Ao que tudo indica, nem na comissão especial da Câmara o projeto do voto impresso vai passar. Aécio Neves, favorável ao pleito, renunciou à sua vaga na comissão, depois que o presidente do PSDB, Bruno Araújo, entrou em acordo com outras 10 legendas contra a proposta. Aécio lamentou, pois esta era uma bandeira histórica do partido.
O que está acontecendo aqui? Simples: Bolsonaro, com seu jeitinho Nero de governar, pôs tudo a perder.
Quando o presidente afirma, com todas as letras, que houve fraude nas eleições de 2014 e 2018 e que, sem voto impresso, poderá haver “problemas” em 2022, isto soa como uma chantagem contra o sistema político. E, se tem uma coisa que parlamentar não gosta, é de se sentir chantageado.
Amigos, dispenso-os de encher a área de comentários tecendo loas ao sistema de voto impresso e de como o voto eletrônico é frágil. Não é este o mérito da questão, no caso. O problema aqui é como Bolsonaro consegue transformar a questão, qualquer questão, em uma rinha de briga de galos. Ao invés de trabalhar para o consenso, consegue somente despertar animosidades.
Digamos que o discurso tivesse sido algo na linha: “gostaríamos de avançar com esse projeto porque agrega um nível adicional de segurança ao processo”. Pronto, provavelmente obteria o apoio necessário, pois muitos partidos concordam com esse ponto, como era o caso do PSDB e do PDT. Mas este não seria Bolsonaro.
Claro que Bolsonaro pode falar o quiser, a boca é dele e esse é o seu “jeito”. Mas, como dizia a minha avó, quem fala o quer, ouve o que não quer.
O professor Eugênio Bucci lançou um livro. Em entrevista ao Estadão (destaquei os trechos mais interessantes abaixo), nos conta um pouco do que vai por aquelas páginas. Ao lado de expressões como “a instância da imagem ao vivo é o portal por onde a totalidade do agora abraça a totalidade do espaço”, repetida pelo entrevistador com mal disfarçado enlevo, Bucci somente repete o seu fatwa sobre as redes sociais, o que já havia sido objeto de artigos do professor.
Segundo o professor da ECA, “nunca os seres humanos foram tão abusivamente explorados como agora”. Os seres humanos escravizados de todas as épocas, o que inclui os prisioneiros dos campos de concentração nazistas e das prisões do Gulag soviético, devem estar se revirando nos seus respectivos túmulos. Até mesmo os proletários de Marx, esses pobres explorados pelo capital, devem estar aliviados de não serem mais os líderes desse ranking da exploração. Agora, os mais explorados de todos os tempos somos nós, os usuários das redes sociais. U-lá-lá!
Bucci faz uma revelação aterradora: os usuários das redes sociais somos “mercadejados”! A palavra “mercadejar” traz uma carga negativa para esse tipo de intelectual, que vê no comércio algo sujo, impróprio da dignidade humana. Para esse pessoal, um outro mundo, com as pessoas trabalhando quanto puderem e consumindo quanto quiserem, é possível. Não à toa, o professor se refere à “ganância do capital” como a fonte de todos os nossos problemas. De fato, essa ganância que permitiu tirar bilhões de seres humanos da miséria e dobrar a expectativa de vida da humanidade ao longo dos últimos séculos é um problema a ser resolvido.
Mas voltemos à “revelação”: somos mercadorias! Uau! E eu achando que o Zucka nos fornecia essa plataforma de graça por ser um grande filantropo, interessado apenas em nos proporcionar alguma diversão. Estou perplecto.
O professor nos conta que há uma grande assimetria: enquanto os algoritmos nos conhecem profundamente, nós não conhecemos nada sobre os algoritmos. Fico pensando o que ganharíamos em conhecer os detalhes técnicos dos algoritmos. Deixaríamos de clicar onde clicamos? Deixaríamos de visitar as páginas que visitamos? Deixaríamos de usar as redes sociais? Na verdade, parece-me que hoje não há ninguém suficientemente ingênuo que não saiba que toda a sua navegação na Internet esteja sendo monitorada para nos vender coisas. O que mais exatamente precisamos saber?
