Quem poderia imaginar…

Rapaz… quem poderia imaginar que se endividar até as tampas para jogar dinheiro de helicóptero diminuiria a pobreza só por um tempo, e tudo voltaria a ser como antes por causa da inflação? Por essa ninguém esperava…

Quer dizer, tudo voltaria a ser como antes, não. A pobreza continua a mesma, mas a dívida pública, quanta diferença! (essa é para os mais seniores, que se lembram da propaganda do xampu Colorama).

E a matéria do NYT tem um tom de alarme, como se assistência do governo tivesse o condão de mudar o patamar de pobreza de maneira definitiva. Talvez se o governo continuasse se endividando eternamente para manter a assistência no mesmo nível… bem, talvez Biden pudesse dar uma olhada para certo país na América do Sul, em que programas assistenciais existem há décadas, sem conseguirem mover o ponteiro da pobreza.

Talvez um dia se convençam de que a única forma de diminuir a pobreza é com o enriquecimento (crescimento) do país. Dinheiro do governo só serve como paliativo temporário. Enquanto o governo dá com uma mão, retira com a outra, via impostos e inflação. Trata-se de um jogo soma zero, em que o cidadão perde e os políticos populistas ganham.

Preço razoável

Matéria da Exame pergunta: afinal, por que os ingressos para a final da Copa do Brasil estão tão caros?

E eu respondo: porque tem gente disposta a pagar. E como tem! Os ingressos, começando de R$400 no Maracanã, foram vendidos em 24 horas, e tem milhares de pessoas que não conseguiram comprar. Acho até que erraram na mão, poderia ser ainda mais caro. Se tivesse um leilão, o ingresso sairia acima de R$ 1.000 com certeza.

O PROCON-RJ se prontificou a investigar o caso, e deu 72 horas para o Flamengo se explicar. Parece que cobrar “preços abusivos” vai contra o Código do Consumidor. Resta definir o que seria um “preço razoável”.

No meu livro Descomplicando o Economês, explico direitinho essa questão de oferta e demanda. Se o pessoal do PROCON quiser comprar, posso vender um lote do livro a um “preço razoável”.

Um cafezinho com Putin

A decisão de aderir ou não ao estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI) é soberana. Países democráticos, como EUA, Israel e Índia, e não democráticos, como China e Rússia, não aderiram. Cada qual deve ter os seus motivos.

O Brasil aderiu em 2002, no apagar das luzes do governo FHC, e os governos posteriores do PT tiveram mais de 13 anos para rever esse posicionamento. Não o fizeram, provavelmente porque não viram motivo para tal, inclusive do ponto de vista de soberania.

Lula agora lança a possibilidade de “desadesão” ao TPI. O motivo não é uma questão de soberania teórica. Nada disso. Trata-se de algo muito prático: poder receber Vladimir Putin em solo brasileiro sem precisar ordenar a sua prisão, obedecendo ao mandato emitido pelo TPI. Um motivo muito nobre, sem dúvida. Afinal, não é todo dia que se pode receber um estadista desse naipe.

Acho que Lula não vai morrer desse susto: desde que as tropas de Putin invadiram a Ucrânia, de fevereiro para março de 2022, o presidente da Rússia só se arriscou a sair de seu país para visitar ex-repúblicas soviéticas, além do Irã. Então, fica difícil imaginar Putin pegar um avião para pousar em Brasília. Lula deve (ou deveria) saber disso. Perdeu a oportunidade de dar uma resposta evasiva, sabendo que muito dificilmente teria que enfrentar o problema de verdade.

De qualquer forma, Lula entregou de graça (mais uma vez) a sua queda por governos não democráticos. Uma coisa é sair do TPI porque há o entendimento de que fere, de alguma forma, a nossa soberania. Outra bem diferente é sair do TPI para poder tomar um cafezinho com Putin no Planalto. A democracia é, sem dúvida, coisa muito relativa.

Tic-tac

O Estadão estampa como sua manchete principal um fenômeno que vem chamando a atenção: o crescente número de jovens vivendo na casa dos pais, ou mesmo dos avós.

Há muitas explicações, mas todas se resumem a uma só: renda disponível.

Coincidentemente, o economista Luís Eduardo Assis escreve artigo sobre a necessidade de uma nova reforma da Previdência.

Em 2022, o déficit da Previdência foi de R$ 375 bilhões, sendo 28% do setor público e o restante do setor privado. Detalhe: apenas 8% dos beneficiários trabalharam no setor público. Coincidentemente, a manchete da Folha hoje chama a atenção para o valor da aposentadoria dos militares.

Estes R$ 375 bilhões são cobertos com impostos e dívida pública, e referem-se apenas ao rombo na esfera federal. Para termos uma ideia de ordem de grandeza, o Fundeb, que reúne o montante destinado a custear o ensino básico, reunirá estimados R$ 264 bilhões este ano, sendo R$ 226 bilhões de Estados e municípios e o restante do governo federal. Ou seja, o rombo da Previdência na esfera federal é maior do que todo o dinheiro gasto no ensino básico brasileiro.

