Estatística criativa

1 + 1 = 2. Esta é uma verdade firmemente estabelecida, sobre a qual não há discussão, assim como ocorre com todas as leis da matemática.

Estatística, no entanto, não é matemática. Apesar de também lidar com números e, por isso, contar com a aura de verdade absoluta emprestada de sua prima pura, a estatística é mundana, e está disposta a falar a verdade que seu senhor quiser que ela fale. A matemática trata das verdades abstratas, localizadas no Olimpo do pensamento, ao passo que a estatística lida com o concreto, que nunca tem a exatidão das formas geométricas perfeitas, é sempre uma aproximação.

É claro que, como em qualquer ciência, a estatística tem regras bem estabelecidas. Uma boa estimativa é fruto de uma boa coleta de dados, livre de viés, e de um tratamento que estabeleça um nível de confiança para o número final. Mas, também como em qualquer ciência, está sujeita à manipulação de quem produz e divulga as estatísticas. A Academia conhece esse problema e, por isso, publicações acadêmicas devem ser revisadas por pares, reduzindo a chance de manipulação.

Chegamos ao IBGE, o instituto estatal brasileiro de produção de estatísticas oficiais do país, que orientam uma miríade de políticas públicas. A diferença do IBGE para um artigo acadêmico é que, no primeiro, não há revisão por pares. Alguns dirão que o corpo técnico do instituto poderia funcionar como este “revisor” da produção de eventuais estatísticas enviesadas. Mas ainda está fresca na memória a passagem de Arno Augustin na secretaria do Tesouro do ministério da Fazenda. Augustin foi o autor intelectual das “pedaladas fiscais”, e de nada adiantaram os protestos (que houve) do corpo técnico da secretaria. A contabilidade, assim como a estatística, toma emprestada sua aura de exatidão da matemática. Mas, assim como a estatística, lida com a rugosidade do empírico e, portanto, está sujeita às ordens de seu senhor. Arno implementou o que viria a ser conhecida como “contabilidade criativa”. Podemos esperar uma “estatística criativa” por parte do novo presidente do IBGE?

Márcio Pochmann criou muita confusão em seu período no IPEA. Mas, convenhamos, o IPEA, apesar de ser um think tank de respeito, pouca influência tem na vida nacional. Já o IBGE…

O INDEC, o IBGE argentino, protagonizou uma vergonhosa manipulação de dados de inflação durante o governo de Cristina Kirchner, ao ponto de órgãos como o FMI deixarem em branco a série histórica de inflação deste período em seu banco de dados. No Brasil, o IPCA, além de servir como parâmetro do sistema de metas de inflação, indexa uma parcela relevante da dívida pública. Uma inflação criativamente baixa reduziria a despesa com juros por parte do governo. Uma tentação, não é mesmo?

Simone Tebet “aceitou” a indicação de Pochmann por considerar que o IBGE tem “baixo peso político”.

Trata-se de uma visão míope. Sim, o IBGE não tem verba para gastar, mas trata-se de um instituto com altíssimo peso econômico. Ele está no coração mesmo do sistema financeiro nacional. É essencial, portanto, que seu presidente seja a mulher de César, aquela sobre a qual não deve pairar nenhuma suspeita. Mesmo que Pochmann se comporte como uma freira, sempre restará a dúvida sobre o que anda fazendo atrás do muro do convento. E isso não é nada bom para a credibilidade do governo.

Algumas despesas são mais iguais do que outras

Ufa! Finalmente o arcabouço fiscal foi votado e aprovado no Senado. Mais alguns dias, e teríamos mais exceções do que regra. Depois do Fundeb, das verbas do DF e dos gastos com ciência e tecnologia, de última hora foi incluída a permissão para a aprovação de “despesas condicionadas” por fora da regra. Essas despesas, aprovadas pelo Congresso como créditos extraordinários, servirão para financiar o futuro PAC.

Simone Tebet, a nova mãe do PAC, comemorou. Com esse dinheiro, o governo vai “fomentar a construção civil, a geração de emprego e renda”.