Aliás, essa “assimetria” informacional não é privilégio das redes sociais. Toda empresa de bens de consumo conhece muito melhor o cliente, via pesquisas e imensos bancos de dados (que já existiam antes das redes sociais) do que o cliente conhece a empresa. As redes sociais e o Google somente alavancaram no poder da Internet para levar esse processo de conhecimento do cliente ao estado da arte. Não houve uma mudança de natureza, houve apenas um aumento da velocidade e da quantidade de dados disponíveis.
Bucci sugere como remédios “regulamentação democrática” e “quebra de monopólio”. Fico imaginando que tipo de regulamentação poderia impedir o uso de dados que os usuários topam compartilhar como preço pelo uso da ferramenta. E, caso haja proibição total de uso desses dados, fico imaginando como as redes sociais e os buscadores da Internet sobreviveriam. Na verdade, a própria Internet como a conhecemos ficaria inviabilizada. Voltaríamos a um mundo sem Internet. Conseguem imaginar?
Por fim, não poderia faltar o toque político: a democracia estaria ameaçada! Por quem? Nada mais, nada menos, que os bolsonaristas, que usam as redes sociais para espalhar o ódio e fake news. Como se outras forças políticas não pudessem usar as redes sociais por algum motivo. E como se as redes sociais fossem um fator determinante para abalar regimes democráticos. Não me consta que Hitler ou Stálin contassem com redes sociais.
Enfim, toda a análise do professor Eugênio Bucci está irremediavelmente contaminada pela sua visão anti-capitalista. As redes sociais são somente a mais conveniente e atual desculpa para apontar os males da sociedade consumista em que nos transformamos. O sonho dos Bucci da vida é o outro mundo possível, em que nos livremos da ganância do capital. Não deixa de ser irônico que os cubanos, que experimentaram esse outro mundo possível, estejam agora mesmo pedindo acesso livre às redes sociais.
Há uma percepção equivocada sobre o papel do presidente da Câmara dos Deputados a respeito de seu poder como guardião da chave do processo de impeachment. É o que afirma, por exemplo, Rosângela Bittar, uma experimentada jornalista, em sua coluna de hoje. Para a colunista, todos os elementos para um processo de impeachment estão dados, mas Arthur Lira não quer matar sua “galinha dos ovos de ouro”. Portanto, como ele não quer, não acontece, apesar de todos os outros requisitos estarem dados.
Bem, até os jornalistas mais experimentados erram em suas avaliações, e este é um caso.
Claro, regimentalmente, cabe a Arthur Lira, e somente a ele, dar prosseguimento a um dos inúmeros pedidos de impeachment que chegaram à Câmara dos Deputados. Mas o presidente da Câmara (não este especificamente, qualquer um) não é um ditador, que faz o que lhe der na telha. Como político, ele sente o pulso do organismo como um todo e certamente não ficará na frente de uma onda que não tem como segurar.
Ocorre que, ao contrário do que diz a colunista, não estão dados todos os requisitos para o sucesso de um processo de impeachment neste momento. Para ilustrar, gosto sempre de mostrar o gráfico abaixo, com a popularidade líquida (avaliação ótimo/bom menos avaliação ruim/péssimo) dos presidentes ao longo do tempo. Trata-se de uma média das pesquisas de vários institutos.
Podemos observar que Bolsonaro está em seu pior momento de popularidade. Mas isto não significa, nem de longe, que está frágil o suficiente para sofrer impeachment. Observem como Collor e Dilma tinham popularidade líquida muito mais baixa, cerca de 35 pontos mais baixa do que a atual de Bolsonaro. Ou seja, a premissa da jornalista, de que há apoio popular para o impeachment, é discutível.
Mas não é só isso. Não basta que a popularidade esteja no nível das Fossas Marianas. É preciso perder o apoio do Congresso. Claro que, com a popularidade no fundo do poço, a perda do apoio no Congresso é quase que automática. Quase. Temer enfrentou popularidade até mais baixa do que a de Dilma, mas se safou de um processo de afastamento na Câmara. Claro, Temer era Temer, e Bolsonaro é Bolsonaro, de modo que, se a sua popularidade cair, dificilmente escapará de um processo. Mas só para dizer que é possível manter-se, mesmo sem popularidade, como demonstrou Temer.
