Pirão pouco, meu caviar primeiro

O advogado criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, dono de uma das maiores bancas de advogados do país, mostra a sua face humana em artigo de hoje, em que urge o Estado e os cidadãos a “dar um teto” aos sem-teto. Sua frase “toda a sociedade brasileira precisa estar imbuída de solidariedade e amor ao próximo”, confesso, arrancou-me suspiros. Faltava-nos alguém para lembrar que só o amor constrói.

Mas o verdadeiro amor não é só suspiros. O látego justiceiro do criminalista não descansa. Amor e solidariedade, segundo o advogado, são virtudes de poucos. A maioria dos cidadãos e políticos “não se sensibiliza com essa tragédia”. Só querem mesmo saber de suas próprias vidas, desde que as pessoas em situação de rua estejam fora de seu campo de visão.

O Brasil é um dos 10 países com pior distribuição de renda no mundo, medido pelo índice de Gini. Trocentos programas sociais não foram capazes de mover um milímetro sequer esse ponteiro. Os sem-teto que habitam as ruas de nossas cidades, assim como as favelas, são a face visível dessa desigualdade. Quando apareceu uma reforma tributária que iguala as alíquotas para todos, e tem o poder de mitigar um pouco essa situação, grupos bem organizados, que desde Cabral souberam entortar as regras a seu favor, correram para garantir exceções que permitissem a continuidade de seus privilégios. A OAB a que Mariz de Oliveira pertence, é um deles.

Mariz de Oliveira é uma pessoa especial. Apesar de ser um dos homens mais ricos do Brasil sob qualquer parâmetro que se meça, seu coração está cheio de amor e solidariedade. Então, justifica-se que lute com unhas e dentes para que a reforma tributária não alcance os grandes escritórios de advocacia, que pagam um montante de ISS vergonhosamente baixo. A reforma igualará a alíquota de seu escritório com a do salão de cabeleireiro onde trabalham moças que mal conseguem pagar o seu aluguel. Mas, claro, essas moças não devem ter “amor e solidariedade” em seus corações, então precisam compensar esse defeito pagando mais impostos, mantendo a desigualdade secular do país intacta. Assim, vez por outra, os champions do amor e da solidariedade poderão continuar desfilando suas virtudes em artigos de jornal.

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