Tebet era a 3a via, lembra? Aquela que teria uma visão mais moderna da economia. E não adianta olhar para o vice-presidente, com a esperança de que ele possa assumir caso ocorra alguma intercorrência com o presidente. Alckmin pensa igualzinho.

Qualquer exceção à regra abre uma avenida para a criatividade dos parlamentares. Todos os gastos são nobres, todos as despesas ou são de “justiça social” ou vão “gerar emprego e renda”. Nesse sentido, todos os gastos, em princípio, deveriam ser ilimitados. Essa falta de limites para alguns gastos é injusto para com os outros. Significa dizer que alguns gastos são mais iguais do que outros. Ou que alguns gastos poderiam ser dispensados, premissa com que os parlamentares certamente não concordariam.

Mas eu sou um farialimer xiita, que não tem olhos e ouvidos para as necessidades dos brasileirinhos. Certamente precisamos de exceções. Muitas exceções. Tantas, que qualquer regra perde o sentido. Só assim poderemos resgatar a dívida social que acumulamos nesses últimos 500 anos.

Palavras de ordem vazias

As mulheres ganham menos do que os homens. Esse é um fato irrefutável, demonstrado pela estatística do IBGE.

Por que isso acontece? De acordo com o projeto de lei a ser enviado ao Congresso hoje, o culpado é a misoginia do empresário, que paga menos para a mulher por pura maldade. A solução, então, é agir com o rigor da lei, de modo que a misoginia “doa no bolso”, segundo a ministra Simone Tebet. De acordo com essa lógica, o empresário continua atuando fora da lei porque a punição é branda, o que o leva a fazer um cálculo de risco-retorno.

Talvez a ministra nunca tenha tocado uma empresa, então vamos explicar a ela como a coisa funciona na prática. Qualquer empresário tem como objetivo principal maximizar o seu lucro. Claro, há outros objetivos nobres, como gerar empregos e ajudar as pessoas, mas se não procurar maximizar o seu lucro, todos os outros objetivos que porventura existam não poderão ser cumpridos. Maximizar lucros é condição necessária para todo o resto.

Pois bem. Imagine que fosse possível, de maneira sistemática, pagar menos para as mulheres do que para os homens para a mesma função e experiência. Ora, é não menos que óbvio que qualquer empresário que busque maximizar seus lucros contrataria somente mulheres. Teria a mesma função sendo realizada, com uma folha de salários menor. A contratação de homens que ganham mais serviria apenas para exercitar uma espécie de misoginia doentia, às custas de seu próprio lucro. “Ah, mas não há mulheres suficientes para preencher todas as vagas, a contratação de homens é mandatória”. Sim, mas nada impediria que o empresário maximizador de lucros pagasse o mesmo salário baixo para os homens que paga para as mulheres. Se paga a mais para os homens, às custas de sua própria lucratividade, deve ser por algum motivo. A legislação parte do pressuposto de que é misoginia pura e simples.

Falta uma informação fundamental na reportagem: o número de processos por desigualdade salarial que resultaram em ganho de causa para a mulher. Ou seja, em que a empresa foi condenada a pagar uma multa. Dei uma googlada e não encontrei essa informação. Por que é importante? Ora, se o número for expressivo, isso significa que as empresas, de fato, estão abusando da legislação, e multas maiores poderiam inibir o seu mau comportamento. Mas, como desconfio de que o número de processos seja irrelevante, o aumento das multas serve apenas como palanque para que feministas de ocasião, como Simone Tebet, possam posar de “defensora das mulheres”. O resultado da nova legislação será inócuo.

A estatística do IBGE não mente. De fato, as mulheres, na média, ganham menos que os homens. No entanto, atribuir a uma suposta misoginia dos empresários o problema serve somente para inflamar a militância sem realmente resolver o problema. As mulheres merecem mais do que palavras de ordem vazias.

Shame on you!

Entrevista com a ministra Simone Tebet sobre um projeto de lei, a ser apresentado hoje, que endurece as penas por remuneração desigual entre homens e mulheres.

