Lei da Gravidade

“No Chile, tudo é regulado pelo mercado”.

É como dizer: “no Chile, a lei da gravidade vale para tudo”. Como se pudesse ser diferente.

A lei de mercado (ou de oferta e demanda) é a única lei econômica que existe. Há sociedades que se revoltam contra isso, mas nem por isso a lei de mercado deixa de funcionar. Trata-se de uma lei irrevogável.

A vida econômica é uma vida de trocas comerciais. Tudo é precificado de acordo com a oferta e demanda de produtos e serviços. Inclusive os bens mais essenciais. Se precisam ser produzidos, então também obedecerão à lei de mercado.

Se o Estado se mete a regular os preços sem considerar a lei de mercado, as distorções vão se acumulando até o castelo de cartas cair. Não preciso aqui listar os vários exemplos com que a História nos brinda.

Você pode se revoltar contra a lei da gravidade e se jogar pela janela, esperando que ela não funcione para você. Mas depois não reclame quando se espatifar no chão.

O valor da imprensa em uma democracia

Ontem, fiz uma defesa apaixonada da liberdade que a imprensa deve ter em qualquer democracia. Recebi muitas contestações, a maioria muito educada, outras nem tanto. Rebati várias, mas uma em especial me pegou.

Refiro-me à abordagem que a Globo adotou na reportagem sobre o presidente. Na minha cabeça, a matéria cumpria todos os requisitos do bom jornalismo: noticiou um fato (o depoimento do porteiro), checou possíveis contradições e deu voz “ao outro lado”, no caso o advogado do presidente e o próprio presidente. Escapou-me, na avaliação, que o simples fato de associar o nome do presidente a um assassinato rumoroso é deletério para qualquer reputação, independentemente da “forma” correta. Faltou, na minha avaliação, colocar o aspecto de “percepção”.

Esse tipo de avaliação deveria ter sido feita pela Globo. Trata-se de uma associação muito grave e, por mais que a “forma” de apresentar possa ter sido correta, no mínimo a ênfase foi equivocada: o problema estava no falso testemunho do porteiro, não na alegação que fez. A “contradição” foi mostrada como um complemento da notícia, quando na verdade deveria ser a própria notícia principal. Afinal, por que o porteiro quis envolver o nome do presidente nesse assunto?

A bem dizer, dada a fragilidade da coisa toda, talvez a melhor coisa que a Globo poderia ter feito era investigar mais um pouco antes de colocar a coisa no ar.

Claro que todo o raciocínio acima tem como pressuposto o papel da imprensa em uma democracia. É sobre isso o texto a seguir, que roubei da timeline do amigo Thiago Nogueira. Gostei, por que é um texto que descreve muito bem o que é uma democracia e o papel da imprensa neste regime. Por mais que a Globo tenha errado, ou mesmo se agiu de má-fé, continua sendo melhor ter a Globo (ou qualquer outro veículo jornalístico) do que não tê-la.

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O Poder e a Liberdade de Imprensa
Fernando Schüler

Segundo o Ministério Público, o porteiro mentiu. É isso. Mesmo antes do MP se manifestar, muita gente já “sabia” que era mentira. Uma outra turma, mesmo depois, continua “sabendo” que é tudo verdade. A verdade líquida, na era digital, tem dessas coisas.

De qualquer forma, tenho uma intuição. Se tudo se mostrar de fato um balão furado, Bolsonaro sairá disso com um bônus retórico semelhante ao que ganhou após o atentado que sofreu, antes das eleições.

Mas há um tema complicado aí, que diz respeito às relações do poder com a liberdade de imprensa. É aí que Bolsonaro insiste em um erro. Não um erro em sua estratégia política, mas para nossa democracia. De um tipo que tem uma longa história.

Todos se lembram de Leonel Brizola e sua infatigável disputa com a Rede Globo. Segundo Brizola, concessões de TV eram como linhas de ônibus, “não pode transportar uns e não transportar outros”. O problema, por óbvio, era explicar o que isso significava exatamente.

