Apesar da grande audiência

A edição em português do El País, “apesar de ter uma grande audiência”, não atingiu seu equilíbrio financeiro.

Bem, das duas uma: ou os jornalistas do veículo ganhavam muito bem, ou a audiência não era assim tão grande.

Está um verdadeiro chororô nas redes lamentando o fechamento do jornal. Inclusive, gente reclamando que um jornal “progressista” não poderia demitir seus funcionários assim, de repente, ainda mais às vésperas do Natal. Seria uma incoerência com a sua, digamos, linha ideológica.

O fato é que nada resiste a um balanço deficitário, a não ser que o governo subsidie. Como sabemos, o único ente que pode ter déficit eterno é o governo, pois tem o poder de criar dinheiro ”do nada”. O resto precisa ter, no dizer do jornal, “sustentabilidade econômica”.

A “grande audiência” do jornal, pelo visto, não foi suficiente para manter a edição em português. Isso que dá depender da população da Vila Madalena e do Leblon, sabidamente bairros com baixa densidade populacional.

A pior relação custo-benefício

Expectativa: com um dos maiores pisos salariais do Brasil para professores, a educação no Maranhão é um exemplo a ser seguido.

Realidade: a nota do Maranhão no Ideb é a pior do Brasil.

Deve ser a pior relação custo/benefício da educação brasileira.

Quando quer, o governo bate o bumbo

A Câmara aprovou ontem o novo marco regulatório das ferrovias, que permite a construção por meio de simples autorização ao invés de concessão. Esse novo marco deve permitir o surgimento de ferrovias privadas de acordo com necessidades específicas das empresas.

O marco das ferrovias vem se juntar a outros avanços microeconômicos deste governo, como o marco do saneamento, a nova regulação do mercado de câmbio, a autonomia do Banco Central e, last but not least, a reforma da Previdência.

Sempre que critico algo que o governo não fez, como as reformas tributária e administrativa ou o ritmo pífio das privatizações, é comum alguém nos comentários tentar justificar, dizendo que o governo depende do Congresso, não dá pra fazer tudo sozinho etc.

É claro que, em um regime democrático, o presidente é limitado pelo Congresso. Mas também é verdade que, em um regime presidencialista, o presidente bate o bumbo do governo. A aprovação desse marco das ferrovias é um exemplo acabado: como o governo tinha alto interesse em sua aprovação, editou uma medida provisória para “acelerar” o processo. Funcionou.

Transferir os fracassos para a conta do Congresso supõe transferir também os sucessos. Nesse caso, o presidente faria apenas o papel de uma rainha da Inglaterra, enquanto o Congresso governaria de fato. Sabemos que não é assim no regime presidencialista brasileiro. Não à toa, Bolsonaro não demorou a desistir da historinha da “nova política”.

Parabéns ao governo pela aprovação de mais esse marco importante para aumentar a produtividade da economia brasileira. Uma pena que não tenha havido o mesmo empenho para avançar as reformas tributária e administrativa, que levariam o país a outro patamar.

Quem não tem coração?

Em reportagem de hoje no Valor Econômico sobre o eterno desafio de despoluir a baía da Guanabara, o jornal publicou uma tabela com o percentual da população dos municípios do entorno da baía que contam com tratamento de esgoto.

A tabela é autoexplicativa e diz muito sobre o Brasil das corporações, dos políticos clientelistas e da mentalidade estatista, que se unem contra os interesses da população mais pobre. A privatização da CEDAE foi arrancada a fórceps, dentro de um acordo de renegociação da dívida do estado do RJ. Não fosse por isso, ainda estaria servindo de troféu para os estatistas e de eterna fonte de benesses para as corporações e para os políticos clientelistas. Enquanto isso, as crianças chafurdam no esgoto. E são os “neoliberais” que não têm coração.

O mundo vai precisar esperar mais um pouco para ser mudado

Reportagem no Valor de hoje traz a história da Shein. Nunca ouviu falar? Pois é, eu também não, até hoje. A Shein tornou-se a maior varejista de moda rápida dos EUA, ultrapassando a Zara e a H&M, com mais de 25% de market share do mercado americano.