No final da entrevista, a ministra demonstra, inconscientemente, por que as mulheres, na média, ganham menos que os homens. Ao tentar justificar por que a remuneração igualitária teria impacto positivo sobre a atividade econômica, Tebet afirma que “a mulher não guarda, ela gasta o dinheiro com material escolar, supermercado e exames”.

A afirmação é absurda em si. Quer dizer então que, nas famílias em que a mulher não trabalha, ninguém faz supermercado, realiza exames e os filhos ficam sem material escolar? E mesmo nas famílias em que a mulher trabalha, esses gastos saem exclusivamente do salário da mulher?

Mas o pior não é nem o non sense da afirmação. A ministra reproduz o preconceito de gênero que procura combater. Por que, afinal, teria que ser a mulher a pagar o supermercado e o material escolar dos filhos? Essa associação demonstra que, mesmo para uma militante tão vocal sobre os direitos da mulher, fazer supermercado e cuidar dos filhos continuam sendo “tarefas da mulher”. Shame on you, Tebet!

Escolinha do Professor Raimundo

Daron Acemoglu, em seu clássico Porque as Nações Fracassam (já perdi a conta de quantas vezes citei essa obra aqui), descarta a falta de conhecimento do que é certo ou errado em economia como explicação para as coisas erradas que os governos fazem. Acemoglu desfila alguns exemplos de governantes que, apesar de bem assessorados por acadêmicos reconhecidos, tomaram decisões desastrosas em função de escolhas políticas. Além disso, acrescento eu, há certo tipo de convicção enraizada ideologicamente que ignora as evidências mais comezinhas, preferindo se apegar a esquemas comprovadamente desastrosos, que se justificam pelo desejo de se fazer “justiça social”.

Tendo isso em mente, entende-se porque a sugestão de Amoedo é uma completa idiotice.

Lula não adota “políticas corretas” não porque não as conheça, mas porque ou não quer adotá-las (escolha política) ou simplesmente porque não concorda com elas (convicção ideológica). Imagine tentar convencer Lula a assistir uma “aula” com “professores ortodoxos”.

Mas há outros detalhes que tornam a idiotice realmente completa.

Amoedo caracteriza Haddad como uma espécie de “anteparo ortodoxo” dentro do governo Lula, a penúltima esperança de colocar o governo nos trilhos (a última são Alckmin e Tebet, de quem falaremos em seguida). Como se Haddad não fosse uma extensão de Lula, seu mais fiel escudeiro, e não pensasse exatamente da mesma forma. De onde tiraram a ideia de que Haddad é do mainstream econômico???

Alckmin, por sua vez, teria ideias um pouco melhores. O problema é que o ex-tucano serviu para dar à chapa de Lula aquele ar de frente ampla e, agora no governo, serve para sair naquela foto bem enquadrada tirada pelo Ricardo Stuckert, assumindo a cadeira de presidente quando Lula se ausenta. De resto, foi a terceira opção para o ministério da Indústria, e sequer teve a liberdade de nomear o presidente do BNDES, supostamente seu subordinado. Pérsio Arida, seu representante na transição, entrou mudo e saiu calado, estado em que se encontra até o momento.

Tebet, que foi injustamente esquecida por Amoedo em seu tuíte, também foi a última opção no Planejamento, em uma acomodação de última hora. O fato é que, a julgar pela avalanche de discursos populistas nesses primeiros dias de governo, ambos não passam de peças de decoração no ministério.

Pedir a Alckmin e Haddad que juntem alguns dos melhores economistas do País para uma espécie de “Escolinha do Professor Raimundo” com Lula e seus aliados políticos de esquerda é uma piada de mau gosto, um escárnio diante do desastre que vai tomando forma.

O pior de tudo é ver como ainda há quem se iluda com Lula, acreditando que tudo não passa de falta de informação. Talvez umas aulas sobre a natureza de Lula e do PT para Amoedo e todos os iludidos do mesmo naipe pudesse resolver. Quem sabe seja falta de informação.