Mesmo que o princípio abstrato do “transportar a todos” seja correto, sua aplicação será dada pela própria imprensa. Cada veículo definirá quando e de que jeito cada um entra em cena. É injusto? Talvez.

Justo seria um mundo onde uma equidistante inteligência distribuísse a verdade, para todos, ou desse espaços iguais a cada inverdade? Lamento. Esta superinteligência não existe, e todas as vezes que alguém tentou fantasiar algo nessa linha foi um desastre.

No início de seu mandato, Lula protagonizou um episódio dantesco, tentando expulsar do país o então correspondente do The New York Times no Brasil, Larry Rohter. Foi um episódio isolado, mas revelador.

Todos se lembram, ainda há exatos três anos, do repórter Caco Barcellos sendo agredido no centro do Rio de Janeiro, aos gritos de “abaixo a Rede Globo”. Os donos da verdade, à época, eram outros.

Outros presidentes, incluindo-se aí Sarney, Fernando Henrique, Dilma e Temer, tiveram posturas de um modo geral republicanas com a imprensa. Diante da quase obsessão de setores da esquerda em “regular a mídia”, Dilma cravou a frase que deveria ser exposta permanentemente no Palácio do Planalto: “Sobre a mídia, só o controle remoto”.

São exemplos importantes por uma simples razão: é disso que é feita a democracia. O argumento em favor da liberdade de expressão é há muito conhecido. Um de seus heróis foi John Stuart Mill, dizendo o óbvio: que a única razão para permitir que apenas ideias verdadeiras fossem veiculadas seria uma extrema confiança na infalibilidade humana.

Tudo isso é sabido, ainda que frequentemente esquecido por quem detém o poder. Recentemente tivemos um exemplo disso, vindo de nossa Suprema Corte. No episódio de interdição da revista Crusoé, o presidente da corte nos brindou como uma frase lapidar: “Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso (…) e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim”.

Na verdade, é bem complicado. Ninguém tem, na democracia, o dom de revelar a verdade. Ela surge, a mais das vezes, do contraditório, da fratura, do cotejo dos fatos. A condição para o acerto, no mundo da informação, é precisamente a possibilidade do erro.

É claro que se deseja que as pessoas ajam com responsabilidade (por muito tempo se discutirá se a Globo agiu com responsabilidade, neste episódio, e imagino que a própria emissora fará esta avaliação). É evidente que a imprensa pode ser criticada, inclusive por quem ocupa posições de poder. A imprensa está longe de ser uma “instituição” que observa a sociedade de fora.

As democracias vêm assistindo, em nossa época, a um processo agudo de polarização, e boa parte da imprensa terminou igualmente polarizada. Isto é um erro, sinal de mau jornalismo, na minha visão, mas é a expressão de um direito. O parcialismo da imprensa profissional fará apenas com que ela perca mais e mais espaço e credibilidade em meio ao caos informacional de nossa época. Mas quem deve julgar isso são os leitores, os ouvintes, os cidadãos. Não o poder.

É exatamente nisso que consiste o erro do presidente Bolsonaro. Ele tem o direito de criticar este ou aquele veículo de mídia, e eventualmente extravasar a sua indignação.

Mas não pode, sob nenhuma hipótese, lançar mão de instrumentos de poder que a República lhe confere para arbitrar ou interferir nesta ou aquela opinião, neste ou naquele jornalista ou veículo de mídia. E não pode por uma singela razão: ele lida com poderes dos quais é um guardião, mas que não lhe pertencem.

Porque somos uma república, afinal de contas.

Apartheid

APARTHEID

O jornalista repete a palavra usada por um especialista na reportagem.

Ou os dois não sabem o que foi o apartheid, ou a reportagem quer imprimir um viés. Adivinha qual a alternativa correta.

