Esse nome não me é estranho

Mercadante, Mercadante… esse nome não me é estranho. Ah sim, lembrei!

Mercadante foi o ministro da Ciência e Tecnologia do governo Dilma 1 que anunciou, em tom triunfante, a instalação de uma fábrica gigantesca da Foxconn para a produção de iPads, iPhones e componentes, em um investimento de US$ 12 bilhões que geraria nada menos do que 100 mil empregos no país, dos quais nada menos de 20 mil seriam engenheiros (Exame, 14/04/2011).

O ministro não fazia por menos: haveria exigência de ”parceria com o capital privado nacional para termos transferência de tecnologia” (Estadão, 25/04/2011). Afinal, queremos o desenvolvimento da engenharia tupiniquim.

Dois meses depois, o ministro admitia que haveria “algum atraso” no projeto. A empresa estaria com dificuldade de contratar engenheiros. Já havia contratado 175, faltavam 200. (Fico imaginando como seria contratar 20 mil…). O início da operação, que deveria ser em julho, foi adiada para setembro. (Agência Brasil, 17/06/2011)

Em setembro, o ministro reconhece que o projeto enfrenta dificuldades, incluindo fornecimento de energia, mão de obra qualificada e parceiros locais. Segundo Mercadante, “as condições de estrutura, tecnologia, energia, logística, é tudo muito complexo”. Além disso, “… na área de tecnologia, os sócios (brasileiros) que nós temos não têm musculatura financeira para investimentos próximos a esse valor” (Reuters, 26/09/2011). A Foxconn iria entrar com a tecnologia, o dinheiro e incentivos fiscais eram por conta dos brasileiros.

Em outubro, o ministro anunciou que seriam não uma, mas duas fábricas da Foxconn no país, para “fabricar telas”. A expectativa era começar a produção “antes da Copa de 2014”. Para surpresa de ninguém, o BNDES é mencionado como “indispensável” ao projeto e foi anunciada a redução da alíquota do IPI para tablets e a zeragem do PIS/Cofins. Afinal, tratava-se de “reindustrializar” o país. O presidente da Foxconn prometia para dezembro o início da produção de iPads no país. (Veja, 13/10/2011)

Em dezembro, Mercadante anuncia que os investimentos deverão ser da ordem de US$ 4 bilhões, e seis estados estavam disputando quem dava o maior benefício fiscal para as fábricas. O BNDES, obviamente, fazia parte das negociações. (Agência Brasil, 16/12/2011). Nem sinal da produção de iPads.

Em janeiro de 2012, Mercadante deixou a pasta para assumir a Educação no lugar de Fernando Haddad. Agora na presidência do BNDES, poderá retomar esse grandioso projeto, parado desde 2011 pela falta de uma mente com a sua visão para liderar a reindustrialização e a inovação tecnológica no país.

PS.: A Foxconn chegou a ter 10 mil funcionários em suas plantas em Jundiai, produzindo iPads e iPhones. Essa produção foi descontinuada em 2017, porque “era muito caro produzir parte na China para terminar no Brasil”, segundo a avaliação de uma consultoria. (Isto É Dinheiro, 23/06/2017). A questão da “reindustrialização e inovação tecnológica” no Brasil vai muito além de algumas linhas subsidiadas do BNDES.

A história se repete somente como farça

Apesar do bombardeamento de última hora do PT, Ilan Goldfjan foi eleito para a presidência do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento. Trata-se de uma história com duas lições.

A primeira, óbvia, é que, para surpresa de alguns, o PT continua sendo o PT. Todos os sinais estão nessa direção, esse foi apenas mais um deles. O PT queria colocar um “dos nossos” no comando na instituição. Afinal, Ilan é um sujeito técnico, e que vai analisar os pedidos de financiamento de um ponto de vista, digamos, técnico. Nada de ter ”sensibilidade para governos amigos”, ou analisar “externalidades positivas” que só o pessoal da Unicamp vê.

E aqui vem a segunda lição, que é o outro lado da moeda da primeira. Certamente o conselho do BID (o que inclui seu maior financiador, os EUA) viu como o BNDES foi usado durante os governos petistas. Lula pode ser um pop star das relações internacionais, mas na hora do dinheiro de verdade, os investidores querem ver resultados. Não à toa, mantiveram a eleição e Ilan foi eleito por larga margem.

Essa é uma sinalização interessante. O passado do PT o condena, e cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça. O “chilique” do mercado nos últimos dias demonstra isso, assim como esse olé do BID no PT. Desse modo, é provável que o PT enfrente grande dificuldade na implementação de sua agenda. A resistência do mercado e do corpo político será formidável. Ninguém quer viver novamente o show de horror que foi o fim do governo PT. Claro, o PT insistirá de várias formas e teremos muita dor de cabeça. Mas não será o passeio no parque que foi no primeiro governo. A história se repete somente como farsa.

O delírio do mercado

No Valor de hoje, pela primeira vez leio um relato completo do que ocorreu no jantar de Lula com a nata do empresariado brasileiro. Vem pela mão da competente jornalista Claudia Safatle, uma das melhores cronistas do desastre do governo Dilma.