Anatomia da área econômica do governo Lula

A senadora Simone Tebet será a ministra do Planejamento. Estava aguardando a indicação para este posto para fazer uma análise mais abrangente do ministério de Lula na área econômica. Ao contrário do governo Bolsonaro, que tinha apenas Paulo Guedes como Posto Ipiranga da economia, Lula desmembrou o ministério da economia em quatro pastas. Este desmembramento, os nomes que foram escolhidos e a forma com que foram escolhidos nos dão algumas pistas sobre o que o novo governo pretende na área econômica.

Comecemos com o ministério da Fazenda. Vários nomes circularam no mercado, desde Henrique Meirelles (que entregou o seu curriculum ao presidente em evento de apoio à sua candidatura), passando por Pérsio Arida (que foi convidado por Alckmin para fazer parte da equipe de transição), até políticos, como Rui Costa, Wellington Dias ou Alexandre Padilha, que seriam tão pragmáticos quanto foi Antônio Palocci no primeiro mandato Lula. No final, Lula escolheu o seu mais fiel escudeiro, Fernando Haddad.

Não é a primeira vez que Haddad é escolhido por Lula. O ex-prefeito de São Paulo foi escalado para ser o candidato a presidente em 2018 no seu próprio lugar. Não é pouca coisa. Lula não o teria escolhido se não visse nele o seu sucessor. A Fazenda é o ministério que pode projetar Haddad, assim como aconteceu com FHC e poderia ter acontecido com Palocci, não tivesse caído em desgraça. Mas, fundamentalmente, Lula tem um aliado incondicional no ministério, um tarefeiro sem ambições políticas próprias. Fará o que o mestre mandar.

Ainda que a política econômica seja de Lula, não passou despercebida a equipe montada por Haddad no ministério, em que despontam Gabriel Galípolo e Guilherme Mello, dois expoentes do desenvolvimentismo. Para aqueles que poderiam esperar alguma moderação por parte do novo ministro, não são sinais encorajadores.

Passando para a Indústria e Comércio, a primeira pasta desmembrada da Economia, temos Geraldo Alckmin. Parece ser uma boa escolha, dado ter sido um governador, de modo geral, responsável. O problema, no entanto, foi o processo de nomeação. Antes de Alckmin, dois empresários foram convidados para o mesmo posto e não aceitaram, aparentemente por não concordarem com a direção geral da economia do novo governo. Além disso, teriam o BNDES debaixo de sua estrutura, mas com Mercadante como presidente. Certamente, seria só no papel. O vice-presidente sempre foi um coringa nesse ministério, e Lula resolveu usar essa carta, provavelmente receando ouvir outros “nãos”. A presença de Alckmin aqui, portanto, não significa nada.

O próximo ministério é o da Gestão, desmembrado do Planejamento. Para este novo ministério foi designada Esther Dweck, desenvolvimentista de quatro costados. Apesar de não estar em uma área diretamente ligada a políticas econômicas, sua presença na Esplanada pesa no prato dos heterodoxos, nesse suposto governo “frente ampla”.

Por fim, o Planejamento. Aqui rodaram nomes como o do ex-governador de Alagoas, Calheiros Filho, e o do “pai do Plano Real”, André Lara Resende. Calheiros seria uma espécie de pagamento pelo apoio incondicional de Renan pai a Lula, mas deve ter sido vetado por Arthur Lira durante as negociações da PEC da gastança. André Lara seria mais um heterodoxo na Esplanada, ao gosto de Lula, mas, por algum motivo, recusou o convite. A vaga sobrou para acomodar Simone Tebet, depois de ter sido preterida para os postos do ministério do Bolsa Família, que ficou com Wellington Dias, e do Meio Ambiente, que ficou com Marina Silva. Ou seja, o Planejamento serviu para a acomodação de uma aliada inconveniente.

