Negócio imperdível

O BNDES não quis emprestar R$2 bilhões para o seu CAOA comprar a fábrica da Ford.

Haveria outras alternativas. Por exemplo, há outros bancos na praça que poderiam emprestar o dinheiro. Ou, o seu CAOA poderia emitir debêntures no mercado e captar o dinheiro diretamente do grande público.

O problema dessas outras alternativas provavelmente estaria na taxa de juros / prazos compatíveis com o risco de crédito do grupo CAOA. Taxas altas e prazos não muito longos. O BNDES é aquela mãe que empresta dinheiro para o filho a juros e prazos camaradas. Parece que acabou o dinheiro da mãe.

Fosse um negócio realmente imperdível, não faltaria financiamento em um mundo de taxas de juro zero e excesso de liquidez. Talvez a compra da fábrica da Ford não seja um negócio imperdível. Talvez por isso a Ford tenha fechado a fábrica. São só conjecturas.

Caridade com o chapéu alheio

Parece que a fábrica da Ford vai fechar mesmo, apesar de toda espuma criada pelo Doria.

A coisa, como sempre, dependia de uma ajudinha do governo, no caso, via BNDES. Aparentemente, acabou o “dinheiro barato” para sustentar projetos inviáveis.

Nunca tivemos taxas de juros tão baixas no país. A CAOA poderia vir a mercado e tomar os recursos necessários. Provavelmente não faz isso por ser um grupo com risco de crédito alto, e as taxas que pagaria refletiriam esse perfil mais arriscado. A não ser que o BNDES desse a molezinha.

A disciplina do BNDES na concessão de crédito é uma boa notícia, ainda que nunca seja uma boa notícia o fechamento de vagas de trabalho. Mas o sindicato da categoria poderia ter pensado nisso antes, e ter negociado uma redução de salários de até 30% com a própria Ford, como agora está combinado com a CAOA. Tarde demais.

Vontade de privatizar

Salim Mattar reclama da burocracia para privatizar. Não conseguimos sequer vender o excesso de ações do Banco do Brasil que estão nas mãos da União. O BNDES se enrolou na burocracia e não vai conseguir vendê-las. No entanto, somos rápidos na criação de estatais: o atual governo já criou uma, a NAV Brasil, que vai herdar as atividades (e funcionários) da Infraero. Era para ter zero estatais no setor aéreo, agora temos duas.

Collor acabou com a Siderbras e privatizou a Usiminas.

Itamar Franco privatizou a CSN e a Embraer.

FHC privatizou a Vale e todo o sistema Telebras.

Perto de CSN, Embraer, Vale e Telebras, privatizar os Correios não parece ser um desafio especialmente difícil. Tenho fé de que o governo mais privatista da história vai conseguir.

Discussões éticas

Voltando ao assunto dos empréstimos subsidiados do BNDES para a compra de jatinhos.

Muitos comentários ao meu post de ontem defendiam que, apesar de legal, comprar jatinhos com subsídio não seria “ético”. Afinal, os compradores deveriam saber que se tratava de usar dinheiro de impostos que faltam para outras áreas para usá-lo em algo absolutamente supérfluo. Além disso, os compradores teriam sido coniventes com um programa desastroso para a economia brasileira, que nos levou a todos para o buraco em que estamos.

Fiquei pensando nesses argumentos.

Os filhos da classe média cursam as melhores faculdades do país de graça, pagas com o dinheiro dos impostos. Deveriam, todos os que estão criticando Huck, pagar uma faculdade privada para seus filhos para evitar serem coniventes com essa política pública perversa?

Deduzimos 100% das despesas com saúde da base do IR. Deveríamos pagar o IR integral para evitar ser coniventes com uma política que subtrai recursos dos mais pobres para pagar pela saúde dos mais ricos?

Até a reforma da previdência, a classe média se aproveitava de regras generosas para se aposentar antes dos 60 anos. Em alguns casos, como o das professoras, antes dos 50! Deveria a classe média abrir mão de um direito líquido e certo por questões “éticas”? Não conheço um caso sequer.

Ah, dirão, são coisas não comparáveis! Educação, saúde, aposentadoria, são direitos do cidadão que o Estado deve prover. A compra de jatinhos, não!

Tudo é uma questão de perspectiva quando se trata de uso de recursos públicos para fins privados. Ainda mais no país da meia-entrada.

