Cheque especial

Que surpresa! O cheque especial cresce mais do que outras linhas de crédito, mesmo depois dos bancos se “autorregularem” para oferecerem outras linhas de crédito mais baratas.

O que aconteceu de tão surpreendente? Bem, depois de tomar outras linhas de crédito mais baratas, o pessoal voltou ao cheque especial. Agora, estão endividados nas linhas mais baratas E no cheque especial. O mesmo deve estar acontecendo também no rotativo do cartão de crédito, alvo também de regulação por parte do BC.

Quem conhece um pouco da natureza humana poderia ter antecipado essa “surpresa”. Afinal, a maioria dos que estão no cheque especial foram parar lá por falta de controle de suas finanças, e não por um “acidente de percurso”. Ora, se a pessoa vive consistentemente acima de suas posses, vai tomar todas as linhas de crédito disponíveis para manter seu consumo. As linhas baratas e as linhas caras. É o que está acontecendo.

A solução para isso é simplesmente proibir o cheque especial (e o rotativo do cartão de crédito também). Se o indivíduo não consegue viver dentro de sua renda, o cheque especial só vai piorar a sua situação, agregando juros escorchantes ao seu buraco. No final, termina pior do que se não tivesse o cheque especial, tendo que fazer um ajuste ainda maior no seu orçamento para equilibrar-se. Acabar com o cheque especial significa forçar o indivíduo a ajustar-se enquanto ainda é tempo, com um esforço menor.

Mas terminar com o cheque especial acaba com uma fonte importante de renda dos bancos. Aí é que está o busílis da questão.

Privacidade vs. Segurança

Os “especialistas”, quando consultados, insistem na ideia de que a violência não é necessária no combate à criminalidade, bastaria o uso de “inteligência”. Por inteligência entende-se aprimorar a capacidade de investigação, o que supostamente diminuiria a necessidade de confrontos com mortes, ao focar a ação nos bandidos, deixando inocentes de fora.

Pois bem, o governo de São Paulo está investindo em equipamentos de monitoramento, justamente para aumentar a “inteligência” no combate à criminalidade. Mas os “especialistas” alertam que esse tipo de coisa aumenta o isco de “esteorotipação” e da criação de “zonas de exclusão”, o que quer que isso signifique. Ou seja, para esses “especialistas”, a polícia deve agir com inteligência, mas com uma venda nos olhos. Isso aí não é inteligência, é o Neo cego lutando contra Matrix, só funciona em filme.

O autor da reportagem diz que o governo está comprando esse equipamento “sob o argumento” de melhorar o combate à criminalidade. Ao substituir a proposição “para” pela locução “sob o argumento”, o repórter faz a suposição de que o governo, na verdade, tem outras intenções. Pelo tom da reportagem, as verdadeiras intenções do governo são “criar zonas de exclusão” ao estereotipar a população pobre e bisbilhotar os cidadãos. Aliás, o título da reportagem faz menção aos “paulistas” de maneira genérica, não à bandidagem.

De fato, há um trade off insolúvel entre combate à criminalidade e privacidade. Mas, com as devidas salvaguardas legais (e os responsáveis pelo projeto as descrevem de maneira satisfatória, em minha opinião), se este for o preço a pagar para diminuir a criminalidade, podem me bisbilhotar à vontade, eu não tenho nada a esconder. Minha resposta aqui aos “especialistas” é a mesma que dou aos advogados criminalistas que alegam defender meus “direitos de cidadão” quando, na verdade, estão defendendo o direito dos bandidos de não serem presos: me incluam fora dessa.

Otimismo moderado

A Argentina precisava mesmo de um presidente com ideias novas e arejadas para tirar o país do buraco.

Congelamento de preços e um grande pacto social com os empresários para repor salários são ideais realmente originais, uma lufada de ar fresco no viciado ar liberal argentino.

Estou moderadamente otimista.

Ciência brasileira

Brasileiro é que nem praga, tem em todo lugar.

Pois bem, encontraram um brasileiro na equipe que desenvolveu a “supremacia quântica” do Google. Ele deu uma entrevista ao Estadão, que reproduzo abaixo.

