À esquerda, temos uma pesquisa do Datafolha em 13/07/2016 para a prefeitura de São Paulo. À direita, a pesquisa do Ipespe para o governo de São Paulo, publicada hoje.
Como sabemos, Doria ganhou aquela eleição em 1o turno, feito nunca antes conquistado por nenhum prefeito de São Paulo. Isso só para dizer que, se pesquisa a 3 meses das eleições não significa nada, quanto mais a 6 meses.
Ontem foi o ministro Edson Fachin. Hoje é o colunista de tecnologia Pedro Doria. No centro das atenções, os temidos “hackers russos”, que teriam o poder de mudar resultados eleitorais.
Que parcela relevante de ataques cibernéticos no mundo partam da Rússia e de outros países do leste europeu não é segredo para ninguém. São verdadeiras quadrilhas especializadas. Mas o que isto tem a ver com eleições? Como em toda boa teoria da conspiração, o link entre uma coisa e outra fica a cargo da imaginação de quem acredita “que alguma coisa tem aí”.
Da mesma forma que uma grande conspiração orquestrada por “forças globalistas” foi a responsável pela eleição de Biden em 2020, Putin e os “hackers russos” estariam por trás da eleição de Trump em 2016. A não ser que fosse pela manipulação das urnas em si, fica difícil entender como “hackers” teriam o poder de mudar um resultado eleitoral. Mandar “fake news” em massa não parece ser algo que demande a ação de hackers. E, convenhamos, “fake news” estão à disposição e são usadas por ambos os lados da disputa.
No Brasil, como o TSE nos garante que as urnas são seguras e à prova de hackers, não se consegue entender direito a que Pedro Doria se refere. Quem lê a coluna à procura de evidências dessa influência em outras eleições sai de mãos vazias. É a típica sensação de se ler uma boa teoria da conspiração.
De verdade, a única influência de hackers na eleição brasileira foi a dos que invadiram as contas do Telegram de Moro e dos procuradores da Lava-Jato. As mensagens vazadas ilegalmente serviram como base (!) para a decisão do STF de soltar Lula e torná-lo elegível. Nesse sentido, as eleições brasileiras foram sim influenciadas por um ataque hacker. Mas como não são russos e amigos de Bolsonaro, tudo bem, está valendo.
Entrevista com o ainda senador José Serra. Na primeira pergunta, Serra afirma que é preciso acabar com essa “polarização entre extremos”. Na pergunta seguinte, ao ser questionado sobre as conversas que Lula vem mantendo com próceres do partido, Serra diz achar “natural” o diálogo político mesmo entre aqueles que ”não compartilham bandeiras”.
O senador é inteligente e perspicaz, e certamente tem consciência da contradição em termos entre as duas respostas. O que ele faz é subestimar a inteligência e perspicácia do leitor. Afinal, não é preciso ser muito inteligente e perspicaz para sacar que, para fins eleitorais, não dá para condenar os extremos e, ao mesmo tempo, aceitar o diálogo com um deles.
Serra dá uma resposta de sarau literário, onde os problemas nacionais são resolvidos em tese. Claro, o diálogo sempre é superior à guerra. Em tese. Na prática, com um candidato de seu próprio partido buscando desesperadamente firmar-se como uma alternativa à polarização indicada pelo próprio senador, esse “diálogo” só interessa a Lula. Enquanto os tucanos históricos “dialogam”, Lula trata de ganhar a eleição.
Não é à toa que Doria ganhou as prévias. Com todos esses tucanos pré-históricos apoiando Eduardo Leite, ficou claro onde estava a mínima chance de futuro para o partido. Digo mínima porque é mínima mesmo, a maior probabilidade é que o PSDB saia menor dessa eleição do que entrou, justamente porque a ala pré-histórica insiste em diálogos de sarau.
Lula só pensa em eleição. Bolsonaro só pensa em eleição. Doria causa repulsa dentro de seu partido porque, vejam só, só pensa em eleição. Serra, Tasso, Zé Aníbal e outros tucanos pré-históricos fariam bem em seguir o caminho de Alckmin, e cair de vez no colo do ex-presidiário. Ao menos deixariam de criar ruído para a campanha do candidato de seu próprio partido.
Agora estou tranquilo. Posso ler todos os conteúdos que recebo no Facebook, WhatsApp, Instagram, YouTube, Google, TikTok, Twitter e Kwai sem medo de estar sendo manipulado pelas forças do mal. É impagável essa sensação de paz ao saber que tudo o que vou ler é verdadeiro e bom, de acordo com critérios que eu mesmo não seria capaz de elaborar com a minha mente limitada. Que bom que existe o TSE para nos proteger desses disseminadores do mal.