Pensamos na compra de jatinhos com dinheiro dos nossos impostos como algo não ético porque não está ao alcance de nossas mãos. O favelado que é obrigado a pagar a faculdade de seu filho tem todo o direito de pensar que o filho da patroa cursar uma faculdade de graça é um comportamento não ético. Cada um trabalha com suas próprias referências.

O ponto é que o financiamento estava lá e foi tomado de acordo com as regras vigentes. Se é para discutir ética, vamos alargar nossos horizontes e colocar na mesa outras coisas.

Por fim, o PSI, esse nefasto programa de subsídios sob o qual se deram os empréstimos para a compra de jatinhos, foi aprovado no Congresso com o voto favorável do então deputado Jair Bolsonaro. O qual, hoje, usa a lista de quem aderiu a esse programa – dentro da lei aprovada por ele mesmo – como uma arma política, abusando de seu poder de presidente da república. Vamos falar sobre ética?

A criminalização do BNDES

Pode-se criticar à vontade a política de juros subsidiados do BNDES. Eu sou um que não paro de falar desse assunto por aqui. Isso é uma coisa.

Outra coisa é tentar criminalizar quem tomou as linhas de crédito subsidiadas, dentro dos critérios técnicos da concessão do crédito. O que fez de errado Luciano Huck ao usar uma linha do Finame para comprar um jato da Embraer? Rigorosamente nada. Como disse, a linha estava lá como uma “ajudinha” do governo para a Embraer. Se a empresa (e Huck) precisavam desse presentinho com o dinheiro dos nossos impostos é algo a ser discutido. Mas daí a insinuar que houve comportamento não ético vai uma distância enorme.

Tomar empréstimo subsidiado do BNDES virou crime de lesa-pátria. Ao mesmo tempo, virar o COAF de ponta-cabeça por ter colaborado com investigações na Assembleia do RJ é algo perfeitamente natural. A lógica desse governo às vezes me escapa.

O BNDES e os investimentos

Duas manchetes, uma ao lado da outra, hoje, no Valor Econômico. Confesso que nunca vi algo assim tão, digamos, contundente, para refutar aqueles que pedem “mais ação do Estado” para recuperar a economia.

Na reportagem da direita, Montezano, presidente do BNDES, afirma que, dos R$ 70 bilhões disponibilizados pelo banco este ano para empréstimos, somente R$ 25 bilhões foram tomados pelo setor privado. Surpreendentemente, o interesse pelas linhas do BNDES desapareceu no momento em que as taxas praticadas pelo banco de desenvolvimento se ajustaram ao mercado…

Isso não impediu que o investimento crescesse no 2o trimestre, tanto em bens de capital para fins industriais, como para construção e também para materiais de transporte, como atesta a matéria da esquerda. Surpreendentemente também, o investimento privado mostrou que pode crescer mesmo sem as taxas subsidiadas do banco de desenvolvimento…

Não consigo pensar em mensagem melhor aos viciados na ação do Estado na economia.

Anabolizante

Luis Eduardo Assis, ex-diretor do BC e egresso do mercado financeiro, vem defendendo, não é de hoje, o investimento público como o motor para destravar a economia. Em artigo de hoje, chama de “fundamentalismo liberal” o esforço de diminuição do papel do BNDES na economia. Segundo o economista ortodoxo com ideias heterodoxas, o governo Bolsonaro seria tão fundamentalista como o da Dilma, só que com sinais trocados.

Fui dar uma olhada no gráfico do investimento em relação ao PIB (abaixo).

Entre altos e baixos, o investimento vinha caindo desde a década de 70, quando chegou a atingir 10% do PIB. Naquela época, o papel do BNDES era marginal, o dinheiro saia do Tesouro diretamente. Pelo menos era um processo mais transparente de gastos públicos. De qualquer forma, deu no que deu: crise da dívida e década perdida.

Quando ocorreu a crise financeira de 2008, o governo Lula teve uma grande ideia: endividar-se para turbinar o BNDES, que saiu de praticamente zero para quase 10% da dívida em relação ao PIB. De fato, o investimento público saiu de algo como 2,5% do PIB para 4,5%, estabilizando-se em 4% do PIB até 2014. Qual foi o efeito desse aumento no crescimento do PIB, meu caro Assis?