Mas não é só. A economia conta, e muito. Nos dois casos de impeachmente, o PIB afundou, 4% no caso de Collor, 8% no caso de Dilma. Tivemos uma recessão de 4% no ano passado, mas a recuperação tem sido muito rápida. Além disso, ao contrário de Collor e Dilma, a recessão no governo Bolsonaro não foi causada por decisões econômicas bizarras, como o confisco da poupança ou intervenções estapafúrdias na atividade econômica. A causa foi externa e, se houve alguma iniciativa do governo, esta foi positiva, com a aprovação do auxílio emergencial. Então, esta questão da economia está distante do quadro que tivemos com Collor e Dilma, o que acaba se refletindo em sua popularidade ainda longe do fundo do poço.
Um terceiro ponto é o apoio político. Como diz a colunista, Bolsonaro ainda é uma “galinha dos ovos de ouro” conveniente. Com o atual nível de popularidade, não fica clara a vantagem de se afastar de alguém que topa jogar o jogo da divisão de poder. Bolsonaro, apesar de sua retórica de campanha e no cercadinho, tem sido um jogador racional quando se trata de montar uma base parlamentar, distribuindo nacos de poder aos seus aliados. O que tem sido revelado no Ministério da Saúde nada mais é do que reflexo deste jogo.
Então, para resumir, Arthur Lira é, de fato, o guardião das chaves do impeachment. Mas ele não é representante de si mesmo. Assim como Eduardo Cunha só colocou em andamento o processo de Dilma quando viu que havia condições políticas para avançar, da mesma forma Lira somente avançará se e quando sentir que é o momento. Antes disso, é só torcida organizada.
Sou daqueles que acompanham esportes olímpicos somente durante as Olimpíadas. E, mesmo assim, apenas as finais de alguns esportes, quando participam os atletas mais famosos. Seria muita pretensão de minha parte fazer uma análise bottom-up, esporte por esporte, para inferir as chances de medalhas do Brasil nestes Jogos Olímpicos de Tóquio. Por isso, resolvi fazer uma análise top-down, com base no número de medalhas obtidas pelos atletas nacionais ao longo do tempo. Ao contrário da Copa do Mundo, em que a análise estatística do passado diz pouco sobre o que acontecerá na próxima edição, as Olimpíadas, por envolverem um grande número de esportes e atletas, guarda uma regularidade que permite fazer inferências estatísticas de maneira relativamente simples.
A metodologia
A metodologia utilizada é simples: observaremos o percentual de medalhas obtidas pelos diversos países ao longo do tempo em relação ao total de medalhas disputadas.
Como sabemos, a primeira edição dos Jogos Olímpicos modernos aconteceu em Atenas, em 1896. De lá para cá, foram 28 edições, somente interrompidas pelas duas Guerras Mundiais. O número de modalidades esportivas também aumentou de maneira relevante ao longo do tempo, como podemos observar no gráfico a seguir, o que permite inferências estatísticas mais precisas quanto mais recente for o evento.
Podemos observar que os jogos de Tóquio baterão o recorde de modalidades esportivas: depois de ficar em torno de 300 desde os jogos de 2000, o número dá um salto para 339 nesta edição.
Como dissemos, para tornar os números comparáveis ao longo do tempo, vou sempre me referir ao percentual de medalhas conquistadas em cada edição em relação ao total em disputas.
Antes de partir para a previsão de medalhas do Brasil, vamos ver algumas curiosidades olímpicas.
Os EUA, o grande bicho-papão dos Jogos Olímpicos
Desde o início, os EUA se destacaram como a grande potência dos esportes olímpicos, tendo poucos desafiantes à altura ao longo do tempo. No entanto, como podemos ver no gráfico a seguir, esta superioridade vem decaindo ao longo do tempo, com a diversificação do número de países competitivos.