A Shein é uma empresa chinesa que gabarita em todos os quesitos do anti-ESG: é acusada de roubar propriedade intelectual, de atuar na zona cinzenta da legislação tributária, de usar mão de obra semi-escrava e de, pecado dos pecados, contribuir para a poluição do meio-ambiente.

Uma empresa dessas, que tem no público jovem seu maior cliente, estaria fadada ao fracasso dada a festejada “consciência social” da geração Greta. Surpreendentemente, os jovens parecem não se importar com essa fila de transgressões. Motivo? As roupas são muuuuuito baratas.

Aparentemente, a tal consciência social só conseguiu comover, por enquanto, os jovens que podem comprar roupas mais caras. Os jovens pobres ainda não desenvolveram a consciência de classe que vai mudar o mundo.

Agora sabemos porquê

Nas eleições municipais de 2008, Geraldo Alckmin decidiu concorrer pelo PSDB para a prefeitura de São Paulo. Havia apenas um problema: não tinha como o ex-governador se posicionar naquela eleição. Em qualquer eleição, ou o candidato é situação ou é oposição. O candidato da situação era Gilberto Kassab, vice do ex-prefeito José Serra, do mesmo PSDB de Alckmin. Portanto, não dava para ser oposição. Esse posto foi ocupado pela então candidata do PT, Marta Suplicy. Sem um discurso consistente, Geraldo Alckmin chegou em um vexatório terceiro lugar naquela eleição.

Esse foi o segundo grande erro político de Alckmin. O primeiro havia sido aquela jaqueta com símbolos das estatais, que fez com que tivesse menos votos no 2o turno do que no 1o da eleição presidencial de 2006. Um feito provavelmente inédito em escala global.

Depois daquilo, Geraldo Alckmin logrou vencer as eleições para governador de SP em 2010 e 2014. Seu grande capital eleitoral está no interior do estado, onde sempre obteve votos suficientes para compensar performances sofríveis na capital. Apenas como referência, o interior do estado de SP tem mais ou menos 55% da população do estado, ficando os 39 municípios da região metropolitana com 45%.

Chegamos, então, em 2022. Depois do fiasco da eleição presidencial de 2018, quando o PSDB teve a sua pior votação desde a redemocratização, Alckmin tinha duas escolhas: sair para senador pelo PSDB, ou sair do PSDB para concorrer a governador por outra legenda. Mas então, o inesperado acontece: o garanhão de Garanhuns dá uma piscada para a donzela moça abandonada no baile. A racionalidade política vai para o espaço, e o ex-governador joga pela janela uma vaga certa no senado ou uma candidatura competitiva para o governo de SP, para se jogar nos braços daquele homem com coxas torneadas.

Notem que, mesmo que o namoro não dê em nada, Alckmin já carbonizou as suas chances para as outras possíveis candidaturas. Qual será a percepção do seu eleitorado do interior de SP em relação a essa aproximação? O PT foi dizimado no interior do estado nas eleições de 2018, e a única cidade importante que elegeu um prefeito petista em 2020 foi Araraquara. O interior de SP talvez seja a região mais anti-petista do Brasil. Com essa “jogada de mestre”, a terceira em sua longa carreira política, Alckmin simplesmente jogou pela janela seu único capital político.

Quando Doria escanteou Alckmin dentro do PSDB, muitos o chamaram de traíra. Observando esse movimento do ex-governador, concluímos que, na verdade, Doria agiu pela sobrevivência política, sua e do partido. Ninguém faz o que Doria fez sozinho. Ele foi só a cara do movimento que deve ter ganhado força dentro do partido desde 2018. Era preciso retirar Geraldo Alckmin do palco. Agora sabemos porquê.

Salários em bitcoins?

Receber seu salário em bitcoins. Já pensou?

Pois é isso que alguns prefeitos em cidades americanas estão pensando em fazer: pagar os salários dos funcionários municipais em bitcoins. Do outro lado, também topariam receber impostos municipais em bitcoins. A matéria da Bloomberg discute essa possibilidade e coloca como grande vantagem de receber o salário em bitcoins a chance de ter um grande “aumento salarial” do dia para a noite. Claro que, em contrapartida, existe o risco de perder 25% do salário em poucos dias, como aconteceu na última semana.

