Prêmio Ignobel

Não sei quem teve essa brilhante ideia, mas certamente é candidatíssimo ao prêmio Ignobel deste ano.

Na mente um tanto confusa de quem teve essa ideia, o funcionalismo público vai trabalhar até morrer para manter o mesmo nível de serviço à população. A realidade será bem outra: o funcionalismo vai trabalhar no mesmo ritmo, e o povo que se dane com a falta de serviço. Estão aí as filas no INSS que não me deixam mentir. Ou seja, essa é uma medida que se voltaria contra o próprio governo. Genial.

Quer dizer, ao invés de comprar a briga e propor uma reforma que resolva o problema, o governo prefere ficar nesse jogo de wishful thinking. O que só demonstra, mais uma vez, quem são os verdadeiros donos do Brasil.

O que é importante e o que é urgente

A reforma administrativa não é urgente, vai causar desgaste e não trará frutos imediatos. Este é o raciocínio do governo para abandonar a 2a mais importante reforma do Estado brasileiro, depois da reforma da previdência. 2a. mais importante porque o gasto com o funcionalismo é o 2o maior item do orçamento, depois da previdência.

Sem dúvida, mais urgentes são outras PECs, que servirão para apagar incêndios, como a PEC emergencial. Mas dizer que a reforma administrativa não terá efeitos no curto prazo é não conhecer os mecanismos da economia.

Os agentes econômicos trabalham com base em expectativas. Não precisa o país quebrar hoje. Apenas a expectativa de que vai quebrar no futuro basta para as coisas irem para o vinagre. O inverso também é verdadeiro: não é necessário que uma reforma ajuste as contas hoje. Basta que se crie a expectativa de que as contas estarão equilibradas no futuro. É justamente este papel que a joga a reforma administrativa.

Uma reforma como a administrativa, que não mexe em direitos adquiridos, nunca terá efeito no curto prazo. Com esse raciocínio do governo, nunca será feita. E todos os governos terão que suar a camisa para aprovar “PECs emergenciais” para mitigarem os problemas gerados por reformas definitivas que nunca são feitas porque “não trazem resultados de curto prazo”.

Desse jeito não vamos nada bem.

A política corporativista

São cerca de 1,3 milhão de funcionários públicos na esfera federal, que consomem mais de R$ 300 bilhões/ano, nesta que é a segunda maior despesa da União, depois da Previdência Social.

O destemido Bolsonaro arregou diante dessa turma sem nem mesmo ter entrado no ringue. Entendo toda a dificuldade política que envolve o assunto. Afinal, o poder de pressão do funcionalismo sobre os congressistas é maior do que o poder de pressão dos seus eleitores, para quem não dão a mínima bola.

Mas Bolsonaro veio implementar a “nova política” (faz tempo que não ouço essa expressão, por que será?). Sua relação com o Congresso se daria através de iniciativas programáticas, sem o “toma-lá-dá-cá” que caracterizava o presidencialismo de coalizão. Então, por que simplesmente não mandar o projeto para o Congresso? Não era esse o programa do governo? Fosse a “velha política”, o presidente contaria com uma base de sustentação no Congresso, e amarraria a votação de seus projetos. Na “nova política”, eu esperaria que, pelo menos, o abacaxi fosse jogado para os parlamentares, que teriam o ônus de dizer não a um projeto mais do que popular. Mas, por algum misterioso motivo, Bolsonaro, a expressão máxima da “nova política”, não quer se indispor com o Congresso. Ou seja, não temos nem a “velha política” e nem a “nova política”. Não temos política nenhuma.

Enquanto isso, o funcionalismo público federal continua sendo um dos mais bem pagos do mundo em relação à renda per capita de seu país, enquanto continuamos a ser o país com maior carga tributária entres seus pares emergentes e, mesmo assim, não conseguimos gerar superávit nas contas. Por enquanto, o mercado está satisfeito com a reforma da previdência. Daqui a pouco, vai começar a cobrar a continuidade das reformas. Bolsonaro está brincando com fogo.

Greve assim, até eu!

Bolsonaro apoiou aumento para os policiais civis do DF. Nota: este aumento será pago por um remanejamento de recursos dentro de um Fundo específico, que serve para pagar as despesas do DF. Se este Fundo deveria existir ou não, já é outra discussão. Mas é de Lei, e é bancado por todos os contribuintes brasileiros. Fato é que este aumento específico será pago sem onerar o Orçamento Federal.

Bem, parece que este aumento serviu de estopim para um movimento reivindicatório de outras categorias do funcionalismo público federal. Como se precisassem de motivos ou desculpas para reivindicar aumentos salariais. Se não fosse isso, seria outra coisa qualquer.

Ameaçam com greve. Como se tivesse cabimento greve em serviço público. Quando funcionários da iniciativa privada fazem greve, estão lutando para abocanhar uma fatia maior do lucro do patrão. Para tanto, se sujeitam a ter corte de salários e até serem demitidos. Funcionários públicos, por outro lado, estão brigando para arrancar um naco maior dos impostos, que não são usados para engordar lucros, mas para manter serviços para a população que paga os impostos. Além disso, não correm riscos: não deixam de receber seus salários e muito menos podem ser demitidos. Greve assim, até eu.