De todo o artigo, o único pecadilho é o título, que não faz jus ao que rolou no tal jantar, a tomar a valor de face a narrativa. O BNDES ser usado como indutor do crescimento, além de não ser novidade no discurso de Lula, consegue ser o menor dos males de tudo o que Lula disse no jantar. Vejamos:

– Lula afirmou que ”o BC tem que conversar conosco sobre geração de empregos, não pode ser um BC bitolado em juros e inflação”. Claro, essa afirmação veio depois de criticar a independência formal do BC. O curioso é que, em seus dois mandatos, o então presidente do BC, Henrique Meirelles, teve liberdade para fazer política monetária. Há uma contradição entre o que foi o seu governo e o discurso atual, como se Lula tivesse rasgado uma fantasia. Fico imaginando o que seria essa “conversa” sobre geração de empregos.

– Lula repetiu que acha “um absurdo teto para gasto público”. Ao mesmo tempo, prometeu superávit primário em todos os anos de seu governo. Parece que Lula não tem noção do ajuste necessário para fazer superávit primário, ajuste este que faria o teto de gastos parecer um passeio no parque. Claro, a ideia é sair pelo aumento da arrecadação. O problema é quem vai pagar a conta. Taxar os “super-ricos” é inócuo, pois, além de insuficiente, a base tributável logo desaparece nos planejamentos tributários da vida. Vai sobrar para a classe média mesmo. E classe média, aqui, é todo mundo que ganha mais de 2 salários mínimos.

– Parece que Lula enviou “interlocutores” ao TCU para negociar um waiver sobre as contas públicas nos primeiros anos do seu governo. Imagine só o que ele tem em mente.

– Lula achou “um absurdo” a privatização da BR Distribuidora, mas não pretende reestatiza-la. Bem, se Lula acha importante ter uma empresa que distribui gasolina, imagine o resto. Também achou um absurdo, claro, a privatização da Eletrobrás. Mas, como disse Wilson Ferreira, o presidente da empresa, em outra matéria, o governo não tem dinheiro para reestatizar. Ou seja, é tudo resmungo. A questão só é levantada para deixar claro que não haverá privatizações no governo Lula. Lula prefere pegar o dinheiro dos contribuintes, não de investidores.

Neste ponto do artigo, Safatle diz que Lula começou a “delirar”. É o que afirmou um dos empresários entrevistados. Como se, até o momento, a coisa fosse toda “normal”. Vamos ao “delírio”. Segundo Lula:

– a quadrilha de Curitiba tinha interesse em quebrar as empresas brasileiras para beneficiar as americanas e espanholas.

– a Lava-Jato interrompeu a construção das refinarias pela Petrobras, o que nos daria autossuficiência em refino.

– o custo de extração do petróleo do pré-sal é menor que o custo da Arábia Saudita (na verdade, é 10 vezes maior).

– o mensalão sempre existiu, desde o início da República.

Bem, isso tudo que você leu acima não foi dito em um sindicato ou em uma reunião de artistas ou estudantes. Foram palavras ditas para empresários, um ambiente em que, supostamente, Lula deveria vestir um figurino mais ortodoxo. Como vimos, a coisa foi bem longe disso. Lula não faz questão alguma de esconder o que pretende fazer, nem para plateias menos simpáticas.

De tudo isso, entendo que Lula se dedicará, caso seja eleito, a duas coisas:

1) perseguir pessoalmente Sérgio Moro e Deltan Dalagnol até colocá-los na cadeia e

2) reeditar o “Brasil Grande” custe o custar. E custará, pode ter certeza.

Alguns no mercado estão iludidos pelos três primeiros anos do primeiro governo Lula, como se os 10 anos seguintes do governo PT não tivessem existido. Lula tem insistido em quebrar essa ilusão antes da eleição, mas está difícil.

Talento desperdiçado

O excelente economista Fábio Giambiagi recorda, neste artigo, os 70 anos do BNDES.

Chamou-me a atenção sua descrição das habilidades dos técnicos da instituição. De fato, temos alguns dos maiores especialistas em infraestrutura do país trabalhando no banco de desenvolvimento. Mas, ao contrário do tom ufanista do articulista, tive vontade de chorar. Que desperdício de talentos!

De que adianta termos sumidades em riscos, se a decisão de financiar estádios da Copa do Mundo ignora os riscos? De que adianta ter especialistas em saneamento, se o BNDES financia empresas estatais do setor vergonhosamente ineficientes? De que adianta contar com craques em sistemas ferroviários, se este conhecimento é usado para financiar a construção do metrô da Venezuela, claramente inapta a pagar pelo empréstimo? De que adianta ter o supra-sumo na área de óleo e gás, se o dinheiro é usado para construir refinarias que não se pagam?

A pergunta fundamental é a seguinte: quanto a mais de produtividade o país alcançaria se esses mesmos técnicos trabalhassem na iniciativa privada, onde a alocação de capital se dá não por critérios políticos, mas de retorno sobre o capital? A presença de técnicos especializados no BNDES é quase uma contradição em termos, dado o motivo fundamental da existência do BNDES, que é financiar o que a iniciativa privada não financia. Ora, para isso, basta uma canetada, não são necessários técnicos.

Eu não celebro os 70 anos do BNDES. Eu choro pelos talentos sub-utilizados.