Destaco os seguintes pontos:

1) A pesquisa foi financiada pelo Google. A IBM está desafiando os resultados. E o cientista brasileiro já se mudou para a Amazon. Apesar de ser professor da Caltech, Fernando Brandão e a equipe do Google estão sendo financiados pela fina flor da iniciativa privada. Por que? Ele mesmo explica: até seria possível o investimento público, mas seria muito arriscado, porque não se sabe direito ainda no que investir. Trata-se de investimento de risco, e somente capitais de risco deveriam se meter nisso. Google, IBM e Amazon estão atrás dos lucros fabulosos que essa tecnologia pode trazer no futuro e, por isso, estão dispostos a investir a fundo perdido. O mesmo ocorre no setor farmacêutico, ou de biotecnologia: até dar certo, rios de dinheiro são gastos em pesquisa. Por isso, é tudo muito caro.

2) No Brasil, é impensável esse nível de parceria, visto por aqui como uma ingerência indevida sobre a autonomia universitária, que não pode se curvar aos ditames do mercado. Sim, nos EUA é bem mais fácil, como reconhece o cientista brasileiro.

3) Há um esforço para dizer que, neste governo, a pesquisa científica “piorou muito”. O cientista ainda concede que a coisa não ia tão bem assim nos governos passados, mas pelo menos havia “esforços de valorização”. De onde concluo que a única diferença deste governo para os anteriores no que se refere à pesquisa científica é a retórica agressiva. De resto, está fazendo a mesma coisa que os governos anteriores, ou seja, nada. O pessoal precisa de um discursinho para se sentir valorizado.

Críticas ao vento

O trecho abaixo é da coluna de Vera Magalhães, hoje, no Estadão. Ela escreve sobre o exemplo do Chile, e que a equipe econômica liberal do governo Bolsonaro deveria ser, digamos, mais “sensível” à desigualdade de renda.

Destaquei o trecho acima para demonstrar que esse pessoal combate moinhos de vento. Quais seriam esses “próximos passos” depois da reforma da Previdência que vão “mexer numa rede de proteção social construída ao longo de sucessivos governos?”. Mistério.

Se há alguma coisa que mexeu em rede de proteção social, esta foi a reforma da Previdência. Mas não é disso que Verá trata, nem seria louca de fazê-lo, uma vez que está claro para todos que o modelo é insustentável. Então, ao que ela exatamente se refere? À reforma tributária, que pretende simplificar a vida de quem cria riqueza no País? À reforma do Estado, que pretende retirar privilégios de funcionários públicos para que sobre mais dinheiro para a “rede de proteção social”? Às privatizações e concessões, cujo dinheiro arrecadado também servirá para reforçar políticas sociais? Quais seriam esses “balões de ensaio” que revelam a maldade de Paulo Guedes e equipe? Vera Magalhães não se dá ao trabalho de esclarecer.

O artigo de Vera não é uma exceção, é a regra. Todas as críticas ao tal “modelo liberal” tem como denominador comum uma má-vontade política em relação ao governante de turno. Todos os governantes responsáveis fazem a mesma coisa quando falta dinheiro, mas alguns são “queridinhos”, enquanto outros são os “malvados”. Tudo se resume a quem faz, não ao que é feito.

Maia não é inimigo

Trechos da entrevista hoje com Rodrigo Maia.

Maia é o presidente de Congresso que qualquer presidente com agenda liberal pediria a Deus.

– Ain, mas ele é o Botafogo da planilha da Odebrecht, bandido como todos os outros.

Bem, nesse momento ele é tão bandido quanto Flávio Rachid Bolsonaro, ou mesmo a esposa do presidente, que recebeu R$20 mil do Queiroz. Depois de 5 anos de lava-jato, não houve sequer indiciamento de Maia, quanto mais julgamento e condenação. Não estou dizendo que ele seja inocente. Só estou afirmando que, por enquanto, só existem ilações, exatamente como no caso Queiroz.

Como eu ia dizendo, Maia é o sonho de consumo de qualquer presidente liberal. Essa é a grande sorte de Bolsonaro, que inaugurou com sucesso o semi-parlamentarismo. Maia reconhece que se enganou no início do mandato, ao tentar conduzir entendimentos em torno de um clássico “presidencialismo de coalização”. Hoje o parlamento está muito mais “empoderado” (para usar uma palavra da moda), não sendo apenas um puxadinho do governo.

