O pagamento de precatórios (dívidas liquidas e certas da União com indivíduos e empresas) tornou-se um problema fiscal de primeira grandeza. O seu volume crescente (um “meteoro”, no dizer do inefável Paulo Guedes) levou o governo Bolsonaro a patrocinar um calote branco, aprovando em lei o empurrão com a barriga dessas dívidas para o dia de São Nunca. O efeito disso, como alertei na época, foi a criação de uma bola de neve que prometia se transformar, em poucos anos, no maior esqueleto fiscal de Banânia.
A solução ótima para o problema era simplesmente pagar os precatórios, afetando o déficit fiscal e forçando o corte de outros gastos para que a meta de déficit fosse cumprida. Claro que isso é politicamente impossível. A solução de segundo ótimo foi essa aprovada pelo STF: permitir o pagamento sem afetar a meta para o déficit. Ou seja, esse pagamento não contará para o cálculo do déficit do governo. Trata-se de mera formalidade, porque dinheiro é dinheiro, e a dívida pública irá subir de qualquer forma. Quem estuda o assunto considerará esses pagamentos nas suas projeções. Mas, em termos legais, o governo não será “accountable” por esses pagamentos.
Porque eu digo que essa é a solução de segundo ótimo? Porque a sua alternativa, que é empurrar com a barriga, é bem pior para as contas públicas, além de passar por cima do direito dos cidadãos de receberem suas dívidas do governo.
Mas existe uma coisa ainda pior, que não ficou clara na decisão do STF: a contabilização separada, daqui em diante, do principal e dos juros dos precatórios. O governo propôs contabilizar os juros como despesa financeira, como se os titulares dos precatórios fossem “investidores” emprestando dinheiro para o governo. Trata-se de uma interpretação completamente heterodoxa, que não tem previsão em nenhum manual de contabilidade pública. Isso sim, seria uma desmoralização total das estatísticas da dívida.
Toda essa discussão só demonstra que, entra governo, sai governo, estamos vivendo no fio da navalha em termos fiscais. O Estado brasileiro tributa na média dos países ricos da OCDE e, ainda assim, precisa fazer déficit fiscal. Truques contábeis feitos para que esse déficit não apareça não mudam essa realidade.