Uma aula de crony capitalism

São raros, raríssimos mesmo, os empresários que se reúnem com políticos e pedem coisas como Reforma Adminstrativa ou Reforma Tributária. A agenda, via de regra, versa sobre “incentivos à indústria”, ou “incentivos à atividade econômica”.

Lula entende bem essa agenda. Foi no seu governo que se iniciou a maior operação de injeção de recursos públicos (via BNDES) para o “estímulo ao investimento”, alcunhada de PAC – Plano de Aceleração do Crescimento. Foi debaixo do guarda-chuva do PAC que se abrigaram obras como as refinarias inacabadas da Petrobras, o metrô de Caracas e o Itaquerão. Claro, houve obras meritórias também, mas era tanto dinheiro (quase meio trilhao de reais em dinheiro de 10 anos atrás), que era não mais que óbvio que sobraria dinheiro para todo mundo, inclusive para empresas que não precisavam, mas aproveitaram a boquinha para diminuir seu custo de capital.

Essa política do BNDES foi esteroide em corpo de tísico, deu uma bombada inicial na economia para depois voltar ao normal. Quer dizer, abaixo do normal, pois como o dinheiro acabou, o desmame custou caro para vários setores da economia. Por isso essa espécie de nostalgia, quase um banzo, por parte dos empresários brasileiros. Lula promete retomar a mesma política. Afinal, “investimento não é gasto”. Só faltou parafrasear a sua protegida com um “investimento é vida”.

Se alguém quer entender a definição de “crony capitalism”, ou “capitalismo de laços”, basta ler a notinha acima. Vale mais do que uma aula sobre o assunto.

PS: na minha série sobre a economia brasileira na era PT, dedico um episódio ao crescimento econômico turbinado pelo BNDES. Link nos comentários.

A mágica da reindustrialização

Claro que uma parcela do empresariado vai apoiar Lula. Afinal, nunca antes na história desse país o BNDES atuou tanto em favor da indústria, quanto nos anos do PT.

Em abstrato a ideia faz sentido. O governo subsidia as taxas de juros, projetos antes inviáveis tornam-se economicamente viáveis e saem do papel, o governo arrecada mais impostos e consegue pagar a conta dos subsídios com folga. Isso em abstrato. No concreto, a bicicleta cai pela fadiga do ciclista.

São três os problemas com essa ideia.

O primeiro é o chamado “desconto não intencional”. Você entra em uma loja, escolhe a mercadoria e vai no caixa para pagar. Lá, você fica sabendo que aquela mercadoria está em promoção, e recebe um desconto de 10%. Aquele desconto foi um dinheiro jogado fora pela loja, porque a decisão de compra já estava feita. O mesmo ocorre com uma parcela dos subsídios. Tendo já tomado a decisão de investimento, o empresário embolsa o subsídio, engordando o seu lucro. Difícil medir qual parcela dos subsídios é simplesmente jogada no lixo, mas certamente é maior que zero.

O segundo problema é achar que somente diminuindo juros a reindustrialização do país ocorrerá como que por mágica. Muitos apontam a Coreia do Sul como um exemplo de industrialização induzida pelo estado. Sim, verdade. A questão é que juros subsidiados são apenas uma parte do pacote, que inclui mão de obra qualificada, segurança jurídica, burocracia leve, infraestrutura robusta, abertura comercial. Baixar os juros artificialmente sem ter esses outros elementos só serve para onerar os cofres públicos sem mexer o ponteiro da industrialização. Prova disso é o gráfico da participação da indústria na economia brasileira durante o governo PT (abaixo). Mesmo com toneladas de subsídios, a indústria continuou perdendo participação na economia. Falta só todo o resto.

O terceiro problema é que estamos em 2022, não em 2007. A diferença de hoje para 15 anos atrás, quando o PAC foi lançado e o BNDES começou a ser turbinado, é que tínhamos superávit primário e estávamos surfando a onda de crescimento da China. Tínhamos, portanto, espaço fiscal para esse experimento desenvolvimentista. Hoje, geramos déficit fiscal estrutural e nossa dívida bruta está 20 pontos percentuais do PIB mais alta do que há 15 anos. Nesse contexto, financiar subsídios é a receita do desastre. A taxa de juros da economia como um todo aumentará, diminuindo o crescimento potencial e aumentando a dificuldade de trazer a inflação para baixo. O resultado será menos indústria, e não mais indústria, como vimos nos anos PT.

Diz a velha sabedoria que, quando Fiesp e governo se juntam em um almoço, o melhor a se fazer é ficar de olho na própria carteira. Sábio conselho.

PS.: aqui, você pode ler o meu artigo sobre crescimento econômico nos governos do PT, em que abordo o papel do BNDES.