Podemos observar que, até 1968, os EUA sempre ganhavam entre 20% e 30% das medalhas de ouro em disputa. O número da Olimpíada de 1904, 85%, está distorcido pelo fato de que cerca de 90% dos atletas eram norte-americanos, pelas dificuldades de locomoção da época. Em 1924 e 1932, o número passou de 30%. A partir de 1972, no entanto, este número baixou de 20%, ficando próximo de 15% até os dias de hoje. O número zero de 1980 se deveu ao boicote à Olimpíada de Moscou por parte dos norte-americanos, enquanto o número acima de 30% em 1984 se deveu ao boicote promovido pela URSS. Vemos, portanto, uma regularidade que deve se manter nestes Jogos Olímpicos. Considerando que serão 339 medalhas de ouro em jogo, podemos prever que os EUA devem ganhar entre 41 e 51 medalhas de ouro.
Os EUA foram (e ainda são) o bicho-papão das Olimpíadas. Mas não foram os únicos.
O grande duelo do século XX
Durante o período da Guerra Fria, EUA e URSS rivalizaram durante muitos anos. Mais especificamente, desde 1952 até 1992, ano em que as antigas repúblicas soviéticas ainda disputaram os Jogos sob a mesma bandeira, ainda que a URSS tivesse já se desfeito. Dessas onze edições, a URSS chegou na frente dos EUA em nada menos do que sete, só perdendo em 1964, 1968 e 1984, quando boicotou os Jogos de Los Angeles.
A partir de 1996, no entanto, a Rússia, sem a ajuda da Ucrânia, Cazaquistão e das outras antigas repúblicas da URSS, não conseguiu ganhar mais do que 10% das medalhas em nenhuma das edições, tendo vencido apenas 6% nos Jogos do Rio.
Aliás, os esportes olímpicos sempre foram a grande vitrine das virtudes do comunismo. Havia um investimento brutal (e, dizem as más línguas, métodos não ortodoxos) com o objetivo de ganhar medalhas e demonstrar a superioridade do comunismo sobre o capitalismo. A história das medalhas olímpicas mostra, portanto, a ascensão e a queda do comunismo, como podemos ver no gráfico a seguir.
Este gráfico mostra o total de medalhas de ouro obtidas pelos países da antiga Cortina de Ferro mais Cuba. Vamos tirar os pontos de 1980 e 1984, distorcidos pelos boicotes de americanos e soviéticos. Podemos observar que o ponto alto dos países comunistas ocorreu em 1976, com a conquista de nada menos do que 60% das medalhas em jogo. Depois disso, vemos uma tendência de deterioração constante, chegando a menos de 20% nos Jogos do Rio. Tratava-se, obviamente, de algo artificial, que não se manteve em pé.
Mas, se a antiga União Soviética não existe mais, e a Rússia não é mais páreo para os EUA, surge um outro rival para os americanos: a China.
O grande duelo do século XXI
Como podemos observar no gráfico a seguir, a China era um zero à esquerda em termos de Jogos Olímpicos até 1980. A partir de 1984, os chineses começam sua ascensão, atingindo o pico em 2008, nos Jogos de Pequim.
Depois de 2008, a performance chinesa decaiu, voltando ao nível de 2000/2004. Mas é provável que seja o único país com potencial para desafiar os norte-americanos nos próximos anos.
E o Brasil?
Antes de falar das chances do Brasil, vamos esclarecer mais um ponto importante: o fator “casa”.
Todos os países, quando sediam uma Olimpíadas, têm performance superior à sua média histórica. É o que podemos observar nos gráficos a seguir.
Com as raras exceções do Canadá (Montreal 1976), Finlândia (Helsinque 1952) e Grã-Bretanha (Londres 1948), em todos os outros casos a equipe da casa obteve o seu melhor resultado em olimpíadas.
Por que esta constatação é importante? Porque, no caso do Brasil, a última Olimpíada foi em casa. Então, o último resultado precisa ser visto com cautela. Vejamos o gráfico abaixo.