No Chile, como em qualquer lugar do mundo, os mais ricos estudam nas melhores escolas privadas, enquanto os mais pobres estudam nas escolas públicas. O que diferencia os países é a qualidade da escola pública.

O Chile tem o melhor PISA da América Latina, o que demonstra a qualidade de suas escolas públicas em relação ao resto do continente. Mesmo assim, ainda não é suficiente para que os pobres cheguem no mesmo nível para disputar vagas nas melhores universidades.

A questão é: qual modelo o Chile deveria seguir para alcançar melhores resultados? Certamente não é adotando modelos que não deram certo em países como o Brasil. Se no Chile os pobres estão longe das universidades, no Brasil essa distância é ainda maior.

Há um esforço para caracterizar o modelo liberal do Chile como o pai de todos os males. Apontar um suposto “apartheid” educacional é somente mais um tijolo nessa construção. O Chile deveria abrir mão do modelo que lhe permitiu ter a melhor educação da América Latina, em nome de uma “igualdade” que não existe em lugar nenhum do mundo? Essa é a questão.

Pontas soltas

Ontem fiquei pensando nas pontas soltas dessa história do porteiro. O Estadão descreve-as no quadro acima. Resumindo:

1. Por que o porteiro mentiu em algo tão facilmente verificável? Será que ele mentiu? Ou foi pressionado a mentir? Se sim, por quem? Ou será que ele simplesmente se enganou?

2. Bolsonaro, Toffoli, Aras e provavelmente meio mundo em Brasília já sabiam dessa história desde o dia 10. A coisa era facilmente refutável. Porque precisou a Globo jogar a farofa no ventilador, 19 dias depois, para que viessem os óbvios desmentidos, já que a história não para em pé?

Para o primeiro ponto, a resposta parece simples: o porteiro pode ter sido ameaçado por milicianos a falsificar seu testemunho. Colocar o nome do presidente no jogo seria uma forma de embolar as investigações, o que interessaria aos investigados. A coisa, no entanto, foi muito amadora para profissionais do crime, dado que era uma mentira facilmente verificável. Fica a questão: por que tentaram um expediente tão ingênuo? Bolsonaro acusa Witzel de ter forçado o delegado do caso a incluir o depoimento com o objetivo político de incrimina-lo. Parece também uma versão fantasiosa, mas vai saber.

O segundo ponto é ainda mais misterioso para mim. As mais altas autoridades da República sabiam dessa história há quase 3 semanas, uma história comprovadamente falsa mas explosiva, e deixaram a coisa em banho-maria. Por que?

Esse “banho-maria” pode explicar o vazamento do inquérito para a Globo. Alguém do MP-RJ ou da própria equipe de investigação, inconformado com a demora do processo em Brasília ou com algum interesse ainda a ser esclarecido, vazou a coisa para a Globo.

Bolsonaro ficou tremendamente irritado não com a história em si, mas com o vazamento e com a publicidade dada pela Globo. Ele sabe que, apesar de ser uma mentira deslavada, a simples associação de seu nome com o caso Marielle é explosivo. Talvez esta seja uma explicação para entender a demora em Brasília: por mais que fosse mentira, as altas autoridades sabem que se trata de assunto muito delicado.

Bem, em resumo: tem muita ponta solta nesse assunto ainda para pular para conclusões definitivas. A Globo, nessa história, só serviu como correia de transmissão de interesses, tendo ela própria seus interesses. O mundo é muito mais complexo do que um super-inimigo contra um super-amigo. Nós, na planície, temos pouca informação para julgar. O que significa que nesse angu ainda vai aparecer caroço para todos os gostos.

Gastos com publicidade do governo

Tem se falado muito que a Globo e a grande imprensa em geral estariam perseguindo Bolsonaro pelo fato de seu governo ter cortado verbas de publicidade. Ontem alguém me mandou esse gráfico como prova dessa afirmação. Fui verificar.