A economia brasileira na era PT. Episódio 4: Na base do anabolizante

No núcleo da política econômica do PT, chamada de Nova Matriz Econômica (NME), está a crença de que o Estado pode fomentar o crescimento econômico através da escolha de investimentos cirurgicamente escolhidos. Portanto, o crescimento econômico deveria ser o resultado de todas as políticas adotadas pelos governos Lula e Dilma. De fato, se olharmos somente o crescimento, o governo Lula se destaca, conforme podemos observar no gráfico abaixo:

A média do crescimento econômico nos governos Lula foi de 4% ao ano, contra 2,5% de FHC, menos de 0,5% nos governos Dilma, 1,5% no governo Temer e cerca de 1% no governo Bolsonaro (usando previsão de crescimento de 1,5% para 2022 do FMI). Então, é indisputável o fato de que o governo Lula entregou crescimento maior, mas também é inegável que Dilma foi a responsável pela pior performance da economia brasileira na história (estou considerando o ano completo de 2016 para este e os próximos cálculos. Apesar de Dilma ter deixado o cargo em abril de 2016, o PIB daquele ano foi obra de seu governo). Considerando todos os governos do PT (linha verde), temos uma média de crescimento semelhante ao que tivemos nos governos FHC, mas ainda maior do que tivemos posteriormente, com Temer e Bolsonaro.

Mas, na vida, tudo é relativo. Precisamos ver como se saíram nossos pares nestes mesmos períodos. Escolhi para comparação os seguintes países: Chile, Colômbia, Indonésia, Coréia, Malásia, México, Peru, Rússia, África do Sul e Turquia. Deixei de fora, propositalmente, China e Índia, que têm apresentado crescimentos muito superiores à média. O resultado pode ser visto no gráfico a seguir.

Em todos os períodos considerados, o nosso crescimento econômico ficou abaixo dessa amostra de países. A menor diferença (-0,5%) foi, de fato, no governo Lula, seguido por -1,0% (governo FHC), -0,9% governo Bolsonaro), -1,7% (governo Temer) e incríveis -3,3% no governo Dilma. Se, no entanto, considerarmos os governos do PT como um todo, veremos um quadro diferente: a diferença do PT passa a ser a maior (-1,8%), seguido de Temer (-1,7%), FHC (-1,0%) e Bolsonaro (-0,9%). Se considerarmos o governo Temer como de limpeza da casa, ainda carregando grande parte da “herança maldita” dos governos do PT, podemos dividir a história econômica brasileira desde o Plano Real em três partes:

  1. Governo FHC, em que nosso crescimento fica cerca de 1% ao ano abaixo da média dos emergentes ex-China.
  2. Governos PT, em que nosso crescimento fica em quase 2% ao ano abaixo da média dos emergentes ex-China.
  3. Governo Bolsonaro, em que nosso crescimento volta à natural mediocridade brasileira, ou seja, cerca de 1% ao ano abaixo da média dos emergentes ex-China.

A passagem do PT pelo governo, apesar de todos as promessas grandiloquentes de crescimento econômico, entregou-nos um crescimento ainda pior que a média já medíocre do crescimento brasileiro. Isso, apesar de termos políticas de desenvolvimento econômico como nunca antes na história deste país. É o que veremos a seguir.

PAC – Programa de Aceleração do Crescimento

Dilma foi eleita com o epíteto de “Mãe do PAC”. O que era o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento? Além de ser o empacotamento mercadológico de todo e qualquer investimento público ou privado em infraestrutura, para passar a impressão de que o governo estava fazendo algo realmente grandioso, o PAC também contava com incentivos fiscais a alguns setores além do uso intensivo do funding de fundos de pensão públicos e o BNDES. O PAC foi lançado no início do 2º governo Lula, em janeiro de 2007, e renovado, sob o nome de “PAC 2”, por Dilma no início de seu primeiro mandato. O seu lançamento foi cercado da desconfiança do mercado em relação à sua capacidade de acelerar o crescimento de maneira permanente. E, claro, reservava a Dilma um lugar de destaque.

De fato, tivemos uma aceleração da Formação Bruta de Capital Fixo e do investimento público neste período, conforme podemos ver nos gráficos a seguir, que mostram a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que é uma medida do investimento geral na economia, e o Investimento Público do Governo Central.

As médias se referem ao período pré-PAC (até 2006), ao período do auge do PAC (2007-2014) e ao período pós-PAC (2015 em diante). Podemos observar que, na média, a FBCF foi 3 pontos percentuais acima do período pré-PAC e 5 pontos percentuais acima do período pós-PAC. O mesmo ocorre com o investimento do governo, que pulou 1 ponto percentual do PIB em relação ao período pré-PAC, para cair o mesmo tanto no período pós-PAC.

Este é o problema de programas voluntaristas: não existe uma perenidade ao longo do tempo. Enquanto tem gás, o investimento é mantido em patamares artificialmente altos. Quando o gás termina, volta-se ao normal ou até abaixo, pois é necessário pagar as contas. O investimento ser mais alto durante um período curto não tem mérito algum, pois é preciso entender como este investimento afeta o nível do crescimento econômico como um todo. Como já vimos, o crescimento no período que compreende todo o governo do PT (o que considera o período pós-PAC) foi bem abaixo da média de países comparáveis.

Para encerrar esta primeira parte, vamos observar como a indústria se comportou durante este período. Como sabemos, a “reindustrialização” do país é um mantra de todo programa desenvolvimentista, e todo esse esforço certamente tinha este objetivo como um de seus principais. Funcionou? Vejamos no gráfico abaixo, em que plotamos a participação da indústria no PIB:

Podemos observar como a participação da indústria no PIB cai quase que linearmente durante todo o governo PT, tendo iniciado em 21,6% e terminado em 19,0%. Um verdadeiro fiasco, se considerarmos o objetivo declarado.