Podemos observar que os Jogos do Rio foram os melhores para o Brasil desde o início da série histórica. Será difícil repetir. É mais provável que voltemos para o nível anterior, entre 1% e 1,5% das medalhas de ouro, o que significaria entre 3 e 5 medalhas. Seria um resultado em linha com o que temos produzido nos últimos 20 anos. Repetir a performance do Rio significaria obter 8 medalhas de ouro. Muito difícil.
Como se trata de um número muito pequeno de medalhas, os erros de amostra são maiores. Por isso, também coloquei o número total de medalhas. No rio, obtivemos quase 2% de todas as medalhas em disputa, o que significaria, em Tóquio, um total de 20 medalhas. Mais provável ficarmos entre 1,5% e 2%, ou 15 a 20 medalhas no total, que é o número obtido nas duas Olimpíadas anteriores.
Guardem estes números, e vamos torcer para os brasileiros nos Jogos de Tóquio!
O índice de Gini dos Jogos Olímpicos
Antes de encerrar, vamos ver o gráfico a seguir:
Este gráfico mostra a distribuição das medalhas de ouro olímpicas entre os países que participaram de cada Olimpíada, medida pelo índice de Gini. Considerei, para fazer o cálculo, o número total de participantes em cada edição.
O índice de Gini mede quanto uma determinada distribuição se afasta de uma distribuição linear. Gini zero significa que a distribuição é perfeita, Gini igual a 1 significa que a distribuição é completamente imperfeita, ou seja, apenas uma pessoa recebe tudo. O índice de Gini do Brasil é próxima de 0,55, o que significa que a distribuição de renda brasileira é muito desigual. Países mais igualitários têm Gini abaixo de 0,4.
Pois bem. O índice de Gini da distribuição de medalhas é próxima de 0,9 desde o final da 2ª Guerra. O que demonstra que os Jogos Olímpicos são uma festa para a qual todos são convidados (foram 207 países na última edição), mas somente alguns poucos se servem no bufê.
Hoje o Estadão traz uma extensa reportagem sobre regimes democráticos que descambaram para o autoritarismo. Tem um bom histórico do que ocorreu na Venezuela, vale a pena ler.
Mas vou aqui destacar a entrevista do cientista político Yascha Mounk, autor de “O Povo Contra a Democracia”. Destaco o trecho abaixo, em que o alemão atribui à incapacidade das democracias liberais de distribuir renda a causa das aventuras populistas. Claro que Bolsonaro aparece como a ilustração perfeita da tese.
É uma pena que a realidade simplesmente não converse com a tese.
Tivemos, no Brasil, 6 governos ditos “democráticos”. Durante esses governos, a distribuição de renda melhorou, não piorou. Segundo a propaganda petista, inclusive, nunca na história do Brasil os pobres foram tão incluídos, de várias formas e maneiras.
Então, de repente, esses esquecidos pelo sistema capitalista liberal se revoltaram e votaram em Bolsonaro, mesmo tendo sido incluídos pelos governos petistas. Uma contradição em termos.
Eu tenho uma outra tese, mesmo não sendo um aclamado cientista político alemão: o povo se revolta quando as elites do país são coniventes com a roubalheira e as ditas instituições democráticas servem para manter na rua pessoas que deveriam estar atrás das grades. O povo se revolta contra a injustiça, mas não a econômica. O povo se revolta contra a injustiça moral.
Isso explica porque em lugares como EUA, Inglaterra e outros países onde a justiça funciona e a lei é realmente igual para todos, a democracia liberal continua em pé, não caindo refém de aventureiros populistas. Ou, pelo menos, não de maneira definitiva, como a derrota de Trump mostrou nos EUA.
A miséria é, sem dúvida, uma chaga. Deveríamos todos trabalhar para diminuir este problema em nosso país. Mas as pessoas não se revoltam porque falta pão. As pessoas se revoltam quando constatam que ser honesto é coisa de otário. E, quando isso acontece, escolhem o primeiro aventureiro que afirma que vai acabar com essa pouca vergonha. Foi o que aconteceu no Brasil. Essa é minha tese. Mas não sou cientista político alemão. Então, posso estar enganado.
