A vantagem de estar morto

Hoje, mais uma reportagem sobre as péssimas condições de vida na Venezuela.

No entanto, ontem, uma pequena nota nos trouxe a informação de que Chávez ainda tem 56% de aprovação pelo povo venezuelano, muito mais do que qualquer outro líder atual. Como se explica? Fácil: Chávez está morto.

Poucos se lembram, mas no último dia 5 de março completaram-se 10 anos da morte do comandante. Chávez saiu prematuramente do mundo da luta política para o plano dos mitos. Sua morte foi anterior à debacle dos preços do petróleo, que acabou com a fonte do bem-estar para todos os venezuelanos. Sobrou uma carcaça oca de economia, que os abutres do regime disputam sofregamente.

Na mesma pesquisa, Maduro aparece com apenas 22% de aprovação. Poderíamos questionar como Maduro consegue se reeleger com tão reduzida taxa de aprovação. A resposta, além da conhecida falta de lisura nas eleições, pode ser encontrada em uma pesquisa de um ano atrás, feita pelo mesmo instituto. Naquela pesquisa, Maduro também aparecia com uma avaliação péssima, mas não significativamente pior do que a de outros políticos venezuelanos de oposição. Ou seja, a situação é tão ruim, que basta estar vivo para ser mal avaliado. Chávez leva uma grande vantagem sobre seus concorrentes: está morto.

A cerca de 3 meses de sua morte, já em estado terminal, o ditador venezuelano disse: “Chávez não é um ser humano somente. Chávez é um grande coletivo. Chávez é o coração do povo, e o povo está no coração de Chávez”. Quem não se lembra das palavras de Lula em seu discurso no dia de sua prisão, em São Bernardo, também em terceira pessoa? “Eu não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia, misturada com as ideias de vocês”. Lula proferiu essas palavras às vésperas de sua morte política.

A vantagem de Chávez, como dissemos, é estar morto. Lula, por outro lado, ressuscitou, como afirmou a um mesmerizado Reinaldo Azevedo. Portanto, voltou ao mundo dos vivos, e isso faz toda a diferença. Chávez, assim como Lula, navegou o grande ciclo das commodities da primeira década do século, e morreu antes de ver o seu castelo de cartas ruir. Lula saiu da presidência como uma quase unanimidade. Se tivesse acompanhado seu companheiro venezuelano em sua viagem ao além, teríamos hoje um mito lulista imbatível. Mas Lula voltou do mundo dos mortos, e terá que lidar com a realidade dos recursos escassos e da falta de margem de manobra. Aquela mesma realidade que faz com que todos os políticos sejam mal avaliados. Nesse mundo, é bem mais difícil a construção de mitos. A longevidade de Lula, afinal, talvez seja uma benção para o país.

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