Ninguém vai tirar o mérito de Bolsonaro de ter sido fiel aos seus princípios, e de ter construído outra forma de relacionamento com o Congresso, abrindo voluntariamente mão de um poder que todos os outros presidentes tiveram. Só espero que os bolsonaristas sigam o exemplo do presidente e saibam reconhecer em Maia um aliado providencial, e não um inimigo.

Um milhão de pessoas nas ruas!

Agora sim, temos a classe média chilena pedindo o fim do governo Piñera, e não meia dúzia de narizes-sujos.

É o fim de Sebastian Piñera, assim como 2013 foi o fim de Dilma Rousseff. É só uma questão de tempo. Esse tanto de povo na rua é o fim de qualquer governo.

Piñera saudou a multidão em seu Twitter: “La multitudinaria, alegre y pacífica marcha hoy, donde los chilenos piden un Chile más justo y solidario, abre grandes caminos de futuro y esperanza”. Blá, blá, blá. Esse palavrório não significa nada. Ou melhor, significa. Significa que o governo vai abrir as burras para satisfazer os grupos de pressão que gritarem mais alto.

O Chile tem orçamento para que Piñera distribua bondades. Orçamento este construído em anos e anos de austeridade. Mas o povo é insaciável. As bondades distribuídas logo serão insuficientes, e outras se seguirão. Até o Estado quebrar, como aconteceu no Brasil, Argentina e Venezuela. E o Chile acabará como esses 3 países: quebrado, com uma distribuição de renda pior e o povo em pior situação. Esse é o destino de todo governo populista.

A dicotomia hoje não se dá entre liberalismo vs socialismo. A verdadeira dicotomia se dá entre populismo vs responsabilidade. Populismo que pode ser “de direita” ou “de esquerda”, tanto faz. O que importa é tirar dinheiro em silêncio de um dos bolsos do povo e devolver para o outro bolso do povo com o máximo estardalhaço possível. Será um governo “mais justo e solidário”. Assim é se assim lhe parece.

Só não culpem o liberalismo

Extraído do Estado de São Paulo, 26/10/2019

Luciano Huck dando “lições” aos liberais. Faltaria “afetividade” ao modelo liberal. Sem “olhar as pessoas” vamos implodir, como o Chile.

É realmente do balacobaco.

Huck fala como se o Brasil fosse um exemplo de “modelo liberal” há décadas, e estivéssemos agora enfrentando a desigualdade criada por esse modelo “insensível”. É o justo oposto! Somos um exemplo de país onde o Estado se mete a fazer tudo, onde todos esperam a solução de seus problemas do Estado, e onde incontáveis grupos de sangue-sugas se acoplam ao Estado-Pai-De-Todos para garantir seus privilégios de rent-seeking.

Mais na frente na matéria, Luciano Huck elogia Lula por ter tido esse “olhar para as pessoas”. É o nordestino do sertão que tem uma cisterna e eletricidade e uma geladeira e o bolsa-família, tudo graças ao “Pai-Lula”. Migalhas que caíram da mesa dos privilégios e da roubalheira, somente possível porque Lula teve a sorte de pegar a China crescendo 12% ao ano e comprando tudo o que o Brasil tinha para produzir e vender. Quando acabou o dinheiro da China, acabou a mágica. Temer, e agora Bolsonaro, pegaram um país em frangalhos, depois de anos de políticas públicas de governos que “olhavam as pessoas”. O povo sente a nostalgia de um tempo em que o Brasil tinha dinheiro pra gastar, e do tempo subsequente, em que viveu no cheque especial para manter a ilusão de fartura.

Há uma dicotomia falsa, falsissima (não sei se existe esse aumentativo) entre liberalismo e distribuição de renda. Vou dar um exemplo: saneamento básico. Está para ser votado no Congresso um novo marco regulatório para o setor que permitiria investimento privado de bilhões de reais nessa necessidade zero para o bem-estar das pessoas. Esse projeto de lei está parado há anos no Congresso porque os Estados não querem largar o osso de suas empresas estatais do setor. As estatais, por óbvio, não têm capacidade de investimento. Não investem e não deixam a iniciativa privada investir. Enquanto isso, as crianças brincam no esgoto a céu aberto. Pergunto: quem mesmo não está “olhando as pessoas”?