Eliane Catanhêde teve uma ideia genial: Lula abriria mão da cabeça de chapa e, do posto de candidato a vice-presidente da República, costuraria um grande entendimento pacificador nacional.
Bem, não sei direito por onde começar. São vários erros diversos e combinados em uma única “ideia”. Mas vamos tentar.
O primeiro erro é achar que Lula e o PT vão abrir mão da cabeça-de-chapa. Mesmo em situações em que o PT não tem a mínima chance eleitoral, o partido não abre mão de ter os cordões do poder em suas mãos. A composição ocorre somente com os outros partidos sendo vassalos de seu projeto de poder. Imagine em uma situação como a que se coloca, com Lula tendo efetivas chances de eleição.
O segundo erro é supor que Lula e o PT estão dispostos a “pacificar” o cenário político nacional. Como se não tivesse sido Lula a apontar a “herança maldita” de FHC e ter inventado o “nós contra eles”. Não, Lula e o PT são sectários, a única paz que lhes interessa é o da submissão.
Por fim, causa espécie que um político que esteve preso com prova provada de seus crimes, com sentença confirmada por 3 instâncias da justiça brasileira, e que só está solto com base em “provas” obtidas ilegalmente, ainda seja tratado como um contendor legítimo na arena política, e não como um pária.
Esse tipo de “raciocínio” da jornalista nos diz algo muito importante: Lula não está solto porque alguns ministros do STF resolveram assim. O STF é apenas o operador político de uma vontade da inteligentzia brasileira, que nunca engoliu o fato de que Lula é um larápio como outro qualquer, e não o herói de seus sonhos juvenis de justiça social. Nada é por acaso: Lula está de volta porque assim quiseram pessoas como Catanhêde, que sonham com um Brasil pacificado, próspero e livre de arreganhos autoritários.
São essas mesmas pessoas que não conseguem entender como uma figura como Bolsonaro conseguiu se eleger presidente.
Tenho uma revelação a fazer, e que pode chocar os espíritos mais cândidos: os empregos não são trazidos pela cegonha e nem nascem dos repolhos. Não. Os empregos nascem de um ato pecaminoso: a busca especulativa pelo lucro.
Desculpem-me usar palavras fortes, como lucro, especulação e empresário, mas hoje estou disposto a revelar tudo, a verdade nua e crua. Preparados? Então, vamos lá.
Um empresário tem uma ideia. Por ser um empresário, essa ideia transforma-se em uma empresa. Isso distingue os empresários dos inventores ou cientistas. Estes também têm muitas ideias, mas que não se transformam em empresas. Ficam lá, no mundo das ideias, até que um empresário resolve trazê-las para o mundo real.
Essa é a gênese de qualquer empresa, desde uma padaria até a General Motors. Sim, as empresas também não são trazidas pela cegonha, tampouco nascem de repolhos. É preciso que um empresário coloque em prática uma ideia. Como? Arriscando capital, o seu próprio ou o de terceiros. Qualquer empresa não passa de uma atividade especulativa.
Arriscar capital significa que o capital pode se multiplicar ou pode virar pó. Uma empresa precisa produzir um bem ou serviço (a “ideia”) de modo que seja suficientemente barata para tirar os consumidores de outras empresas que estão igualmente ofertando bens e serviços (outras “ideias”).
Este capital é utilizado para investir em maquinário, edificações, capital de giro. A empresa contrata funcionários (daí nascem os empregos!), se adequa à legislação vigente e começa a funcionar. Tudo certo? Óbvio que não.
Não tenho as últimas estatísticas, mas o índice de mortalidade de empresas no Brasil é altíssimo. Arriscar o capital é estar sujeito a morrer. Por isso, o financiador da empresa, aquele sujeito que aporta o capital, exige um retorno adequado ao risco. Este retorno é o lucro da empresa.
O lucro prometido pela empresa deve ser suficientemente grande para compensar o risco do empreendimento. E agora chegamos ao âmago da questão: como o investidor obtém o seu lucro? Através do pagamento de dividendos. São os dividendos que remuneram o capital de risco que permite trazer ideias para a realidade e gerar empregos. Ou melhor, é a expectativa de futuros dividendos que move o capital de risco.
