Este levantamento do Tesouro, repercutido como manchete principal no Estadão, está eivado de má fé. Está certo que nosso judiciário é, de longe, o mais caro do mundo. Mas para uma análise isenta, é preciso olhar o outro lado da moeda: o nosso sistema é também, de longe, o mais eficiente do mundo.
Por exemplo, crimes, principalmente os de colarinho branco, são julgados muito rapidamente. Pá, pum, e o criminoso já está no xilindró.
Contamos com todo um sistema judiciário apartado somente para julgar causas trabalhistas. Assim, empresas e trabalhadores têm rapidamente suas pendências julgadas e resolvidas, diminuindo em muito o custo de empreender no Brasil.
A nossa democracia é forte e pujante porque temos tribunais dedicados somente ao monitoramento das eleições. Que outro país do mundo conta com essa garantia democrática?
Nosso juízes trabalham de sol a sol, com uma carga de trabalho tão estafante que precisam de dois meses de férias por ano.
Por fim, concordo com o nosso egrégio presidente do STF, quando diz que a insegurança jurídica no Brasil é uma lenda. Claro que toda essa segurança jurídica de que usufruímos, e que é exemplo para o mundo, tem um custo. Mas vale muito a pena.
Araguainha, no Mato Grosso, vive a experiência socialista perfeita: todos os empregados da cidade trabalham para o Estado. Quer dizer, “todos” é modo de dizer. Certamente deve haver uma vendinha ou outra na cidade de 1.000 habitantes, dos quais 300 trabalham na prefeitura. Mas eventual empregado dessas vendinhas não tem carteira assinada. Não espere sindicatos ou o governo Lula se mobilizando para defender seus direitos.
A reportagem nos informa que somente 5% da população conta com tratamento de esgoto, o que certamente deve incluir o prefeito e os 9 vereadores da cidade. No portal da Câmara Municipal de Araguainha, destaque para o deputado federal Juarez Costa, que garantiu quase R$ 300 mil de recursos de emenda parlamentar para a saúde dos araguainhenses. O que deve ser alocado integralmente para o pagamento dos enfermeiros lotados na prefeitura.
Obviamente, uma cidade de 1.000 habitantes não precisa de prefeito, vice-prefeito, 9 vereadores e 300 funcionários públicos. Boa parte dessa máquina está a serviço de deputados federais, que pagam com a moeda das emendas. A cidade em si é claramente inviável economicamente, não sendo capaz de produzir um único emprego formal fora do Estado.
A solução óbvia é fundir este município com outro maior, enxugar a máquina e passar os funcionários públicos demitidos para o Bolsa Família (ao menos o salário que recebem seria contabilizado na rubrica correta). Qual a chance?
Desculpem-me se estou demasiadamente monotemático, mas sou obrigado a, novamente, falar sobre orçamento público. Ontem escrevi sobre a síndrome do “já que”. Hoje, escreverei sobre a “isonomia por cima”.
Já notaram que a palavra “isonomia”, no contexto do funcionalismo público, é sempre usada para nivelar salários por cima? Nunca se trata de nivelar por baixo, apesar de a palavra “isonomia” significar, apenas, igualdade de nível, qualquer que ele seja. O nobre deputado Marcelo Castro poderia propor um aumento de 5% para o Judiciário e o Legislativo também, o que não exigiria mudança alguma no orçamento e garantiria a mesma “isonomia”. Mas, por alguma estranha manobra mental, o deputado prefere o caminho mais difícil para alcançar o mesmo objetivo.
Claro que se trata de uma ironia. Judiciário e Legislativo, assim como o Executivo, são poderes autônomos e, como tal, têm o poder de determinar os seus próprios salários, desde que respeitada a regra do teto de gastos, que é independente para cada Poder. Portanto, não haveria como exigir que todos os poderes seguissem a mesma regra salarial, a não ser que houvesse uma lei específica para tanto. A questão aqui é outra: como o Judiciário e o Legislativo podem dar mais aumento do que o Executivo?