Até compreendo que os servidores públicos possam estar passando dificuldades com o miserê que recebem. A alternativa a tomar como refém a sociedade em greves imorais é sair do seu atual emprego e procurar algo melhor na iniciativa privada. Boa sorte!

Remuneração injusta

Professor da minha “alma mater”, a Poli-USP, escreve hoje artigo sobre o baixo teto salarial vigente nas universidades públicas paulistas. Segundo o articulista, o teto salarial paulista é 58% menor que o teto das universidades federais, o que seria injusto e estaria prejudicando a atração de novos talentos.

Daí você vai lendo e os detalhes vão aparecendo. Existe uma turma que ganha acima do teto, formada basicamente por aposentados e alguns procuradores. O autor chama os aposentados de “servidores”, quando, na verdade, já não servem na universidade. É o vício: uma vez servidor, sempre servidor. Esse grupo, que perfaz espantosos 10% do total de docentes da USP, são somente aqueles que recebem acima do teto. Tem os aposentados que recebem abaixo do teto mas, mesmo assim, recebem salário integral depois de aposentados.

Outro ponto que me chamou a atenção são os “procuradores”. O que faz um procurador na folha de pagamento da universidade? Um não, 14! Confesso minha ignorância. Mas esse grupo também recebe acima do teto. E aí nota-se uma ponta de despeito por parte do articulista, pois existiriam procuradores com “menos de 20 anos de serviço” ganhando acima do teto! Aqui, o vício do servidor público aparece em todo o seu esplendor: o problema dos procuradores não é a sua eventual falta de produtividade ou a sua competência, mas tão somente o seu tempo de serviço. Daí decorre que a remuneração dos professores deveria seguir o mesmo critério: quanto mais antigo, maior deveria ser o salário. Produtividade e competência ficam em segundo plano. (Sim, eu sei que, para atingir o topo da carreira, o professor deve prestar concursos internos, então não é só tempo de serviço. Mas não foi esta a “reclamação” do articulista).

É interessante que a isonomia salarial é sempre evocada para aumentar salários, nunca para diminuir. Por que o salário do professor federal seria o justo e não o do professor estadual? Esta questão de “justiça” é muito fluida em um país em que um quinto da população vive abaixo da linha da miséria. A questão que se coloca é QUANTO a universidade pode pagar. Assim como todo ano tem réveillon, podemos contar todo ano com uma matéria sobre as agruras financeiras das universidades paulistas. Vai tirar dinheiro de onde? Aumentando o ICMS que incide sobre a cesta básica dos desdentados? Cortar aposentadoria ninguém quer, então…

O articulista afirma que o teto dos professores federais era 29% maior em 2011, e hoje é 58% maior. Ocorre que os governadores de São Paulo foram menos irresponsáveis que os governos petistas nesse período, os quais aumentaram despesas como se não houvesse amanhã. Qual salário está “errado” para a realidade fiscal brasileira?

Separação de poderes ou privilégio?

O Executivo não pode sequer ENVIAR um projeto de lei regulamentando as carreiras do Legislativo e do Judiciário, pois estaria invadindo a esfera de outros poderes. Projeto este que seria debatido no Congresso, a casa que tem o poder de aprovar leis.

Nesse sentido, o Congresso também não poderia mudar as carreiras e as benesses do Judiciário, pois estaria “invadindo” as prerrogativas de outro Poder. Nessa lógica, somente o Judiciário teria o poder de se auto-disciplinar.

Quer dizer, no Brasil, a separação de poderes virou escudo para a manutenção de privilégios. Falta muito pra isso aqui virar uma República.

Carga de trabalho desumana – Parte 2

Agora, a “explicação” dos 60 dias de férias para o judiciário, publicado no Valor.

Segundo o PGR, os procuradores e juízes trabalham sábados, domingos e feriados, inclusive de madrugada. Se tiverem suas férias duplas cortadas, trabalharão somente nos dias úteis e não aceitarão metas de produtividade da corregedoria.

Quer dizer, o PGR quer nos convencer que, trabalhando 30 dias a mais por ano, o judiciário na verdade estará trabalhando menos. É a matemática do corporativismo.

O PGR vocaliza o pensamento de uma casta, que está lá por vontade divina e tem direitos inalienáveis. Ameaçam não cumprir o seu dever de servir ao povo se privilégios lhes forem retirados. O povo que lhes paga os salários e seus penduricalhos, que fique bem claro.

É um cuspe na cara da República dos Desdentados.

Carga de trabalho desumana

O PGR defende férias remuneradas de dois meses para os procuradores, pois sua “carga de trabalho é desumana”. Férias essas pagas por nós, obviamente, que temos uma carga de trabalho “humana”.

Essa manifestação de Augusto Aras demonstra que aquela fala do procurador mineiro (a do salário que era uma “miséria”) não era a viagem na maionese de um sujeito desconectado da realidade. Trata-se de uma postura institucional: os procuradores de fato se acham diferentes e, portanto, merecedores de privilégios.

Óbvio que devem existir procuradores que não concordam com esse escárnio. Está mais do que na hora de se manifestarem.