Segundo estudo da Cepal, mencionado por Assis, o Estado brasileiro gasta 6,1 vezes mais com nossos idosos do que com os nossos jovens, contra média global de 2,4 vezes. Trata-se, como diz o economista, de escolha política legítima e, como qualquer escolha política, traz as suas consequências. Uma delas é a tendência de os jovens cada vez mais permanecerem morando com os mais velhos por falta de renda.

Sim, precisaremos de uma nova reforma da Previdência. A anterior foi tímida, e a conta simplesmente continua não fechando. Tic-tac-tic-tac.

O Brasil definitivamente voltou

A coluna do Estadão do domingo nos informa que o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, é o encarregado de Lula para negociar a recuperação da Avibras. Detalhe: Coutinho não é funcionário do governo, ele é sócio de uma consultoria chamada MTempo Capital.

Em abril deste ano, escrevi artigo comentando sobre outra notinha na mesma coluna, em que éramos informados de que o governo buscava uma “solução” para a empresa. Luciano Coutinho é citado naquela notinha, mas não havia informação de qual era o seu papel. O foco estava no aumento dos gastos do governo em defesa, o que, supostamente, salvaria a Avibras.

Na notinha de hoje, por outro lado, é o papel de Luciano Coutinho no negócio que está em foco. Fazendo uma rápida busca, a única menção à consultoria do ex-presidente do BNDES é um site de CNPJs. Não há um website próprio e, tampouco, uma página no LinkedIn. Estranha maneira de fazer marketing.

Luciano Coutinho afirma que não está sendo remunerado pelo governo. Bem, como ainda não foi inventada uma forma de viver do ar, Coutinho deve estar sendo remunerado por alguém. Se não é o governo, só pode ser a Avibras, que contratou o seu principal expertise: ser amigo dos amigos de Lula.

Que bom que o Brasil voltou!

As externalidades negativas da CLT

A economista Laura Karpuska está muito preocupada com os entregadores e pergunta: quem paga pela seguridade social dos moto e cicloboys? A economista usa uma palavra difícil para traduzir a sua preocupação: externalidade. As plataformas de entrega estariam se aproveitando de uma externalidade negativa, porque, no final do dia, a seguridade social dos entregadores estaria sendo custeada pelo Estado. Em outras palavras, o lucro da plataforma viria, em parte, do SUS e do INSS.

A economista tem razão, mas ela conta só metade da história. A outra metade, os usuários, também se aproveitam dessa externalidade negativa, ao pagar preços convenientes pela entrega. Sabemos que a CLT dobra o custo do trabalhador. Estaria a economista disposta a pagar o dobro pela sua pizza de domingo à noite? São somente as plataformas que “lucram” com a informalidade?

Mas o problema principal não é nem esse. Segundo dados do IPEA, temos aproximadamente 500 mil entregadores de plataforma no Brasil. Esse número representa 1,3% dos 38 milhões de trabalhadores sem carteira assinada, segundo os últimos números do IBGE. Karpuska está preocupada com a externalidade negativa das plataformas. Eu estaria mais preocupado (76 vezes mais preocupado, para ser mais exato) com a externalidade negativa da CLT, que expulsa milhões de trabalhadores do mercado formal de trabalho. Para usar os mesmos termos da economista, faltam evidências de como a nossa legislação trabalhista internaliza seus custos sociais.

A preocupação da economista é típica da classe média com peso na consciência. Afinal, dos milhões de trabalhadores sem carteira nesse Brazilsão, o nosso contato diário é com os entregadores, que garantem a entrega da blusinha da Shein. Há uma espécie de fetiche em relação às plataformas de entrega, como se concentrassem todos os problemas do mercado de trabalho brasileiro e fossem os únicos agentes econômicos a “lucrar” com a informalidade. O ponto principal é que nossa mão de obra é mal preparada e pouco produtiva, e está longe de justificar a seguridade social nórdica de que dispomos. Essa é a realidade nua e crua, e que não será resolvida enquadrando-se as plataformas de entrega.

Bomba de fumaça

Sabe aquela história da bomba de fumaça, que alguém joga para distrair o inimigo enquanto se dedica a executar o seu plano? Pois é exatamente isso que Haddad está fazendo ao defender uma “reforma administrativa” para limitar os “supersalários” do funcionalismo.

Não que os salários que ultrapassam o teto constitucional não sejam uma vergonha. Mas o seu montante (cerca de R$ 3,9 bilhões anuais) sequer arranha o problema. A folha de pagamentos da União totaliza R$ 350 bilhões/ano. Sentiu o drama?

Haddad propõe uma reforma para estampar nas manchetes, o brasileirinho vibra com o fim das mordomias, enquanto tudo continuará como está. E assim vamos, de factoide em factoide, até a próxima crise global arrastar os países que não fizeram a lição de casa.

O Threads “flopou”?

