A politização do crime

Nesta semana, Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann acusaram a Lava-Jato e a Lei das Estatais de “criminalizar a política”.

O decano do Supremo, em um convescote para comemorar 20 anos de STF, diante de todos os representantes da República (incluindo o presidente da República, os presidentes do Câmara e de Senado, vários parlamentares e ministros do Supremo), afirmou que o tribunal havia devolvido a política aos políticos, que havia sido “expropriada” por juízes.

A presidente do PT, por sua vez, acusou a Lei das Estatais de “criminalizar” a política, ao vetar a presença de políticos nos Conselhos de Administração e diretorias das estatais, além de exigir experiência no ramo para ocupar algum desses cargos. Este entendimento é seguido por caciques do Centrão.

Esta, digamos, visão de mundo, foi comprada a valor de face por Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Seu discurso, em linha com o pensamento de muitos de seus seguidores, é de que a política estava podre de alto a baixo e, portanto, era necessário que um outsider imaculado inaugurasse uma nova era na política brasileira, onde o bem venceria por gravidade, com a força das ruas. Essa visão ingênua da política (na verdade, a negação da política) inundava a minha timeline em 2019 sempre que eu criticava a falta de diálogo de Bolsonaro com o Congresso. Essa postura corroborava, pelo avesso, os discursos de Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann, ao, de fato, identificar toda e qualquer negociação política com corrupção.

Política, cansei de escrever aqui, é divisão de poder para alcançar consensos. Indicar ministros faz parte dessa divisão de poder com a base de apoio no Congresso. Cada partido e cada político fica à frente de uma parte da máquina pública para imprimir a sua visão de mundo nas políticas públicas. Isso é política. Outra coisa, bem diferente, é o recebimento de vantagens por meio de conluio com fornecedores do poder público. Isso não é política, isso é polícia.

A distinção entre política e polícia nos permite entender onde Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann erram. A Lava-Jato e a Lei das Estatais têm como objetivo justamente não deixar que a política vire caso de polícia. No caso da Lava-Jato, o sistema judiciário identificou o uso da atividade política para outros fins que não fazer política. E a Lei das Estatais, nascida das conclusões da Lava-Jato, veio justamente para tornar mais difícil usar uma parte da máquina do governo para outros fins que não fazer política.

Ao atacar a Lava-Jato e a Lei das Estatais, acusando uma suposta “criminalização da política”, Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann, na verdade, estão politizando o crime.

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