Em primeiro lugar, não consegui checar diretamente os dados. No site do SECOM não existem esses dados, seria necessário pedir com base na lei de acesso à informação. Fui checar em fontes alternativas.

O primeiro lugar foi o portal da transparência do próprio governo, que informa os gastos aprovados e empenhados do orçamento. O problema é que aquilo se refere apenas aos gastos com publicidade de utilidade pública, feitos pelos diversos ministérios. Isso aí soma apenas algumas dezenas de milhões de reais. O grosso da publicidade do governo é (era) feita pelas estatais.

Fui verificar a lista dos maiores anunciantes do Brasil em 2016 (abaixo), curiosamente o último ano mostrado no gráfico, que depois pula para 2019. Por que será? Tenho uma hipótese, que exponho adiante.

Pois bem, na lista dos maiores anunciantes, temos Caixa, BB e Petrobras, com gastos somados de aproximadamente R$3,5 bilhões. Bem mais, portanto, do que os R$1,5 bi que aparece no gráfico. Não consegui compatibilizar um número com o outro, mas não tem problema, porque o ponto é outro: na lista de 2019 (também anexado abaixo), não há estatais! Ou seja, o grosso da retirada de patrocínios deve ter sido por parte das estatais.

Agora, vem a questão: por que são omitidos os números de 2017 e 2018? Provavelmente porque, com a saída do PT e o início do saneamento das estatais já no governo Temer, esses gastos com publicidade devem ter recuado muito já em 2017. Ora, isso vai contra a narrativa de “punição” à mídia. O que provavelmente ocorreu é que as estatais, quebradas, deixaram de investir em publicidade nos montantes anteriores. Essa é a explicação que tenho para a omissão de 2017 e 2018 nesse gráfico.

Outro ponto: os gastos das estatais foram de R$3,5 bi em 2016, em um bolo de R$130 bi. Ou seja, cerca de 2,7% dos gastos com publicidade. Mesmo que a iniciativa de cortar gastos tenha sido do governo Bolsonaro, não me parece que uma perda de faturamento de pouco menos de 3% seja capaz de quebrar uma Globo.

A imprensa tradicional tem enfrentado o desafio das novas mídias, aqui e no resto do mundo. Google e Facebook estão ficando com partes cada vez maiores do bolo publicitário. Este é o problema que esta indústria está enfrentando, não o fato do governo Bolsonaro ter supostamente cortado verba de publicidade.

Por fim, este mais um argumento para privatizar todas as estatais: serão um instrumento de coerção a menos na mão de governos de qualquer coloração, seja para agradar, seja para punir a imprensa.

É uma questão de matemática

Reportagem do Estadão traz informações interessantes sobre as aposentadorias no Chile, apesar de não ter sido essa a intenção do jornalista. A matéria em si é totalmente enviesada, focando nas “agruras” dos aposentados chilenos. Enviesada porque não faz questão de contrapor estas informações com nenhum depoimento de algum economista, mostrando o custo de se pagar aposentadorias maiores. Fica tudo no nível da “injustiça” herdada do ditador Pinochet.

Mas, voltando ao ponto: achei a reportagem interessante porque traz alguns números, que podem ser vistos nos trechos destacados abaixo. O jornalista entrevista uma mulher chamada Eugenia López. Eugenia tem 56 anos, e vai se aposentar daqui a 4 anos, pois a idade mínima para aposentadoria é de 60 anos para mulheres no Chile. Eugenia ganha 500 mil pesos e contribui com 80 mil/mês para a sua conta-aposentadoria. A contribuição mínima é de 10%, mas Eugenia está contribuindo com 16% do seu salário. Mas a informação importante é quanto ela acumulou até o momento: 30 milhões de pesos após 25 anos de contribuição. Ou seja, Eugenia, por algum motivo, começou a poupar quando tinha 31 anos de idade. Talvez por isso esteja poupando mais do que 10% do seu salário, para compensar o tempo perdido. Por fim, temos a informação de que Eugenia vai se aposentar com 150 mil pesos/mês, o que, suponho, seja uma retirada vitalícia, ou seja, até falecer.