Alguns podem ver a presença de Tebet na Esplanada como o único contraponto a políticas doidivanas (Alckmin não conta, quem vai mandar ali é o Mercadante). O problema é que Tebet não é, ela mesma, campeã de ortodoxia. No ranking dos políticos, que analisa os parlamentares de acordo com seus pendores liberais, a senadora tem pontuação mediana. Mas este não é o principal problema. A questão é que Tebet terá vida curta nesse ministério se começar a causar problemas para a, digamos, harmonia da equipe. Consta que Lula já não gostou de algumas críticas que a senadora teria feito às suas falas sobre disciplina fiscal. Imagine quando atos concretos forem realizados. Enfim, Simone Tebet é uma ministra improvisada em um ministério esvaziado, que terá pouco poder para contrabalançar a avalanche desenvolvimentista contratada.

Resumindo: das quatro pastas derivadas da Economia, duas estão nas mãos de heterodoxos convictos, uma está na mão de um coringa que vai ter o Mercadante como subordinado e uma serviu como prêmio de consolação para uma aliada, depois de o candidato heterodoxo preferido ter recusado o convite. A aposta agora é: desses quatro, quantos chegam ao final do mandato?

O que pensa Simone Tebet na economia

Quem é Simone Tebet? O que pensa? Onde vive? Como se alimenta?

Cada um escolhe o seu candidato a presidente de acordo com uma escala de valores própria. No meu caso particular, o que o candidato pensa sobre assuntos econômicos tem uma grande importância. Daí a pergunta: o que Simone Tebet pensa sobre economia?

Tebet ontem declarou que é “liberal na economia, mas contra a privatização da Petrobras”.

A senadora também votou contra a privatização da Eletrobras. Fico cá imaginando o que mais vem depois desse “mas” após a auto-declaração liberal de Tebet.

O Ranking dos Políticos nos fornece uma forma sistemática de avaliação dos parlamentares. Usando critérios liberais, o ranking pontua os parlamentares de acordo com suas votações no Congresso. Temos, então, um retrato fiel dos pendores de cada deputado para além do mero discurso.

A senadora Simone Tebet situa-se na 308a posição entre 581 parlamentares avaliados. Ou seja, ligeiramente abaixo da mediana. Bem em linha com o seu “sou liberal, mas”. Para quem gostaria de ver um liberal-raiz na presidência, trata-se de uma decepção.

Mas vamos explorar um pouco mais o ranking. Aécio Neves, por exemplo, que era o preferido da Faria Lima para destronar Dilma em 2014, tem nota pior que Tebet. Claro, contra Dilma e Marina, Aécio parecia um Milton Friedman. Nesse contexto, apesar de longe do ideal, Tebet pode ser muito melhor que várias alternativas. Paulinho da Força, amigão de Alckmin, está em 567o lugar, enquanto Cid Gomes, que pode ser considerado uma proxy do seu irmão Ciro, está em 449o lugar.

Outro ponto a considerar é a sua pontuação. Como vimos, Tebet se situa abaixo da mediana, mas certamente está acima da média. Não calculei a média, mas é fácil de entender. A nota máxima desse ranking é 8,16 (do senador do Podemos, Eduardo Girão), enquanto a mínima é 1,60 (da deputada do PSOL, Vivi Reis). A mediana (o parlamentar que divide a amostra exatamente ao meio) é Fernando Coelho Filho, deputado federal do União Brasil, que está em 290o lugar, com 6,22 pontos. Portanto, metade dos parlamentares têm nota igual ou acima de 6,22 e metade têm nota igual ou abaixo de 6,22. Como a diferença entre a maior nota e a mediana é de 8,16 – 6,22 = 1,94 pontos, ao passo que a diferença entre a mediana e a menor nota é muito maior, de 6,22 – 1,60 = 4,62 pontos, podemos concluir que a nota dos deputados abaixo da mediana puxa a média muito para baixo.