O que aconteceu com o Threads, a nova rede social que iria desbancar o Twitter? (Eu sei que é X, mas ninguém chama de X, né?)

Eu recortei e guardei a análise abaixo, do colunista Pedro Doria, publicado há exatos dois meses, praticamente decretando a morte do Twitter. Afinal, Elon Musk “cometeu muitos erros”, e as pessoas “estavam há meses procurando uma alternativa”.

O começo foi arrasador: o Threads conseguiu a marca de 10 milhões de usuários em meras 7 horas. O recorde anterior era do ChatGPT, que atingiu essa marca em 40 dias. Facebook e Instagram haviam conquistado 10 milhões de usuários em 852 e 355 dias, respectivamente. Um verdadeiro furacão. Não é à toa que Pedro Doria e todos os desafetos de Musk estavam como pinto no lixo.

Mas alguma coisa aconteceu. Quer dizer, alguma coisa não aconteceu. No gráfico abaixo, podemos observar o crescimento da base de usuários do Threads: depois de atingir 100 milhões de usuários em meros 4 dias, a coisa simplesmente parou. Hoje, a nova rede social de Zuckerberg tem 130 milhões de usuários (número de 05/09), contra 450 milhões do Twitter.

Mas não é no número de usuários que se mede o tamanho da flopada do Threads. Eu sou um usuário, mas entrei na rede somente quando a criei e nunca mais voltei. No dia 07/07, dia em que o artigo abaixo foi publicado, o número de usuários ativos bateu quase 50 milhões. Atualmente, com 130 milhões de usuários cadastrados, o número de usuários ativos é de 10 milhões. Para se ter uma ideia, esse número é 20 vezes menor que o número de usuários ativos do Twitter. O tempo médio gasto pelos usuários do Threads na rede é de 3 minutos, contra 30 minutos do usuário do Twitter. Combinando os dois números, a publicidade no Twitter tem 300 vezes mais exposição do que a publicidade no Threads, e é isso o que importa. (Vou colocar nos comentários a fonte dessas informações).

A conclusão que eu chego é a seguinte: o usuário está pouco se lixando com as polêmicas envolvendo Elon Musk, e só quer uma rede onde possa brigar. O Threads surgiu para fazer a mesma coisa que o Twitter. Ora, se vai fazer a mesma coisa, por que mudar? O efeito inércia trabalha a favor do incumbente. Se o Threads não mostrar alguma vantagem relevante em relação ao Twitter, não vai decolar. Essa história de prometer ser uma rede “limpinha e civilizada” não é um diferencial e, arrisco dizer, é contraproducente. As pessoas querem ler brigas e insultos, e não discursos politicamente corretos. Para isso, já temos a mídia mainstream.

Zeus e Prometeu

O grande erro da Lava-Jato foi ter tocado no Intocável. Mais sábios foram os juízes do Mensalão, que chegaram, no máximo, ao capataz.

– Ah, mas como é possível ignorar provas? – dirão alguns.

Sempre é possível, trata-se de uma avaliação. No caso, a Lava-Jato assinou a sua sentença de morte ao não ignorar as provas contra o Demiurgo.

Estou entre aqueles que se entusiasmaram com um Brasil que parecia ter amadurecido, um Brasil em que não existem deuses, mas apenas homens pecadores. Estava enganado, há um ser Divino e toda uma corte olímpica a servi-lo.

Lula elegeu-se com apenas um objetivo em mente: colocar atrás das grades Sérgio Moro e todos os procuradores envolvidos em sua prisão. A peça de Toffoli servirá para isso. Tal qual Zeus do alto do Olimpo, não descansará enquanto não amarrar Prometeu ao penhasco para ser comido vivo pelas águias, Prometeu que ousou roubar o fogo da sabedoria e dá-lo aos homens dessa Terra Brasilis.

Putin lança o programa Mais Soldados

O governo cubano está indignado. Parece que Moscou está pescando em águas cubanas para recrutar soldados para a guerra. O que a reportagem chama de “tráfico”, na verdade, não passa de uma relação comercial: Putin mitiga o seu problema de recrutamento de cidadãos russos, enquanto os cubanos têm a oportunidade de ganhar uns trocos e, com alguma sorte, voltar para casa após o fim do contrato. Uma relação ganha-ganha. A não ser para o governo cubano.

No programa Mais Médicos do governo Dilma, o “tráfico” de cubanos era oficializado, e o governo cubano ficava com a parte do leão dos salários de seus cidadãos. Esse sim era um arranjo que interessava aos dirigentes da ilha de Fidel. Agora, Putin atravessou o intermediário, e está tratando diretamente com a mão de obra. Putin gasta menos e os cubanos recebem mais. Todo mundo sai satisfeito, menos o governo cubano, que denuncia o “tráfico de pessoas” e afirma não ter nada a ver com a guerra.

Pelo jeito, Putin terá que estabelecer o programa Mais Soldados e pagar mais caro, se quiser continuar contando com a prestimosa ajuda dos recrutas cubanos.