O problema dessa argumentação, e que o jornalista provavelmente nem notou, é justamente esse conceito de “valorização/desvalorização” do salário. Para que possamos dizer que o salário vai se valorizar ou desvalorizar, precisamos usar uma referência. A referência usada é a velha moeda, o dólar. Em um mundo onde só houvesse criptomoedas, a valorização/desvalorização seria medida em função da cesta de produtos possíveis de serem comprados com a moeda. A isso chamamos de inflação, exatamente como medimos o poder de compra das moedas tradicionais. O salário de países com alta inflação se desvalorizam em relação ao dólar, assim como as criptomoedas se desvalorizaram na última semana.

O simples fato de se comparar as criptomoedas com o dólar demonstra que o que manda é o dólar. As pessoas que recebem seus salários em criptomoedas precisam vendê-las para fazer o supermercado. É o dólar a moeda em curso, não as criptomoedas. O que leva ao problema central da coisa toda: como estabelecer o valor do salário em criptomoedas? Se os municípios arrecadam dólares, estabelecer um valor de salário fixo em criptomoedas traz para o orçamento público uma volatilidade impossível de ser administrada. A não ser que os funcionários topem fixar o salário em dólares e recebam as criptomoedas pela cotação do dia. Mas, nesse caso, seria o mesmo que receber o salário em dólares e depois, aqueles que quisessem, comprariam criptomoedas. A coisa só faz sentido se o salário for fixado em número de criptomoedas.

As criptomoedas são uma inovação financeira interessante, boa para se especular. Mas, como moeda de troca, a ponto de substituir as moedas garantidas pelos governos, vai uma distância imensa. A própria natureza descentralizada do esquema conspira contra a sua adoção ilimitada. A moeda é, antes de tudo, uma construção social, e precisa, para funcionar como moeda de troca, de uma coordenação central. Esse é o grande problema para a adoção generalizada das criptomoedas como moeda de troca.

Liberdade seletiva

“Prefiro morrer a perder a liberdade”.

O presidente poderia estender a sua campanha pela liberdade para outras esferas da vida social.

Por exemplo, até hoje o serviço militar é obrigatório. O certificado de reservista é exigido de todos os homens do país que queiram exercer seus direitos civis, como votar e tirar passaporte. Essa coleira precisa acabar.

Aliás, por falar em passaporte, por que exigir passaporte de quem entra no Brasil? Isso é um atentado ao direito de ir e vir dos cidadãos. O governo Bolsonaro deveria simplesmente extinguir essa coleira, liderando um movimento global pela liberdade.

O comprovante de votação é outra coleira exigida dos cidadãos, que são obrigados a votar, senão não conseguem exercer outros direitos civis.

Dirigir meu carro quando quero e onde quero? Também não tenho essa liberdade. Agora mesmo estou sendo obrigado a renovar minha carteira de motorista, com direito a exame médico fake, para apresentar essa coleira ao primeiro guarda que me parar em uma blitz. As mães são obrigadas a mostrar a carteira de vacinação dos seus filhos para fazer matrícula nas escolas públicas. Quando Bolsonaro nos livrará de mais essa coleira?

Fumar em estabelecimentos públicos é outra liberdade que me foi tirada (em tese, porque não fumo, mas e se eu quisesse começar?). Não exigem passaporte de não-fumante, porque a nicotina não sai do pulmão do fumante para o ar, mas, mesmo assim, trata-se de um atentado à minha liberdade.

Bolsonaro está claramente falhando nessa batalha pela nossa liberdade. Não está honrando o salário que recebe como presidente, pago com meus impostos. Aliás, tem coleira maior do que ser obrigado a pagar impostos para manter governantes ineptos no poder? Espero que Bolsonaro também se atente a essa falta de liberdade e torne voluntário o pagamento dos impostos. Ou a liberdade, que enche a boca do presidente, é seletiva?