Planilhei esses dados, primeiro para tentar chegar nos 30 milhões de pesos hoje, e, mais importante, para estimar em quanto tempo este dinheiro terminaria. O gráfico está abaixo.

Considerando que as retiradas sejam atualizadas por uma inflação de 2% ao ano e as reservas sejam remuneradas por uma taxa de juros de 3% ao ano, esse dinheiro terminaria quando Eugenia tivesse 85 anos de idade, em 2048. Parece ok para uma renda vitalícia, em um país com expectativa de sobrevida para mulheres de 21,5 anos aos 65 anos de idade (dado da OECD).

Então, a conta é essa mesma. A questão que se coloca é se 150 mil pesos para um salário de 500 mil pesos são “justos” ou “suficientes”. 500 mil pesos equivalem a aproximadamente R$ 2.700 pelo câmbio atual, ou aproximadamente R$ 2.400 se considerarmos o mesmo poder de compra da moeda (conceito PPP). A aposentadoria no Brasil para este nível de salário, aos 60 anos de idade e 30 anos de contribuição é integral (leia aqui). Para ter este mesmo nível de reposição, a chilena deveria ter contribuído com o triplo do que contribuiu, ou 53% do seu salário. No Brasil, a contribuição é de 9% para o empregado e 20% para o empregador. Faltariam 14% de contribuição para ter o salário integral. Não é à toa que o sistema roda com déficit.

A questão não é de justiça, mas de matemática: para tirar o mesmo salário que tirava na ativa, Eugenia deveria ter contribuído (ou alguém no lugar dela) com o triplo do que contribuiu. A saída brasileira foi taxar o empresário. O efeito disso? Entre 1991 e 2018, a média do desemprego no Brasil foi de 10,9%, enquanto no Chile foi de 7,8% (dados do FMI). Escolhemos um desemprego estrutural 40% maior para financiar uma previdência “justa”. Valeu a pena?

Como funciona a imprensa

“Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

Para mim, essa frase de Millôr Fernandes é a melhor síntese do papel da imprensa em uma sociedade democrática.

Muitos dos comentários ao meu post sobre a Globo referem-se a uma espécie de “dois pesos e duas medidas” no tratamento que a emissora estaria dando ao caso do porteiro do condomínio. Afinal, por que o foco em Bolsonaro? Onde está o noticiário sobre o depoimento de Marcos Valério incriminando Lula no caso Celso Daniel? Onde está a repercussão da delação de Pallocci? Isso demonstraria a má vontade da emissora com o governo.

Então. É necessário compreender como funciona a editoria de um jornal. São inúmeras as notícias que chegam diariamente, e há uma seleção daquilo que será noticiado, e com qual ênfase. Qual o critério?

O critério é a notícia. E, de preferência, a notícia que vende jornal. A experiência diz que notícias que se referem a quem está exercendo o poder naquele momento são mais relevantes e, portanto, vendem mais jornal. Simples assim.

O PT está fora do poder há mais de 3 anos. Por mais que seja ainda um partido importante, suas ações têm, hoje, muito menos relevância do que tinham há 3 anos. Eles não decidem mais nada. Quem tem a caneta bic, hoje, é Jair Bolsonaro.

Essa discussão me lembra quando os petistas reclamavam que a Globo só focava no PT e deixava as falcatruas do PSDB em 2o plano. “E o mensalão mineiro? E o Aécio?”, gritavam. O PSDB já estava fora do poder há 3 anos quando se deu o mensalão e há 12 anos quando o Petrolão veio à tona. Era irrelevante o que fazia ou deixava de fazer o PSDB. O PT era o poder, o foco era no partido que exercia o poder.

