A motociata como proxy para o voto

Mais uma “motociata” liderada pelo presidente Jair Bolsonaro. Mais uma interminável discussão sobre o real tamanho do evento. Desde os 3 mil medidos no pedágio até os 70 mil da maior conta que vi, dando um passeio pelo Twitter, a disputa sobre a adesão à procissão da sexta-feira santa tomou conta das redes. (Vou deixar de fora a estimativa de R$ 20 milhões arrecadados de ICMS só com a gasolina das motos. Considerando um consumo de 30 km/l, 240 km de percurso, R$ 7,50 por litro e 25% de alíquota, teríamos 1,3 milhões de motos. Seria o milagre da multiplicação das motos).

Digamos que tenham sido 70 mil motos. Segundo o Detran, em abril de 2021 havia 1.076.861 motos na cidade de São Paulo. Considerando que a cidade represente 60% da população da região metropolitana, teríamos um total de 1,8 milhão de motos na Grande São Paulo que potencialmente poderiam participar do evento. 70 mil representam cerca de 4% desse total. Quantos eleitores esses 4% representam? Difícil dizer. Se um em cada 10 motociclistas eleitores de Bolsonaro tenham decidido aderir à motociata, esses 70 mil representariam 40% dos votos entre motociclistas. Em termos comparativos, as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff chegaram a juntar 2 milhões de pessoas na Paulista, ou mais de 10% da população TOTAL da região metropolitana, não somente de motociclistas. E é neste ponto que temos a pegadinha.

Note que temos uma amostra enviesada. Motociclistas, em geral, são homens e têm renda superior a 2 salários mínimos por mês. Nesse estrato da população, Bolsonaro colhe seus melhores resultados. Ele apanha entre os pobres e as mulheres. Portanto, 40% de uma parcela que lhe favorece (ainda mais em São Paulo, não no Nordeste) não parece ser algo que chame especialmente a atenção. E isso porque estressamos o número de motos (70 mil) e a proporção de motociclistas que votam em Bolsonaro dispostos a dar as caras no evento (10%).

Na verdade, pouco importa se foram 3 mil ou 70 mil. Como vimos acima, isso é pouco relevante do ponto de vista do número de votos. Bolsonaro conseguiu seu intento de produzir imagens marcantes e tomar conta do debate nas redes. Essas imagens serão usadas como “evidência” do grande apoio popular ao presidente, e como a derrota nas urnas somente pode ser explicada por fraude.

E antes que alguém lance mão do whataboutismo, o fato de Lula não ter se aventurado, por enquanto, em eventos públicos, não significa absolutamente nada. A coisa mais fácil de produzir são imagens de multidões, e elas serão produzidas pelo petista, podem estar certos. Bolsonaro foi muito esperto, e sacou essa da motociata, em que as motos ocupam muito mais espaço do que pessoas e passam a sensação de multidão muito mais facilmente. Serve como peça publicitária, mas não como antecipação do que será o voto na urna.

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