Tal qual um anabolizante aplicado em um doente terminal, o efeito imediato foi uma hiperatividade: crescimento de 7,5% do PIB em 2010, o suficiente para eleger a sucessora de Lula. Depois disso, no entanto, os fatores estruturais predominaram e, apesar de manter os investimentos em 4% do PIB, o crescimento veio declinando, declinando, até chegar nos pífios 0,5% de 2014. A partir de 2015 o castelo de cartas desmoronou, demonstrando cabalmente que manter artificialmente investimentos públicos em uma economia pouco produtiva só cria dívidas impagáveis. Causa-me espécie que haja ainda economistas que defendam esse tipo de coisa.

Corporativismo

Especialistas. Fontes. Interlocutores.

São essas pessoas sem cara que ficam soltando notinhas na imprensa para inviabilizar o encolhimento do BNDES.

A nova agora é que o dinheiro da venda das ações da carteira do BNDES não pode ser devolvido ao Tesouro. Somente “dinheiro em Tesouraria”, originado de “empréstimos vencidos” é que poderiam ser devolvidos. Algum artigo da LRF impediria essa devolução. Não ocorreu ao jornalista que escreveu a matéria perguntar qual seria esse artigo.

Ora, as ações estão lá como fruto de investimentos feitos pelo banco, assim como os empréstimos. Por que cargas d’água, uma vez vendidas, os recursos arrecadados não poderiam ser devolvidos ao Tesouro? Se isso for verdade, teremos uma situação surreal: R$ 100 bilhões carimbados, que não podem ser usados para mais nada, a não ser comprar novas ações.

Enfim, o corpo técnico do BNDES estrebucha, diante da perspectiva de encolhimento do banco. O Brasil é mesmo refém das corporações.

Os investimentos sem o BNDES

– Ain, mas sem o BNDES os investimentos param, o país para…

Em 2015, emissões privadas mais desembolsos totalizaram R$ 281 bilhões, dos quais 59% eram do BNDES. Nos 12 meses encerrados em março último, emissões privadas mais desembolsos somaram R$ 278 bilhões, dos quais apenas 21% eram do BNDES. Ou seja, o montante permaneceu praticamente o mesmo, enquanto a participação do BNDES caiu em 2/3. Houve, como previsto, o fenômeno do “crowd in”, ou seja, a ausência de um funding atraiu outro, com evidentes ganhos fiscais no processo.

Que sentido tem um banco público fornecer dinheiro subsidiado para empresas que podem se financiar no setor privado? Nenhum. É o que mostram esses dados.

A carteira do BNDES

O corpo técnico do BNDES “ganhou” uma reportagem completa do Valor Econômico, sobre a “rentabilidade” da carteira de ações do banco. Segundo levantamento dos próprios técnicos do BNDES (!), essa carteira rendeu 3,5 pontos percentuais acima do Ibovespa.

Qual o sentido disso? Absolutamente nenhum. Se o Tesouro Nacional estivesse em busca de aplicações de risco para o seu, o meu, o nosso dinheiro, há gestores muito mais competentes na praça, gerando ganhos muito maiores.

Mas ao Tesouro, obviamente, não interessa ganhar dinheiro no mercado de ações. Não é para isso que são arrecadados os nossos impostos. O BNDES supostamente existe para suprir “falhas de mercado”, onde à iniciativa privada não interessa o investimento que provê externalidades positivas para a sociedade.

Agora, me diga: que “falha de mercado” foi sanada com a compra de ações de Petrobras, Vale, Gerdau, Suzano, Cemig, etc etc etc? Por que a iniciativa privada não poderia participar dos processos que resultaram nessas ações encarteiradas pelo BNDES? Há, inclusive, uma contradição em termos: se houve “lucro econômico” com a compra dessas ações, é sinal de que não havia “falha de mercado”.

Essa reportagem vem sob medida, no momento em que se discute o desinvestimento dessas participações (são R$ 110 bilhões !!!). Afinal, esse é o raciocínio por trás, por que se desfazer de algo que “dá lucro” para o banco?

São dois os motivos: 1) não é função do Tesouro investir no mercado acionário e 2) o Tesouro está quebrado, e precisa desesperadamente do dinheiro. A reportagem convenientemente não entra em nenhum desses dois pontos.