Discutindo a relação

A parte mais divertida das análises de economistas da chamada “escola desenvolvimentista” são as justificativas de porque determinada política econômica não funcionou como o previsto. O jornalista Pedro Cafardo, em sua coluna de hoje, nos brinda com um desses momentos.

Cafardo parte de uma dissertação de mestrado em sociologia (!) para descrever o que deu ruim na relação entre o setor industrial e um governo que, supostamente, patrocinou toda a agenda desenvolvimentista. Segundo a coluna, a participação da indústria no PIB era de 16,9% em 2003, caindo para 11,7% em 2016. Ou seja, a indústria continuou a encolher durante os governos do PT, mesmo com todos os incentivos “corretos”.

O diagnóstico dos industriais, levantado pela dissertação, é que de nada adianta incentivos se os juros e o câmbio estão “errados”. Juros altos e câmbio apreciado neutralizariam a “política industrial”, tornando-a inócua.

A parte mais, digamos, pitoresca da análise está na avaliação de que, talvez, os empresários industriais, por serem também rentistas na pessoa física, não se posicionaram contra os juros altos. Ou seja, haveria um conluio entre os industriais e o setor financeiro para manter os juros altos e, assim, matar a indústria. Essa vai para a minha caderneta.

Há um vício de origem em toda essa análise: o de que juros e câmbio podem ser determinados discricionariamente pelo governo. Só não o faz porque o setor financeiro domina tudo e falta “força e coragem” (no dizer do bravo colunista) ao setor industrial para impor a agenda do desenvolvimento.

Juros e câmbio são o preço do dinheiro. A taxa de juros é o preço do dinheiro para as transações domésticas, enquanto o câmbio é o preço do dinheiro para as transações com o exterior. Ambos os preços são formados pelas expectativas dos agentes econômicos com relação ao que o governo, que é o monopolista da emissão de moeda, vai fazer. Quanto mais o governo não for confiável e sinalizar que não respeita a própria moeda, mais cara fica a mercadoria.

No caso específico dos incentivos à indústria, todos eles, de alguma maneira, pesam sobre o orçamento público, o que força os juros para cima. A esperança dos desenvolvimentistas é que incentivos localizados em “setores dinâmicos” da economia podem impulsionar o crescimento econômico, aumentando a arrecadação e mais do que compensando o custo dessas políticas. Já vimos, nos governos do PT, principalmente durante a gestão Dilma Rousseff, que este moto-perpétuo econômico ainda não foi inventado.

Se o governo tentasse, artificialmente, manter os juros baixos e o câmbio depreciado, o resultado seria mais inflação, o que não é um equilíbrio sustentável a longo prazo. Aliás, qualquer controle artificial de preços leva a distorções que, mais cedo ou mais tarde, precisam ser corrigidos. Controlar juros e câmbio são, em última análise, controle de preços. Não se trata de “força e coragem”, mas de “oferta e demanda”.

A coluna acerta apenas quando afirma que essa discussão ganha importância na medida em que o PT pode voltar ao poder no ano que vem. De fato, todas as declarações de Lula, até o momento, apontam para os mesmos erros de política econômica que marcaram as gestões do PT até 2016. Pelo visto, o chão é o limite para a participação da indústria no PIB.

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