Até agora, vimos como o crescimento econômico da era PT dependeu de anabolizantes. Um dos principais foi o crédito, via empréstimos do BNDES.

O papel do BNDES

Apesar de ter lançado o PAC em 2007, a grande “mágica” do crescimento começa realmente a partir de 2009, quando o governo Lula inicia o aumento brutal do orçamento do BNDES. No gráfico abaixo, podemos observar o crescimento espetacular do BNDES, que saiu de quase zero em 2008 para 6% do PIB em 2010, crescendo até quase 9% nos anos seguintes. Em dinheiro de hoje, estamos falando em algo próximo a R$ 700 bilhões, uma insanidade, somente possível para aqueles que estão certos do seu sucesso. O aumento do orçamento do BNDES é uma das marcas características dos Anos de Húbris.

Em junho de 2015, com a credibilidade do Tesouro Nacional já na lona, foi aprovada a lei 13.132/2015. Esta lei emendava a lei 12.096/2009, a qual, por sua vez, autorizava o Tesouro a subsidiar os juros dos empréstimos do BNDES. A lei de 2015 seria apenas mais uma de uma série a autorizar o aumento do volume de subsídios, como havia acontecido anualmente desde a lei originária de 2009, a não ser por um pequeno detalhe: foi acrescentado um parágrafo que obrigava o Tesouro Nacional a explicitar o custo dos subsídios concedidos. Seria a primeira vez em que o custo fiscal desse programa seria tratado com transparência. Desde então, o Tesouro mantém um site com os relatórios bimestrais produzidos para atender a essa determinação legal.

primeiro relatório, referente ao último bimestre de 2015, descreve minuciosamente os mecanismos fiscais por trás dos subsídios ao chamado Programa de Sustentação do Investimento (PSI), nome dado aos aportes de recursos para que o BNDES irrigasse a economia com empréstimos subsidiados. Até 2015, o Tesouro tinha emprestado ao BNDES um total de R$ 524 bilhões, dos quais R$ 452 bilhões foram no âmbito do PSI, conforme podemos ver no gráfico a seguir, retirado do relatório:

De maneira bastante simplificada, podemos resumir o esquema na figura a seguir:

Vejamos:

1. O Tesouro se financia no mercado à taxa Selic vendendo títulos públicos para os “rentistas”. Esta é uma simplificação, pois o custo da dívida pública é normalmente maior que a taxa Selic, mas vamos assumir a taxa Selic para fins didáticos.

2. O Tesouro financia o BNDES através de contratos indexados, em grande parte, à TJLP – Taxa de Juros de Longo Prazo. Ou seja, o BNDES precisa devolver o dinheiro ao Tesouro pagando como taxa de juros a TJLP. Há aqui o que chamamos de subsídio implícito, ou seja, a diferença entre a taxa Selic e a TJLP. Este subsídio não entra em lugar nenhuma da contabilidade pública. Este gasto somente vai ser contabilizado na dívida pública quando o BNDES pagar o empréstimo, e este sempre pode ser rolado. Trata-se de um esqueleto escondido no armário do BNDES. No gráfico abaixo, podemos ver a diferença entre a taxa Selic e a TJLP no período em que o PSI existiu:

3. O BNDES financia o tomador do empréstimo a uma taxa subsidiada, menor que a TJLP. Essa diferença entre a TJLP e a taxa do empréstimo é chamado de subsídio explícito, para o qual o Tesouro tem autorização para devolver a diferença (chamada de “equalização”) para o BNDES. Este é um gasto primário, e deve ser previsto no orçamento público.

Este primeiro relatório produzido pelo Tesouro mostra o tamanho da conta. Entre 2008 e 2015, os subsídios explícitos somaram a bagatela de R$ 36,8 bilhões, ou R$ 4,5 bilhões/ano. Até aí não parece muita coisa. O problema é a previsão dos subsídios explícitos e implícitos APÓS 2015. Sim, porque os contratos com o BNDES vão até 2060! Até lá, trazendo a valor presente os subsídios, a conta soma nada menos do que R$ 200 bilhões!!! Este é o valor a ser gasto para emprestar R$ 450 bilhões a juros camaradas no âmbito do PSI.

Apenas como curiosidade, segue a lista das dez maiores empresas ou empreendimentos que receberam financiamentos do BNDES entre 2007 e 2015 (a fonte está aqui).

Podemos verificar que a Petrobrás obteve nada menos que 18% do total dos empréstimos neste período. Dedicaremos um episódio inteiro à empresa. Podemos notar a presença de várias “campeãs nacionais”, como Embraer, Vale, Odebrecht, Oi e JBS, em uma política de fomento que pretendia criar “multinacionais brasileiras”, com resultados muitas vezes duvidosos. E a Caixa Econômica aparece na lista como repassadora de recursos para o financiamento de projetos de mobilidade e de construção de estádios para a Copa do Mundo.

Qual foi o racional para estabelecer um programa desse tipo? A ideia é que, ao fomentar setores escolhidos, teríamos um boom de crescimento que faria aumentar a arrecadação, tornando bem tranquilo o pagamento desses subsídios ao longo dos anos.