A coisa remonta ao drible da vaca que o governo deu no teto de gastos em 2021. A chamada PEC dos Precatórios trazia uma mudança de data para o cálculo da inflação que reajusta o teto de gastos para o ano seguinte: era o IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior, e passou a ser o IPCA acumulado em 12 meses até dezembro do ano anterior. Como a inflação estava se acelerando em 2021, essa manobra permitiu aumentar o teto de 2022. O Executivo gastou esse dinheiro a mais pagando a manutenção do Auxílio Brasil em R$600, de modo que já está na tampa de novo. Já o Legislativo e o Judiciário, que só têm despesas com seu próprio funcionalismo, podem usar esse espaço adicional para aumentar salários.
Trata-se, obviamente, de uma manobra meramente contábil. O dinheiro não apareceu como que por mágica só porque a data de reajuste do teto foi mudada. Se tudo correr conforme os planos do Banco Central, estamos no fim do “bônus inflacionário”, que permitiu uma arrecadação extra em 2021/2022. A partir de 2023, com a queda da inflação e a desaceleração da economia, o aumento da arrecadação reduzirá seu ritmo, e aquele teto mais alto cobrará o seu preço em aumento da dívida pública. A não ser que tenhamos seguidas surpresas inflacionárias que mantenham a arrecadação em alta, o que é, por sinal, o resultado esperado da gastança.
Sinal de que o cobertor já está curto é a quantidade de vezes que vocês lerão o nome do deputado Marcelo Castro, o relator do orçamento, em reportagens desse tipo daqui para frente. Ontem foi o piso da enfermagem, hoje é o reajuste do funcionalismo, e a fila só aumenta para o pedido de “perdão” para ultrapassar o teto de gastos no ano que vem. São todas causas boas e justas, e que implicam aumento permanente de despesas. O Banco Central nos promete inflação na meta em 2024 (já desistiu de 2023 também). Boa sorte.
No final do dia, governar é decidir para onde vão os impostos arrecadados dos cidadãos.
Haddad já avisou que vai tirar dinheiro dos paulistas para beneficiar os servidores estaduais aposentados com maior renda, que tiveram aumento de alíquota de IR na reforma da Previdência estadual.
Se você é servidor estadual de maior renda, vote Haddad.
Policiais de MG prometem greve porque o governador não cumpriu a promessa de reajuste salarial feita m 2019. Dois erros fazem um acerto? Não. Dois erros fazem dois erros. E a conta vai ser paga pela população.
Policiais não podem fazer greve. Isso é o que diz a lei, a mesma que os policiais dizem defender. No entanto, vamos deixar os policiais para o final e analisar a parte mais interessante dessa história, a atitude do governo Zema.
Em 2019, início de mandato, o governador Romeu Zema enfrentou uma manifestação de policiais pedindo reposição salarial desde 2015. A pedida era de 41%, e o neófito governador a concedeu em três parcelas, a primeira a ser paga naquele ano e as duas seguintes em 2020 e 2021. Apesar de terem sido aprovados pela Assembleia Legislativa, os reajustes de 2020 e 2021 foram vetados pelo governador. São estes reajustes que estão sendo reivindicados agora pela “categoria”.
Há vários erros combinados nessa história. O mais óbvio foi prometer algo contando com o ovo dentro da galinha. O ovo, no caso, era a entrada do estado no regime de recuperação fiscal (RRF) da União, o que permitiria liberar recursos para o pagamento do funcionalismo. Não ocorreu. E, mesmo que tivesse ocorrido, trata-se quase de uma contradição em termos, dado que o RRF exige uma contenção brutal de despesas do estado, o que contraria o desejo de conceder reajustes. Enfim, Zema perdeu a oportunidade de lidar corretamente com uma greve no primeiro ano de seu mandato e vai ter que lidar com uma no ano da campanha eleitoral.