Ah, e sim, não vou sequer instalar esse tal de Telegram, onde o esgoto corre a céu aberto e os guardiões da pureza e da verdade não alcançam. Nem sequer respondem aos e-mails do presidente do TSE! Será que eles sabem com quem não estão falando? Não, não vou baixar. Vai que eu me contamine e passe a acreditar naquilo que eu não deveria acreditar. Cruz, credo!
A mim me irrita profundamente quando o jornal chama de “manifestantes” baderneiros que protagonizam quebra-quebra depois de uma manifestação que “começou pacífica”. A bem da coerência, não poderia deixar de me irritar com a manchete de hoje, caracterizando caminhoneiros que bloqueiam ruas e estradas como “manifestantes”. Não são. São tão baderneiros como os militantes do MTST que queimam pneus para bloquear a marginal.
Da forma como veio a manchete, parece que todos os manifestantes correm o risco de terem suas contas bloqueadas. Mas o decreto parece claro, ao se dirigir somente aos que usam os seus caminhões para sequestrar a sociedade para a sua pauta.
Se o governo Temer tivesse sido firme desse modo em 2018, talvez não tivéssemos chegado ao ponto em que chegamos, com crise de desabastecimento.
Li aqui e acolá comparações dessa ação do governo canadense com o que de pior temos em ditaduras comunistas, em que não se pode manifestar discordância do governo. Parece piada ter que explicar a diferença entre um governo democrático que exerce o seu poder policial para garantir o direito de ir e vir de quem não tem nada a ver com os manifestantes, e um governo ditatorial, como o cubano, que prende e tortura manifestantes pelo simples fato de se manifestarem.
Não, os caminhoneiros não têm o direito de bloquear estradas, ruas e pontes, assim como o MTST não tem direito de queimar pneu na marginal, por mais legítimas que sejam suas reivindicações. O direito de manifestação não inclui o direito à baderna, mesmo no mais democrático dos regimes.
Felipe Salto, atual diretor-geral da Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado Federal, entra no debate sobre como reancorar as expectativas sobre a trajetória da dívida pública. A mudança casuística da sua regra de cálculo no ano passado e o discurso do PT contra o teto demonstram que a regra atual está morta, faltando somente o enterro.
Ao contrário de outra proposta que já tive oportunidade de comentar aqui, que propunha como parâmetro um etéreo “PIB corrigido pelo ciclo econômico”, além de prever exceções – por exemplo, investimentos- a proposta de Salto tem o mérito de ser simples, direta e de fácil entendimento por todos: estabelecida uma determinada meta de superávit primário necessária para atingir uma certa relação dívida/PIB, calcula-se o teto de gastos com base em uma determinada previsão de receitas. Ele dá um exemplo numérico, reproduzido abaixo.
A ideia, como eu disse, é boa por ser simples e de fácil entendimento. No entanto, como sempre, o diabo mora nos detalhes. Dois detalhes, para ser mais exato.
O primeiro é saber qual a condição limitante, ou seja, aquela que não será mudada aconteça o que acontecer. Digamos que haja uma frustração de receitas. O que seria mudado, o tamanho dos gastos ou a meta de superávit primário? Tomando o exemplo usado por Salto: se as receitas somarem R$ 1.800 bilhões ao invés dos R$ 2.000 bilhões previstos no início do ano, o ajuste se daria pela diminuição dos gastos para R$ 1.750 bilhões ou do superávit para menos R$ 150 bilhões? A resposta técnica seria manter o superávit e cortar gastos. A resposta política já sabemos qual é.
O segundo detalhe, que na verdade é O problema central de todo esse imbróglio, é que a proposta de Salto, para funcionar, precisa ser ainda mais draconiana que o atual teto de gastos. A previsão de déficit primário para este ano é de 0,7% do PIB. Para apontar para um superávit primário em um horizonte de tempo explícito e crível, seria preciso fazer um ajuste fiscal ainda maior do que o atual. A solução política, obviamente, será apontar para um ajuste beeeeeem suave, a lá Macri na Argentina.
A grande sacada do atual finado teto de gastos é tirar da mão dos políticos e da sociedade a decisão sobre os parâmetros que comandam a trajetória da dívida. A regra, se seguida, garante matematicamente, se o país tiver crescimento positivo, que produziremos superávits primários e estabilizaremos a dívida em algum momento no futuro. Para um país como o Brasil, que cresce pouco (1% ao ano), este ajuste é bem suave, mas aceito pelos credores, porque a regra garante a convergência. Mas mesmo esse ajuste suave não se mostrou suportável para os políticos e para a sociedade, que querem retomar para si o comando dos parâmetros da dívida.
A proposta de Salto permite a retomada desse comando, ao deixar para a decisão discricionária do Congresso como vamos controlar a dívida, se por aumento de impostos ou diminuição de despesas, e em que velocidade vamos colocar a casa em ordem. Alguém dirá que esta é a coisa certa a fazer. Afinal, é a sociedade, através de seus representantes, que deve decidir sobre como e quando pagaremos a nossa dívida. Justo. Só falta combinar com os russos.
