O orçamento e a tia do refeitório

A manchete de hoje é o “esvaziamento” da pasta da economia, com o ministro Paulo Guedes supostamente se tornando um mero subordinado de Ciro Nogueira, o ministro da Casa Civil e um dos chefões do famigerado Centrão. O que dizer?

Parece-me, na verdade, um ganho para o ministro da Economia, não uma perda, na medida em que o livra do desgaste de ser, sozinho, o guarda mau da praça, aquele que sempre diz não.

Para entender isso, é preciso ter em conta, em primeiro lugar, que a regra do teto de gastos ainda existe. Foi modificada em uma manobra pra lá de oportunística, mas ainda existe um limite formal para os gastos, inscrito na Constituição. Portanto, não estamos discutindo aumento de gastos, mas o seu remanejamento. Qualquer aumento de gastos por fora do teto precisa necessariamente passar por votação no Congresso, que tem a última palavra sobre o orçamento público.

Além disso, estamos falando de aproximadamente 5% do orçamento, que são os gastos não obrigatórios. 95% do orçamento já foi carimbado pelo Congresso, nessa e em todas as legislaturas anteriores, desde a proclamação da República. Por isso, acho graça de especialistas dizendo que a execução do orçamento será “politizada”, como se o ministério da Economia fosse uma espécie de ilha imune à política.

A execução do orçamento é sempre política, por definição. O ministério da Economia apenas executa o que os outros ministérios (ou, no caso de emendas parlamentares, os próprios congressistas) definem, tendo como guia a lei orçamentária. É o cara chato que tem como missão avisar que o dinheiro acabou, mas só isso.

Como a lei do teto não foi revogada, foi apenas modificada, o ministério da Economia faz apenas o papel da tia do refeitório, que enche o prato dos alunos com uma quantidade limitada de comida. A indicação do ministro da Casa Civil para dar anuência aos gastos é sinal de que a fila dos alunos virou uma zona, todo mundo querendo passar na frente e pegar mais comida. A tia da cantina não tem condições de avaliar quem tem ou não razão, por isso foi preciso chamar o bedel pra colocar ordem na escola. Só isso.

Essa decisão diz mais sobre o governo Bolsonaro do que sobre o ministro Guedes. Ao chamar o ministro da Casa Civil para organizar a fila, Bolsonaro demonstra que efetivamente perdeu a capacidade de arbitrar as prioridades políticas de seu governo, delegando esse poder ao Centrão de Ciro Nogueira. Tendo sido convencido de que a “nova política” não tinha futuro e não tendo vocação para a “velha política”, Bolsonaro abriu mão da política para dedicar-se às pautas que verdadeiramente lhe interessam, como agradar o baixo clero dos militares e cultivar as franjas do conservadorismo. O Centrão agradece.

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