O problema desse tipo de raciocínio está na figura da bicicleta: para manter a bicicleta em pé, é necessário estar sempre pedalando. Usando um pouco de teoria dos jogos, não se trata de um jogo de uma rodada só. O custo do dinheiro para as empresas não pode ser baixo somente na primeira rodada, é preciso que seja sempre, caso contrário vão parar de investir na segunda rodada pelo mesmo motivo que não investiriam na primeira rodada. Não à toa, como vimos no gráfico acima, os recursos para o PSI precisavam sempre crescer, ano após ano.

Só que essa máquina de imprimir dinheiro barato tem um limite, que é justamente o limite de quem financia a festa: o comprador do título público. Quando este nota que tem algo errado na dívida pública, começa a pedir taxas de juros mais altas, aumentando o subsídio implícito do esquema, o que vai piorando a situação, até o momento em que o Tesouro não consegue mais pedalar. Então, a bicicleta cai, como aconteceu em 2015.

E o que aconteceu com o crescimento que deveria ser o resultado deste esquema? Em um relatório de efetividade produzido pelo próprio BNDES em 2015, chega-se à conclusão de que as empresas investiram mais do que se não houvesse o PSI. Isso é o óbvio, só faltava terem investido menos. A questão é entender como estes empréstimos elevaram o crescimento potencial do país, o que está longe de estar provado. Aliás, a julgar pelo crescimento do país após 2016, não houve efeito algum. Descobriu-se que crescimento econômico não é só uma questão de dinheiro barato financiado com dívida pública. Este é só UM dos problemas a serem resolvidos, e não é concedendo-se subsídio que se resolve. É preciso ter segurança das regras, dos contratos, um bom sistema judicial, pouca burocracia, infraestrutura adequada e uma longa lista de etceteras. Não, o crescimento não é uma questão de vontade política, como o governo do PT descobriu.

Esta aventura nos custou R$ 200 bilhões. Aprendemos alguma coisa?

O Sonho Acabou

O que é uma recessão? Recessão é o crescimento econômico negativo. Para entender o que significa isso, precisamos entender o que é crescimento econômico.

Quando falamos de crescimento, estamos comparando o PIB de um ano contra o PIB do ano anterior. O PIB é a soma de todos os produtos e serviços feitos em um país em um determinado ano. O IBGE tem um exemplo bem didático, que ajuda a entender como é calculado o PIB.

Considere a fabricação do pão. De forma bem simplificada, para fabricar o pão é preciso plantar o trigo, fazer a farinha e, finalmente, fazer o pão. Digamos que o agricultor venda o seu trigo para o moinho por R$ 100, o moinho venda a farinha para o padeiro por R$ 200 e o padeiro consiga fabricar 100 pães e venda esses pães para as famílias por R$ 300 (R$ 3 por pão). Em cada etapa, o lucro foi de R$ 100: o agricultor ganhou R$ 100 (considerando, de maneira bem simplista, que ele tenha tido custo zero de produção), o moinho lucrou mais R$ 100 e, finalmente, o padeiro lucrou outros R$ 100. O PIB é a soma de todos esses lucros (ou “valores agregados”). No final, o PIB foi de R$ 300, que foi o preço pago pela família.

Em uma recessão, temos não a criação de valor, mas a destruição de valor. Digamos que, no ano seguinte, o padeiro tenha conseguido vender apenas 90 pães pelo mesmo preço, faturando R$ 270. O PIB, neste caso, teria caído 10%. Sempre que uma empresa produz e vende menos do que no período anterior, sua contribuição para o PIB é negativa. Assim como, se uma empresa “queima” dinheiro em empreendimentos que não produzem lucro, sua contribuição para o PIB é negativa. A grande recessão de 2014-2016, a maior em mais de um século, foi fruto de uma queima sem precedentes de recursos em projetos megalomaníacos por parte do governo, combinada com a queda de confiança da iniciativa privada frente à instabilidade econômica e política do 2º mandato de Dilma Rousseff. A interrupção de obras por todo o país em função dos efeitos da operação Lava-Jato pode ser debitada nesta conta. Para os que acham um exagero chamar a recessão da Nova Matriz Econômica como a maior em mais de um século, temos o gráfico a seguir, em que mostramos, em cada ano, o crescimento do PIB acumulado naquele ano e no ano anterior:

Observe como o PIB recua mais de 5% no biênio 2015-2016, queda maior do que a vivida pelo país durante a Grande Depressão do início da década de 30 do século passado.

Há uma narrativa de que o crescimento econômico começou a declinar fortemente por conta da paralisação que tomou conta do país em função da operação Lava-Jato. Trata-se de uma falsa correlação. Sim, claro, a paralisação de obras cobra o seu preço no PIB, sem dúvida. Mas está longe, muito longe, de explicar toda a profunda recessão que o Brasil enfrentou no biênio 2015-16. Primeiramente, vamos observar a evolução da confiança dos empresários. Como sabemos, se os empresários não estão confiantes, não investirão e o PIB tende a sofrer. No gráfico abaixo, números acima de 100 indicam que há mais empresários avaliando a situação como positiva do que empresários avaliando a situação como negativa, e vice-versa.