Você não comeria salsichas se soubesse como são feitas. Esse velho ditado serve também para as notícias, principalmente políticas. A de hoje é um típico exemplo: o “Planalto” vê com preocupação uma eventual candidatura do governador Eduardo Leite. No entanto, a notícia correta é: o Planalto torce por uma candidatura Eduardo Leite.
Em primeiro lugar, foi o “Planalto” quem plantou essa “notícia”. Não houve um esforço de apuração que desvendou uma notícia que o “Planalto” gostaria de ver oculta. Não. Ocorreu o inverso: alguém próximo de Bolsonaro deve ter soprado no ouvido do repórter a história. Daí, foi só ouvir também os “aliados de Leite”, e o balão de ensaio está aí, pronto para subir.
O interesse do “Planalto” no assunto é óbvio: quanto mais fragmentada estiver a chamada “terceira via”, menor a chance de Lula e Bolsonaro não disputarem o segundo turno. Uma candidatura Leite teria mais chance de roubar votos de Lula, de Bolsonaro ou de um outro candidato? I rest my case.
Nessa linha, o “Planalto” deve estar comemorando a movimentação do ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa. Tal qual um Huck de toga, Barbosa aparece de 4 em 4 anos como um nome com “bom potencial de votos”. Daqui a pouco, aparece uma notícia dando conta que o “Planalto” está também “preocupado” com essa candidatura.
Matéria do Estadão sobre a Embrapa é a cara do Brasil. Em resumo, a Embrapa está buscando se remodelar para ter dependência menor de um Tesouro com cada vez menos dinheiro para outras coisas que não sejam gastos obrigatórios. Para atingir esse objetivo, a empresa está trabalhando em duas frentes: reestruturação interna e mudança de modelo de negócios.
A reestruturação é o clássico: contrataram a Falconi Associados e vão passar o facão, diminuindo número de funções e reestruturando departamentos. Se e empresa privada sempre tem alguma gordura, imagine em uma estatal.
Já na mudança de modelo de negócios a coisa não é tão óbvia. A Embrapa produz pesquisa e é remunerada através do pagamento de royalties. A ideia é que a empresa assuma o risco do negócio, participando dos lucros. Trata-se de um risco diferente, porque, obviamente, nem toda pesquisa resulta em um produto comercialmente viável. A empresa estará abrindo mão de uma receita certa por outra potencialmente maior, mas duvidosa. A questão filosófica é: para que serve uma empresa estatal que opera como uma empresa privada? É o mesmo questionamento que se faz a respeito da Petrobras.
Até aqui, os planos da empresa. A cara do Brasil são as reações.
A reação do sindicato é a de sempre. A empresa não tem problemas de gestão, o que falta é mais dinheiro do Tesouro. Ok.
Mas é a reação do ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira a mais interessante. Segundo o fazendeiro, precisamos de uma empresa pública para fazer pesquisa agropecuária básica, pois o capital privado não tem o mesmo objetivo de longo prazo. Se tivéssemos um tradutor de entrelinhas, poderíamos ouvir o seguinte: precisamos do Estado para fazer investimentos em pesquisa a fundo perdido, de modo a proteger as nossas margens de lucro.
Não coincidentemente, o setor rural está reclamando da falta de dinheiro (R$ 3 bilhões, segundo matéria de ontem) para subsidiar linhas de crédito. Assim realmente fica fácil ser “o setor mais eficiente da economia”. Ah sim, a conta de luz de propriedades rurais também é subsidiada.
Nesse sentido, é compreensível que o fazendeiro seja contra a mudança de modelo de negócios da Embrapa. Ao querer ser sócia e não somente uma prestadora de serviços que não consegue remunerar o seu trabalho de pesquisa (a Embrapa é estatal dependente do Tesouro), na prática a empresa quer transferir o custo bancado pelo Tesouro para a iniciativa privada. Como as empresas que exploram a tecnologia criada com base na pesquisa da Embrapa vão procurar proteger a sua margem de lucro, o custo final do produto tende a ficar mais alto, onerando o fazendeiro.
Enfim, temos aqui o retrato do Brasil, em que as elites (funcionários públicos e fazendeiros) sequestram uma parte da renda que poderia estar sendo direcionada para outros fins. Claro que tem o seu mérito, afinal a atividade agropecuária gera valor. A discussão é qual fatia dessa renda gerada deveria ser direcionada para os empresários e para os funcionários públicos. Pode-se argumentar que, sem esses subsídios, a atividade ficaria inviabilizada. Ok. Mas não me venha dizer, então, que o agribusiness brasileiro é o setor mais eficiente da economia.