Do ponto de vista de sucesso nas votações o que importa é a mediana, pois cada cabeça é um voto, e pouco importa a “intensidade” do liberalismo de cada parlamentar. Mas do ponto de vista da avaliação de cada parlamentar em particular, a média é mais significativa, justamente porque compõe a crença “média” da população brasileira. No caso, Simone Tebet está acima da média dos parlamentares brasileiros em termos de “ideias liberais”. Uma outra forma de constatar isso é verificar que faltariam apenas 0,94 pontos para que Tebet se situasse entre os 100 parlamentares mais “liberais” do Congresso, ao passo que ela teria que perder 2,69 pontos para ficar entre os 100 parlamentares menos “liberais”. Ou seja, com uma boa orientação (ao que parece, Afonso Celso Pastore pode estar em sua campanha), a senadora pode falar o que a Faria Lima quer ouvir.

Portanto, e para concluir, do ponto de vista de ideias econômicas, Tebet não é ideal para mim, mas não compromete. E, considerando que o voto da Faria Lima é irrelevante para eleger qualquer um, o fato de a senadora estar ali próxima da mediana e somente um pouco acima da média certamente a fará mais palatável para o brasileiro médio no aspecto de ideias para a economia.

O esforço pela irrelevância

Não sou especialista em marketing eleitoral, mas a impressão que eu tenho é que, se há uma bandeira que deveria ser empunhada por um candidato da terceira via é a bandeira da pacificação nacional. Acho que uma parte da população brasileira (não sei se o suficiente para ganhar a eleição, mas deve ser relevante) gostaria de deixar 1964 definitivamente para trás e olhar para frente.

Simone Tebet, em sua entrevista de hoje no Estadão, ao ser perguntada sobre o que seu grupo tem a oferecer ao eleitorado, escolhe preferencialmente a bandeira que já pertence a Lula: acabar com a fome, miséria, desigualdade social.

Se é para fazer isso, melhor votar no original. (Não que o original vá cumprir a promessa, é apenas uma referência à percepção do eleitorado). SImone refere-se à pacificação de forma apenas secundária, quando deveria ser a principal bandeira, aquela a ser martelada dia e noite.

Lula, que está longe de ser ingênuo, já sacou essa estratégia. Em tuíte de ontem, ele se coloca como “o pacificador”.

Claro, é uma lorota, assim como a de resolver o problema dos pobres. Mas estamos falando de percepções. E não tenha dúvida de que Lula vai querer se colocar como o adulto na sala, o que, convenhamos, não será difícil, considerando as diatribes diárias de Bolsonaro. A escolha de Alckmin como vice não tem nada a ver com programa econômico, mas com essa imagem de “governo de pacificação”.

Para piorar o que já estava ruim, ao ser perguntada se vai se opor ao programa econômico do PT, Tebet adota a saída Glória “Não Tenho Como Opinar” Pires.

Em que planeta a senadora morava nos anos em que o PT governou o Brasil? Em que ilha distante e sem internet estava quando Lula afirmou que vai acabar com o teto de gastos e a reforma trabalhista? Deixando a bandeira da pacificação nas mãos de Lula e abrindo mão da crítica mais óbvia ao PT, prevejo que a nossa “candidata da terceira via” tenha dificuldade de ultrapassar o número de votos de Marina Silva nas últimas eleições.

Romper o ferrolho

William Waack é um dos poucos analistas políticos no Brasil, hoje, em que eu presto atenção. Suas análises normalmente descortinam ângulos novos a respeito das mesmas questões, lançando uma nova luz sobre velhos problemas.

Em sua coluna de hoje, Waack, depois de descrever a tática adotada por Lula e Bolsonaro e suas dificuldades, foca na questão da 3a via. Moro, Ciro e Doria têm encontrado muita dificuldade para romper o que ele chama de “movimento de pinça”, feito pelas tropas petistas e bolsonaristas. Os três candidatos têm muitos passivos, amplamente explorados pelos dois exércitos. Então, como quem não quer nada, Waack solta o nome de Simone Tebet como uma possibilidade real, aventada por “setores da 3a via”, o que quer que isso signifique.

Sobre os outros três nomes da 3a via, Tebet tem a vantagem de não ter passivo conhecido. O problema é que a candidata do PMDB tampouco tem ativos conhecidos, a não ser o fato de ser mulher e de ter participado na CPI da COVID, em que estrelou o episódio de “assédio moral” que supostamente sofreu de um depoente. Na verdade, tenho dúvida de que seja um ativo, mas vá lá.