A imprensa não tem a obrigação de “balancear ideologias”. Tantos minutos dedicados à direita, tantos minutos dedicados à esquerda. A cobertura não é justa nesse sentido. O critério da cobertura se dá pela relevância da notícia. E notícias são mais relevantes quanto mais se aproximam do poder. É assim em qualquer democracia.

Caridade com o chapéu alheio

Parece que a fábrica da Ford vai fechar mesmo, apesar de toda espuma criada pelo Doria.

A coisa, como sempre, dependia de uma ajudinha do governo, no caso, via BNDES. Aparentemente, acabou o “dinheiro barato” para sustentar projetos inviáveis.

Nunca tivemos taxas de juros tão baixas no país. A CAOA poderia vir a mercado e tomar os recursos necessários. Provavelmente não faz isso por ser um grupo com risco de crédito alto, e as taxas que pagaria refletiriam esse perfil mais arriscado. A não ser que o BNDES desse a molezinha.

A disciplina do BNDES na concessão de crédito é uma boa notícia, ainda que nunca seja uma boa notícia o fechamento de vagas de trabalho. Mas o sindicato da categoria poderia ter pensado nisso antes, e ter negociado uma redução de salários de até 30% com a própria Ford, como agora está combinado com a CAOA. Tarde demais.

Ataque à imprensa

Parece mais do que óbvio o interesse jornalístico sobre um áudio incriminando potencialmente o presidente da República. Qualquer veículo não chapa-branca daria notícia sobre isso. Bolsonaro ataca a TV Globo por simplesmente cumprir o seu papel.

Não posso ser acusado de comprar qualquer narrativa jornalística. Devem ser contados às dezenas os posts em que critico acidamente coberturas jornalísticas, principalmente da Globo News. Normalmente, referem-se a vieses ideológicos.

Mas criticar a Globo por cumprir o que se espera de um veículo de imprensa em uma democracia não está entre meus hobbies. Quando a Globo News deu em primeira mão o áudio do Bessias, ou quando o Jornal Nacional fez uma cobertura incisiva sobre o Petrolão, ficamos todos muito contentes. Não nos ocorria chamar a Globo de “Globolixo”, apelido dado pelos petistas. Watergate, Mônica Lewinsky, Mensalão, Petrolão, e uma longa lista de etceteras, nada disso teria vindo à tona não fosse a imprensa não chapa-branca.

Estou lendo neste momento uma biografia de Roberto Marinho. Estou na altura do governo João Goulart, e descobri as origens do ódio mortal que Brizola nutria pelo jornalista, em função da cobertura que o jornal fazia do governo de seu cunhado. Nenhum governante gosta da imprensa. FHC era só lamúrias em seus diários, Lula expulsou o correspondente do NY Times. A imprensa é o quarto poder em uma democracia, e nenhum governante gosta de um poder paralelo. Cuba e Coreia do Norte são países onde os governantes são apoiados incondicionalmente pela “imprensa”. Acho que não gostamos muito desses exemplos.

Não sou advogado da Globo, nem eles precisam disso. A única coisa que defendo com convicção é o papel de uma imprensa não chapa-branca em uma democracia. Bolsonaro, ao atacar a Globo por veicular matéria jornalística, ataca um dos pilares da democracia. Não foi o primeiro nem será o último governante a fazer isso.

Ainda a prescrição de pena

Escrevi exatamente isso aqui ontem. O ministro Marco Aurelio toca no nervo do problema: a prescrição é só a cereja do bolo, a questão verdadeira são as décadas que processos levam para serem julgados em Brasília. Queremos a punição após a 2a instância como uma gambiarra constitucional para um problema de celeridade da justiça.

Óbvio que o STF não vai mover uma palha para diminuir a possibilidade de embargos dos embargos dos embargos, nem mudará uma vírgula seus supremos procedimentos. Então, a prisão após condenação em 2a instância é o que resta no país dos puxadinhos.