O lobo concursado

Até o momento não tinha formado uma opinião sobre a tal nota de R$200. Desde o início, a iniciativa me pareceu um pouco esquisita, em um país: 1) com trauma inflacionário, onde a impressão de notas mais altas sempre foi identificada com a desvalorização da moeda, 2) pobre, onde grande parte da população não vê com frequência quantias múltiplas de R$200 e 3) onde se guardam grandes quantias de dinheiro em malas dentro de apartamentos, ou em valises carregadas às pressas de dentro de pizzarias, ou ainda sacadas do caixa de lojas de chocolate.

Mas a justificativa parecia fazer sentido: o auxílio emergencial havia injetado bilhões de reais na economia, e os beneficiários precisavam sacar o dinheiro. Assim, estavam faltando notas, e é mais barato imprimir R$200 do que R$ 100.

Gustavo Franco desmonta a tese toda neste artigo.

Em primeiro lugar, faz um apanhado geral das práticas internacionais. E, para aqueles que comparam os R$100 (a nossa maior nota) com os US$ 100 (a maior nota americana), ele responde com a comparação entre as rendas per capita. Sim, os nossos R$100, para fins práticos, são equivalentes aos US$ 100 dos EUA. E lá, estão discutindo a eliminação dessa nota, justamente para dificultar o crime. Tente você usar uma nota de US$ 100 no dia a dia nos EUA. É muito difícil. Aqui, o uso dos R$100 também é difícil (já foi mais), imagine usar a nota de R$200.

Neste ponto, Franco faz uma comparação certeira: o que é mais difícil, usar os R$200 em dinheiro vivo ou dentro de um aplicativo do celular? Ah, mas o povo não tem celular. Bem, esse povo que não tem dinheiro nem para comprar um celular vai ter a mesma dificuldade de usar os R$200 no comércio.

Pra surpresa de ninguém, estamos indo na contramão do mundo. Enquanto se eliminam cédulas maiores para dificultar a vida do crime e se estimulam os meios de pagamento eletrônicos, aqui vamos produzir uma nota de maior valor. O lobo-guará está em extinção, mas deve haver meios mais inteligentes de mantê-lo circulando por aí.

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