Simone Tebet, portanto, seria uma folha em branco, ideal para ser trabalhada pelo marketing político, e mais difícil de ser alvo de um movimento de pinça.

Estamos apenas em janeiro, há ainda muito tempo para as eleições, e tudo pode acontecer, inclusive nada. O balão de ensaio de Simone Tebet pode murchar ou pode inflar, difícil dizer. Mas o fato de William Waack ter levantado a bola me fará prestar mais atenção a seus movimentos.

Caminho certo para a irrelevância

Era 08/03/2015. Estávamos na festa de aniversário do meu sobrinho, no salão de festas do prédio onde mora o meu irmão, na Pompeia (bairro de classe média em São Paulo), quando minha cunhada chama a atenção para um fato inusitado: um panelaço rolava solto no bairro. A então recém-eleita Dilma Rousseff estava na TV, fazendo um pronunciamento pelo dia da mulher. Espontaneamente (eu pelo menos não lembro de nenhuma convocação para aquele panelaço), as panelas diziam Fora Dilma! Uma semana depois, uma manifestação monstro, que colocaria o evento de 07/09 no chinelo, tomou conta da Paulista. Aquele panelaço foi o primeiro ato popular que desaguaria no impeachment de Dilma, cerca de 1 ano e 1 mês depois.

O que leva as pessoas às ruas? Pode-se desfiar aqui uma série de motivos, mas eu resumiria em um só: indignação. As pessoas precisam estar suficientemente indignadas com alguma coisa para se disporem a largar o conforto de seu sofá e juntar-se a uma manifestação política. Nesse sentido, podemos deduzir, avaliando as manifestações de ontem, que são poucos os que estão suficientemente indignados com o governo Bolsonaro.

Os analistas políticos confundem avaliação ruim com indignação. A avaliação do governo Bolsonaro é ruim e vem piorando. Mas isso não é suficiente para levar as pessoas às ruas. É preciso mais do que isso. Alguns dirão: “mas trata-se de um governo que tem quase 600 mil mortes na sua conta!”. A julgar pela adesão às manifestações, essa conta não é de Bolsonaro, ou exclusivamente de Bolsonaro. “Mas é a nossa democracia que está em jogo!”. Sério que alguém acha que o povo vai sair pras ruas pra defender os nossos “poderes constituídos”?. Conta outra.

As manifestações de ontem, a apenas um ano das eleições, deveriam ter enterrado de vez qualquer ilusão de que um impeachment é possível. Não há indignação suficiente na sociedade para que isso aconteça. Diagnósticos como “a oposição se dividiu” ou “a carta de Temer tirou o senso de urgência” só servem como autoengano. Para piorar, notinha de jornalista engajado tentou amenizar o desastre, dizendo que o palanque esteve cheio de “pesos-pesados” da política, sem notar que isso só piora a situação. Primeiro, porque tira a espontaneidade da manifestação. E, segundo e principalmente, estes tais “pesos-pesados” demonstraram que sua presença faz pouca ou nenhuma diferença.

O fato nu e cru é que não há adesão popular à tese do impeachment e, a um ano das eleições, não há tempo hábil para construí-la. Se depois de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos o povo não está indignado a ponto de sair para as ruas, fariam bem as oposições em começar a pensar em uma estratégia alternativa. Nesse sentido, o PT jogou o seu jogo: com a desculpa de que não iria se misturar com seus algozes, Lula e seu partido não se associaram a um evento que, já sabiam de antemão, seria um fracasso de público e renda. Além, é claro, de não lhes interessar em nada um impeachment de Bolsonaro.

A julgar pelas falas dos “políticos pesos-pesados” presentes neste domingo, a luta pelo impeachment continua, e vão procurar atrair o PT para essa “luta”. Se a estratégia tem como objetivo continuarem irrelevantes e cevarem o caminho de um 2o turno entre Lula e Bolsonaro, estão no caminho certo.