Note que a confiança dos empresários (da indústria, do comércio e dos serviços) começa uma lenta mas segura tendência de queda desde 2010. Ou seja, já desde o último ano do governo Lula e durante todo o primeiro mandato de Dilma, a confiança dos empresários começou a declinar, mas ainda permanecendo acima de 100. A partir de 2014, no entanto, o instinto animal dos empresários sente que algo não vai bem. A confiança despenca desde o início daquele ano, e continua em sua queda livre até o final de 2015, iniciando sua recuperação apenas depois do impeachment. Note que o início das denúncias da Lava-Jato ocorre no final de 2014 e as empreiteiras começam a paralisar obras somente a partir de meados de 2015, quando a confiança do empresariado, de maneira geral, já está na lona. Se tomarmos a confiança dos empresários como uma medida que nos dá uma ideia do PIB futuro, podemos concluir que a Lava-Jato pouco tem a ver com este fenômeno.

Vamos analisar de outra forma. O gráfico a seguir mostra o acréscimo ou a perda do PIB medido em reais (valores já deflacionados pela inflação do período).

Podemos observar que, no ponto pior da recessão, o PIB encolheu R$ 400 bilhões em um ano. Segundo reportagem do Estadão de junho de 2017, havia R$ 90 bilhões de obras paradas, que eram tocadas por empreiteiras envolvidas na Lava-Jato.

Uma obra parada não necessariamente subtrai do PIB. O PIB diminui quando o dinheiro já investido naquela obra parada é eliminado do balanço da empresa, como se a obra não valesse nada. Normalmente não é isso o que acontece. A obra é contabilizada por algum valor, até para que possa ser vendida. Ou seja, o valor é menor (há um prejuízo que subtrai do PIB), mas não é zero. Mas digamos que, por hipótese, todas essas obras tenham sido marcadas a zero, ou seja, todo o dinheiro investido tenha virado pó. Neste caso, a Lava-Jato teria subtraído R$ 90 bilhões do PIB. E os restantes R$ 310 bilhões? Pode haver um efeito multiplicador na economia (uma obra parada acaba tendo impacto negativo sobre outras atividades), mas é preciso muito efeito multiplicador para explicar R$ 400 bilhões.

Outra narrativa frequentemente usada para a grande recessão foi a chamada “virada fiscalista” liderada pelo ministro Joaquim Levy a partir de 2015. Esta virada teria consistido em um corte brutal de despesas, em uma política de austeridade que teria afundado a atividade econômica, a qual já vinha cambaleante desde 2014. Vejamos, então, no gráfico abaixo, se houve realmente este corte de despesas.

Podemos observar que não houve corte real (acima da inflação) de despesas até agosto, quando já estávamos afundados na recessão. Pode-se até argumentar que, em uma situação de queda de PIB, o governo teria que agir contra ciclicamente, aumentando as despesas. Esta falta de despesas públicas teria piorado uma situação que já era ruim. O problema desse roteiro está justamente em sua protagonista.

Se tivesse havido uma mudança de presidente da República, a ideia de um “arrocho fiscal” seria muito mais verossímil. O problema é que a mesma pessoa que havia dito que “despesa é vida”, de repente torna-se a campeã do contingenciamento de despesas. Para que esta virada de personalidade fosse verossímil, seria necessário que houvesse um acontecimento de grande impacto, que fizesse a personagem mudar a sua própria natureza. Um roteiro sem esse grande acontecimento seria ininteligível.

Este grande acontecimento foi justamente a queda das receitas causada pela recessão que já havia começado em 2014 e a constatação de que estávamos caminhando para uma grande dificuldade de rolagem da dívida. Ao convocar Joaquim “mãos-de-tesoura” Levy para comandar o ministério da Fazenda, Dilma Rousseff como que abandonou a sua personalidade anterior para assumir uma nova. E foi levada a isso por circunstâncias incontornáveis, acima de sua capacidade de inventar uma realidade paralela.

O problema desse roteiro é explicar por que as receitas vinham caindo, o que obrigou o governo a também cortar despesas. Vínhamos de um período (até 2014, como vimos anteriormente) de gigantescos investimentos alavancados pelo BNDES e pela Petrobrás. Por que raios a atividade começou a recuar? Por que a confiança dos empresários começou a declinar? Onde exatamente o modelo anterior falhou? A prova de que falhou é justamente o início da desaceleração da economia a partir de 2014, apesar de todos os estímulos dados nos anos anteriores. Esta desaceleração antecedeu a desaceleração das despesas patrocinada por Joaquim Levy, que assim agiu porque Dilma Rousseff viu que não havia outra maneira de manter um mínimo de sanidade das contas públicas.

Portanto, culpar a desaceleração das despesas pela grande recessão de 2015-16 é fazer o rabo abanar o cachorro. As despesas foram desaceleradas (nem cortadas foram, apenas se mantiveram estáveis) porque a política anterior causou uma desaceleração anterior das receitas. A pergunta correta a se fazer é: por que, afinal, a política anterior causou a desaceleração das receitas? Culpar o remédio por ter causado a doença não parece ter lógica.

Assim, a Grande Recessão precisa encontrar explicação além da Lava-Jato e do “arrocho” de Joaquim Levy. Pode até ser que estes dois eventos tenham piorado a situação, mas não foram a sua causa principal, até por uma questão, como vimos, de coerência temporal entre os acontecimentos. Se fosse o roteiro de um filme, seria um péssimo roteiro, daquele cheio de pontas soltas, e que tornam o filme ininteligível.