Huck e seus amigos costumam fazer menção à “boa gestão” aliada a boas políticas públicas como a combinação ideal para “melhorar a vida das pessoas”. Sim, boa gestão. O que é simplesmente impossível em um Estado mastodôntico. É da natureza da máquina pública criar vida própria e sugar recursos que deveriam ser dirigidos a “melhorar a vida das pessoas”. Só existe uma forma de fazer políticas públicas eficientes e perenes: diminuindo o tamanho do Estado e focando-o no que interessa. O bolsa-família, a mais festejada política pública do país, custa R$30 bilhões/ano, contra despesas do governo da ordem de R$3,2 trilhões. Os liberais não querem acabar com o bolsa-família. Os liberais só querem saber para onde vão os outros R$3,17 trilhões.

Huck, como bom empresário que é, sabe de tudo isso. Mas é cool defender a “igualdade” e demonizar o “liberalismo selvagem” pela má distribuição de renda. Tudo marketing político.

O país pode implodir sim. Só não culpem o liberalismo por isso.

Uber: o novo nome de belzebu

Tropecei com esse artigo (A uberização de nossas vidas) da colunista dO Globo, Ruth de Aquino. Resolvi escrever porque é o típico exemplo de mistura de pensamento mágico com ojeriza ao capitalismo de nossa elite bem-pensante.

Ruth escreve sobre um recém-lançado filme do diretor britânico Ken Loach, que costuma dirigir filmes com “críticas sociais”. Ruth assistiu ao filme em Paris, bien sûr.

O filme é sobre o último flagelo que se abateu sobre a humanidade: a “precarização” do mercado de trabalho. As críticas são as mesmas de sempre: por debaixo da ilusão da “vida sem patrão”, existe muita frustração e trabalho insano que destrói vidas. E, como sabemos, vidas humanas são muito importantes.

O foco está na vida dos entregadores, explorados pelas grandes empresas e aplicativos de entregas. O que eu realmente acho curioso é que entregadores sempre existiram, mesmo antes do surgimento da Amazon ou do iFood. Lembro de pedir pizza por telefone 25 anos atrás. Esses entregadores eram tão “explorados” quanto os atuais: ganhavam o seu suado dinheiro na base do “quanto mais entregas você faz, mais dinheiro você ganha”. Duvido que os restaurantes contratassem esse pessoal com carteira assinada. Mas nada se falava a respeito.

A situação dos pobres entregadores só chamou a atenção quando alguém teve a brilhante ideia de explorar a ineficiência gritante desse mercado, e ganhar bilhões com isso. A vida dos entregadores não mudou uma vírgula, mas agora alguém do Vale do Silício está fazendo fortuna com isso. Isso é que não pode. Isso é que não dá, meus amigos!

Mesma coisa com os taxistas. A maioria, pobres motoristas explorados pelos donos de frotas. Mas isso não tocava os espíritos sensíveis. Foi só aparecer o Uber, o belzebu do capitalismo selvagem, e todos os amantes da humanidade se condoem da situação dos explorados.

Ruth, e os outros arquitetos da felicidade humana, apenas na superfície sonham com um mundo onde o trabalho não é “precarizado”. No fundo, eles sonham mesmo é com um mundo onde alguns não ficam “ultraricos” (palavras dela) com a “exploração” do trabalho alheio.

Obviamente, todos gostaríamos que todos tivessem empregos bons e seguros e que pagassem bem. Mas, todos também queremos que nossas pizzas sejam entregues no menor tempo possível pelo menor preço possível. E, de preferência, ao toque de um botão. Uma coisa não é compatível com a outra.

Enxugando gelo

Já escrevi aqui algumas vezes (a última, a respeito da criação da NAV, a mais nova estatal do governo brasileiro), que o tão festejado ímpeto privatista do governo Bolsonaro ainda está longe de se provar.

Elena Landau, uma das responsáveis por levar adiante as grandes privatizações da década de 90, resume, neste breve artigo, todos os sinais acumulados, até o momento, de que as privatizações são agenda secundária neste governo. Vale a leitura.