Um desequilibrado que entra em um shopping lotado amarrado com explosivos e dizendo que vai levar tudo para os ares se não lhe permitirem assaltar as lojas só terá sucesso em seu intento se a sua ameaça for crível. Ou seja, se as pessoas acreditarem que se trata realmente de um potencial suicida que está disposto a cumprir a sua ameaça.
O fato de termos mais de uma potência nuclear faz com que as armas nucleares funcionem mais ou menos como o cinturão de explosivos amarrado à cintura. Qualquer um dos lados que aperte o botão estará assinando a própria sentença de morte. Como, em princípio, não há nenhum desequilibrado mental à frente de uma potência nuclear a ponto de condenar suas próprias cidades à mais horrível das mortes, os arsenais nucleares servem somente para efeitos dissuasórios. Ou seja, para transformar qualquer ataque nuclear em uma ação suicida. Não por outro motivo, na única ocasião em que uma bomba nuclear foi lançada sobre uma cidade, a potência atacante era a única que dominava a tecnologia. Pouquíssimo provável que o ataque tivesse ocorrido se o Japão pudesse revidar, jogando uma bomba atômica sobre, por exemplo, Los Angeles.
Portanto, esqueça essa história de arsenal nuclear. O que realmente importa são as forças convencionais. Aliás, se bomba atômica resolvesse guerra, o investimento em armamentos convencionais seria um desperdício de dinheiro. A Rússia sabe disso. E, mesmo sendo um país com PIB bem menor do que seus adversários da aliança ocidental (mais exatamente, 27 vezes menor), conta com um arsenal de respeito. No gráfico abaixo, podemos observar o poder de fogo da OTAN e da Rússia. Acrescentei uma coluna da OTAN sem EUA e Canadá, dado que o engajamento de forças do outro lado do Atlântico é mais complexo.
Chama a atenção o número de equipamentos de terra (tanques), que praticamente se iguala a toda a aliança ocidental. De qualquer modo, parece claro que, em uma guerra total entre Rússia e OTAN, a vitória seria da aliança ocidental, mas não seria um passeio no parque.
Antes de continuar, um parênteses. A Alemanha anunciou um aumento de praticamente 50% em seus gastos militares. Hoje, a Alemanha tem um budget de US$ 50 bilhões, aumentaria para algo como US$ 75 bilhões. Parece muito, não é mesmo? Bem, esse novo montante seria algo como 2% do PIB alemão. A Rússia gasta cerca de 9% de seu PIB com defesa, o que resulta em US$ 150 bilhões. Os EUA gastam 3,5% do seu PIB com defesa, US$ 770 bilhões. Não é à toa que o Trump reclamava que os EUA levavam a OTAN nas costas. Fecha parêteses.
A Rússia, hoje, tem um poder militar convencional de respeito. Invadiu um país soberano e pode derrubar o seu governo porque tem essa força militar, e porque a OTAN não quer se envolver militarmente com um país não-membro da aliança. Aliás, outro parênteses: não deixa de ser curioso que as forças chamadas democráticas deixem de defender militarmente uma democracia agredida somente pelo fato de não haver um pedaço de papel assinado. É uma bela desculpa. Fecha parênteses.
A questão que tira o sono é até que ponto Putin estaria disposto a atacar um membro da OTAN para melhorar a sua própria segurança. Os países bálticos (Estônia, Lituânia, Letônia) são os alvos mais óbvios, por fazerem fronteira. Caso ocorra este movimento, o que parece pouco provável visto de hoje, talvez tenhamos uma guerra de grandes proporções na Europa. Mas não estaremos, por isso, mais próximos de uma catástrofe nuclear. Tratar-se-á de uma guerra convencional, como as que tivemos no passado, ainda que com tecnologia superior e ainda que seja entre potências nucleares. Ninguém vai apertar o botão, pois isso significaria suicidio.
A menos que apostemos que a psicopatia tenha definitivamente tomado o lugar da brutal razão geopolítica.