O que acontece quando os dividendos são taxados em 20%? A expectativa de dividendos futuros deve ser 20% maior para que o mesmo capitalista tope o mesmo risco (na verdade, precisa ser ainda maior, porque o cálculo é “por dentro”, mas vamos deixar as tecnicalidades de lado). Resultado: menos empresas viáveis, menos empregos criados.
Diminuir o imposto sobre o lucro da empresa mitiga o problema, mas cria uma distorção. Em recente entrevista, o secretário da Receita afirmou que não haverá aumento da carga tributária, pois as empresas podem reter lucros, e então não haveria pagamento de imposto sobre dividendos. Segundo o secretário, a empresa reinvestiria os lucros, gerando crescimento e empregos, ao invés de pagar dividendos para esses capitalistas gastarem em iates, mulheres e mansões (essa última parte ele não falou, mas o sentido é o mesmo).
Qual o problema desse raciocínio? Alocação de capital. Quem disse que a melhor oportunidade de investimento é na própria empresa que gera o lucro? Será que não haveria outras oportunidades melhores por aí, que gerariam mais crescimento e emprego? Esta decisão, que é feita pelo investidor capitalista a todo momento, será distorcida pelo imposto sobre o dividendo. Oportunidades fora da empresa terão que ser 20% melhores do que se não existisse o imposto.
Isso nos leva à questão do rendimento dos “super-ricos”. Nas reportagens a respeito do assunto, sempre se repisa o achado de que apenas uma pessoa, em 2019, recebeu R$1,3 bilhões em dividendos sem tributação. Já ficamos imaginando o sujeito em seu iate em Mônaco, indo e voltando ao Brasil em seu jatinho particular e vivendo em sua mansão de mais de 100 aposentos. Tudo isso provavelmente é verdade. A questão é que, para sustentar tudo isso, o nosso bilionário não deve precisar gastar mais do que, digamos, R$50 milhões por ano. E o que ele faz com os restantes R$1,25 bilhões? Simples: reinveste em empresas que vão gerar empregos e, se der sorte, lucros adicionais. Ao taxar esses dividendos, haverá menos dinheiro especulativo para o investimento em empresas e sua consequente geração de empregos.
Antes que me lembrem, é claro que esse mecanismo é concentrador de renda. Taxar o investimento é uma forma de distribuir renda, considerando a hipótese heróica de que o governo não vá gastar grande parte desses recursos sustentando a própria máquina. Então, fica a escolha: não taxar e propiciar um ambiente em que se cria mais empregos e a distribuição de renda é pior ou taxar e diminuir o potencial de criação de empresas e de empregos, mas com melhor distribuição de renda, via auxílios do governo?
Cada sociedade faz as suas escolhas. A única coisa certa é que empregos não nascem de repolhos e não são trazidos pela cegonha.
Um dos vieses mais conhecidos na tomada de decisão é o viés de confirmação: o ser humano tende a procurar informações que confirmem a sua tese, e não o oposto, ou seja, construir a tese com base nas informações recebidas.
Confesso que caí com gosto no viés de confirmação ao ler matéria de hoje sobre mais uma pesquisa eleitoral, desta vez patrocinada pela Genial Investimentos em parceria com a Quaest Consultoria e Pesquisa.
Além dos dados repetidos de outras pesquisas (Lula na frente, Bolsonaro em segundo, Ciro em um distante terceiro lugar, traço para os outros), esta trouxe uma informação nova e interessante: o motivo pelo qual os eleitores de Bolsonaro votam no presidente. Apenas 27% votam em Bolsonaro pela qualidade de seu governo. Os outros 73% votam principalmente porque é o único candidato anti-PT, anti-esquerda, anti-comunismo.
Ao analisar esses dados, o diretor da Quaest chega à óbvia conclusão de que, para roubar votos de Bolsonaro não adianta atacar Bolsonaro. É preciso mostrar que se é tão anti-esquerda, anti-PT e anti-comunismo como Bolsonaro. É preciso atacar o PT.