A recessão que se iniciou em 2014 deve ter seus efeitos buscados antes de 2014, não depois. Uma recessão pode ser causada basicamente por três motivos:

  1. Um aperto monetário (elevação das taxas de juros): neste caso, os consumidores postergam o seu consumo e os empresários postergam os seus investimentos;
  2. Um aperto fiscal (corte de despesas governamentais)
  3. Um choque negativo na economia, que faz com que os consumidores e os empresários se retraiam: pode ser uma guerra, uma pandemia ou algum choque de confiança.

Vimos que nada disso ocorreu, pelo menos não na magnitude que justificasse a maior recessão da história brasileira. A única explicação coerente e verossímil é mais simples: o efeito anabolizante terminou, e tivemos que pagar a conta.


Leia todos os episódios da série A Economia Brasileira na Era PT:

Episódio 1: Brilha Uma Estrela

Episódio 2: Pedala, Dilma!

Episódio 3: Faz de Conta que Acredito em Suas Boas Intenções

Episódio 4: Na Base do Anabolizante

Episódio 5: Manual Para Quebrar uma Empresa

Episódio 6: Cuidado! Alta Tensão!

Episódio 7: Fact Checking

Episódio 8: Uma Alegoria da Era PT

Extra: Teaser da 2a Temporada

Auditoria da dívida: comece pelo BNDES

Ontem, durante a sabatina (melhor seria dizer briga de rua) de Paulo Guedes na CCJ, um deputado do PDT mencionou uma medida que, vira e mexe, aparece como a solução dos problemas fiscais do Brasil: a “auditoria da dívida”.

Bem, não precisa ir longe: o BNDES chegou a representar cerca de 1/6 da dívida pública, no auge da insanidade petista. Parte desse dinheiro já voltou aos cofres públicos, mas outra parte é de difícil recuperação.

Sempre que você ouvir alguém que simpatizava com o governo anterior defender uma “auditoria da dívida”, convide o sujeito a tentar cobrar a dívida de Cuba e Venezuela. Já é um bom começo.

Mais uma voz se alevanta

Esta fala não é de um economista qualquer. Esta fala é de Felipe Salto, diretor-geral do Instituto Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal. Felipe é um economista respeitado, da banda ortodoxa, mainstream. E dirige um órgão ligado a um dos poderes da República. Portanto, sua palavra tem peso.

Vejamos:

1) O BNDES não se retirou do papel de financiador. Quem se retirou foram os tomadores de empréstimos a juros subsidiados. O “papel” do BNDES perdeu sentido quando acabaram os subsídios. Não existe uma fila de tomadores desesperados por empréstimos do BNDES. Pelo contrário, sobra dinheiro no caixa, por isso o BNDES está devolvendo dinheiro para o governo.

2) Os juros subsidiados terminaram porque acabou o dinheiro. Não foi este governo que mudou isso, foi o governo Temer, que procurou arrumar a casa da mãe Joana que havia se tornado esse negócio de juros subsidiados, paraíso das empresas que tomavam dinheiro barato para aplicar no mercado financeiro.

3) Sim, os subsídios deveriam ser decididos pelo Congresso. E o foram. As dotações para o BNDES foram aprovadas pelo Congresso, e o custo dessas dotações era (ou deveria ser) do conhecimento dos congressistas. Mas estávamos na época do “Brasil Grande”, dos “Campeões Nacionais”, todo mundo feliz. Quem iria dizer alguma coisa contra, a não ser uns poucos heróis da resistência, que eram taxados de anti-patriotas?

4) Esta é mais uma voz que se alevanta para clamar por investimentos do governo. Só tem um pequeno detalhe, chamado “teto de gastos”. Os gastos obrigatórios do governo estão comendo aceleradamente a margem para investimentos e, daqui a pouco, não vai sobrar mais nada. A PEC emergencial, que poderia abrir alguma margem para ajustes, está parada no Congresso. E medidas mais estruturais, como a reforma administrativa, sequer foram enviadas pelo governo. Uma forma de “driblar” o teto de gastos é capitalizar as estatais, o que já foi feito com a Emgepron, por exemplo. Se isso realmente virar política comum, será o fim do teto de gastos na prática, com todas as suas consequências para os mercados.

5) Imaginar que há um “meio-termo” para o uso de juros subsidiados é o mesmo que dizer para um alcoólatra em recuperação que ele deveria beber “só socialmente”. Os juros subsidiados viciam, e não existe isso de “caminho do meio” para o seu uso. A experiência que vivemos deveria ter sido suficiente para demonstrar isso.

Como disse, Felipe Salto não é um economista qualquer. Ele é ouvido pelos senadores. A pressão pelo “faça alguma coisa” só está começando. Com a consequente volta da trajetória insustentável da dívida. Não será bonito estar nos mercados quando o teto de gastos for flexibilizado.

Troféu de honestidade para o PT

O problema do BNDES não foi de corrupção. O problema do BNDES foi servir de braço financeiro para a implementação de políticas equivocadas. Esse tipo de avaliação é política, não financeira. Nenhuma auditoria vai pegar isso.

R$48 milhões para comprar um troféu de honestidade para o PT. Parabéns aos envolvidos.