” traz uma carga negativa para esse tipo de intelectual, que vê no comércio algo sujo, impróprio da dignidade humana. Para esse pessoal, um outro mundo, com as pessoas trabalhando quanto puderem e consumindo quanto quiserem, é possível. Não à toa, o professor se refere à “ganância do capital” como a fonte de todos os nossos problemas. De fato, essa ganância que permitiu tirar bilhões de seres humanos da miséria e dobrar a expectativa de vida da humanidade ao longo dos últimos séculos é um problema a ser resolvido.

Mas voltemos à “revelação”: somos mercadorias! Uau! E eu achando que o Zucka nos fornecia essa plataforma de graça por ser um grande filantropo, interessado apenas em nos proporcionar alguma diversão. Estou perplecto.

O professor nos conta que há uma grande assimetria: enquanto os algoritmos nos conhecem profundamente, nós não conhecemos nada sobre os algoritmos. Fico pensando o que ganharíamos em conhecer os detalhes técnicos dos algoritmos. Deixaríamos de clicar onde clicamos? Deixaríamos de visitar as páginas que visitamos? Deixaríamos de usar as redes sociais? Na verdade, parece-me que hoje não há ninguém suficientemente ingênuo que não saiba que toda a sua navegação na Internet esteja sendo monitorada para nos vender coisas. O que mais exatamente precisamos saber?

Aliás, essa “assimetria” informacional não é privilégio das redes sociais. Toda empresa de bens de consumo conhece muito melhor o cliente, via pesquisas e imensos bancos de dados (que já existiam antes das redes sociais) do que o cliente conhece a empresa. As redes sociais e o Google somente alavancaram no poder da Internet para levar esse processo de conhecimento do cliente ao estado da arte. Não houve uma mudança de natureza, houve apenas um aumento da velocidade e da quantidade de dados disponíveis.

Bucci sugere como remédios “regulamentação democrática” e “quebra de monopólio”. Fico imaginando que tipo de regulamentação poderia impedir o uso de dados que os usuários topam compartilhar como preço pelo uso da ferramenta. E, caso haja proibição total de uso desses dados, fico imaginando como as redes sociais e os buscadores da Internet sobreviveriam. Na verdade, a própria Internet como a conhecemos ficaria inviabilizada. Voltaríamos a um mundo sem Internet. Conseguem imaginar?

Por fim, não poderia faltar o toque político: a democracia estaria ameaçada! Por quem? Nada mais, nada menos, que os bolsonaristas, que usam as redes sociais para espalhar o ódio e fake news. Como se outras forças políticas não pudessem usar as redes sociais por algum motivo. E como se as redes sociais fossem um fator determinante para abalar regimes democráticos. Não me consta que Hitler ou Stálin contassem com redes sociais.

Enfim, toda a análise do professor Eugênio Bucci está irremediavelmente contaminada pela sua visão anti-capitalista. As redes sociais são somente a mais conveniente e atual desculpa para apontar os males da sociedade consumista em que nos transformamos. O sonho dos Bucci da vida é o outro mundo possível, em que nos livremos da ganância do capital. Não deixa de ser irônico que os cubanos, que experimentaram esse outro mundo possível, estejam agora mesmo pedindo acesso livre às redes sociais.

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