Bem, vocês já leram isso aqui. Venho dizendo exatamente isso desde a campanha de 2018. A terceira via não vinga porque o povo quer polarização. E, para ocupar o lugar de Bolsonaro, é preciso polarizar com Lula.
É claro que essa mensagem precisa soar autêntica, e não uma mera estratégia eleitoral. De todos os candidatos que estão por aí, talvez João Doria seja o que mais transmite essa mensagem anti-PT. Não é à toa que Bolsonaro escolheu o governador de São Paulo como seu adversário preferencial. Doria caiu na armadilha, polarizando quase que exclusivamente com Bolsonaro, esquecendo-se do PT.
Estes 73% de eleitores de Bolsonaro (24% do total de eleitores) que não ligam para a sua administração (ou antes, justificam a sua administração em nome de uma causa maior) são suficientes para colocá-lo no 2o turno. Apoderar-se desses votos já é tarefa suficientemente difícil adotando a estratégia correta. Fazendo a coisa errada, torna-se missão impossível.
O PGR enviou parecer ao STF, contestando a privatização de 100% dos Correios via projeto de lei. Segundo Aras, somente uma mudança na Constituição, através de uma PEC, permitiria a privatização total da estatal.
Fui dar uma olhada na Constituição. Desta vez, devo concordar com o PGR.
Em seu artigo 21, sobre as atribuições da União, inciso X, a Carta Magna diz que o “serviço postal e o correio aéreo nacional” são competências da União. Poderíamos pensar (e foi a primeira coisa que pensei): “mas não está dizendo que precisa ter uma empresa para prestar esses serviços, a União poderia conceder para a iniciativa privada, mantendo a sua competência, como aliás acontece em vários outros ramos da economia”.
Sim, poderia haver essa interpretação, se os incisos seguintes, XI e XII, não existissem. O problema é que existem, e determinam justamente isso, que atividades de telecomunicações, energia, transportes etc podem ser concedidas para a iniciativa privada. Ora, se os serviços postais e de correio aéreo não foram incluídos nos incisos XI ou XII, é que o deputado constituinte não previu a concessão como uma das possibilidades de a União exercer a sua (in)competência na prestação desses serviços.
Então, para privatizar os Correios, o governo deve ter maioria constitucional. Não é impossível, mas é muito mais difícil do que aprovar um projeto de lei. Parabéns, deputados constituintes, vocês trabalharam direitinho para manter o povo brasileiro refém de serviços ruins.
Esta tabela mostra uma comparação do Brasil com uma amostra de países mais avançados na vacinação. A ideia é verificar a data em que esses países tinham o mesmo nível de vacinação do Brasil (1a dose), e o ritmo de vacinação naquela época. Assim, podemos ter uma ideia do nosso futuro, olhando para esses países.
Por exemplo, hoje ocorreu a semifinal da Eurocopa entre Itália e Espanha no estádio de Wembley, em Londres. Todo mundo feliz, aglomerado, a maioria sem máscara. Quando atingiremos este estágio?
Olhando a tabela, vemos que o Reino Unido tinha o mesmo nível de vacinação que o Brasil tem hoje exatos 111 dias atrás, ou quase 4 meses. O ritmo de vacinação lá, há 111 dias, era de 0,52% da população ao dia, um pouco superior ao que o Brasil tem hoje (0,46% ao dia). Deste modo, podemos sonhar em ter a mesma liberdade que o Reino Unido tem hoje daqui a 4 meses, ou início de novembro.
Claro que este exercício é teórico. Cada país tem uma resposta diferente à vacinação, ainda não totalmente explicada (caso do Chile, por exemplo). Além disso, o ritmo de vacinação destes países pode ter acelerado (ou desacelerado) desde aquela data da tabela. Por fim, o nosso ritmo de vacinação também pode acelerar ou desacelerar ao longo do tempo.
Itália e Espanha estão na nossa frente cerca de 40 dias, e tinham aproximadamente o mesmo ritmo de vacinação que temos hoje. Talvez estes dois países sejam a proxy mais adequada para inferir sobre o nosso futuro mais próximo.