O erro de Zema é apenas o mais óbvio e mais próximo, mas está longe de ser o mais importante. O atual governador herdou um estado calamitoso de contas, fruto da irresponsabilidade de governos anteriores que, como Zema, contaram com o ovo dentro da galinha para contratar e reajustar salários do funcionalismo estadual. No caso, o ovo do crescimento e da arrecadação de impostos. Até 2013 a coisa funcionou. A bicicleta perdeu velocidade em 2014 e capotou a partir de 2015.
Ao contrário da União, os estados não podem tomar dívida para pagar as suas contas. Isso nem sempre foi assim. Até meados da década de 90, os estados podiam emitir títulos de dívida, que eram compradas, na maior parte dos casos, pelos bancos estaduais. Era uma verdadeira máquina de imprimir dinheiro. Um dos pilares do plano Real foi justamente acabar com essa farra. Hoje, os estados são obrigados a viver exclusivamente com o dinheiro que arrecadam. Por isso você ouve falar de atrasos de salários para o funcionalismo estadual mas não para o federal. A União pode se endividar para pagar salários; os estados, não.
Dado que o funcionalismo tem estabilidade, as únicas duas formas de ajustar as contas em caso de queda da arrecadação é aumentar impostos ou deixar que a corrosão inflacionária diminua os salários reais. Como aumentar impostos é sempre impopular, adivinha qual a solução adotada. Ocorre que se trata de um arranjo instável. Basta ver a ameaça de greve dos policiais.
Sempre dou esse disclaimer quando escrevo sobre o funcionalismo público: não tenho absolutamente nada contra, pelo contrário, reconheço a importância do seu trabalho e tenho vários amigos que são funcionários públicos e trabalham com seriedade e retidão. O problema é que a empresa onde trabalham, o governo brasileiro, está quebrada e endividada. A forma clássica de fazer o ajuste é conceder reajustes com uma mão e tirar com a outra, através da inflação. O não reajuste de salários é justamente isso. Mas essa “solução” tem um efeito colateral: a inflação afeta também o povo que não é funcionário público, e precisa rebolar para pagar as contas estando desempregados ou em sub-empregos.
Os policiais de MG farão uma greve ilegal contra uma promessa não cumprida do governador, por ser inexequível. Dois erros não fazem um acerto. E, como sempre, é a população que pagará pelos dois erros.
Documentários sobre a mãe natureza costumam nos brindar com cenas de tirar o fôlego. A aranha que ataca o inseto enredado em sua teia, por exemplo. Mas para se ter uma ideia exata do fenômeno, é preciso diminuir a velocidade do filme, mostrar a cena em câmera bem lenta. Vemos então, em detalhe, a fúria assassina da aranha em todo o seu esplendor.
Essa é a experiência sensorial que estamos vivendo neste momento no Brasil. A hiperinflação das décadas de 80 e 90 não nos permitia observar como o Estado brasileiro se financiava com base na inflação. A coisa era de tal maneira rápida e recorrente, que se tornava difícil distinguir os movimentos, tal como o ataque da aranha em velocidade normal.
O ano de 2021 nos permitiu ter a mesma experiência, mas em câmera lenta. A inflação foi bem acima da esperada pelos agentes econômicos e, por outro lado, os salários dos servidores públicos estão congelados. Ou seja, na prática, os salários do funcionalismo público foram reduzidos em termos reais. Por outro lado, a arrecadação acompanhou o aumento dos preços. Afinal, como já aprendemos no caso do ICMS dos combustíveis, a alíquota dos impostos é a mesma, mas a base de arrecadação é bem maior. Resultado: salários em dia e caixa em ordem.
O mesmo se pode dizer do governo federal, que vai produzir um déficit primário muito menor este ano e vai mostrar uma dívida pública bem menor do que as previsões mais catastrofistas. O segredo é o mesmo: inflação maior bombando a arrecadação e gastos com funcionalismo congelados.
Se a inflação não se acelerar em 2022, o truque se esgota. A arrecadação não cresce tanto e os funcionários públicos começam a fazer pressão por reajustes. Afinal, os caixas dos estados e da União estão em ordem. O que ainda não contaram para os funcionários é que aquele salário do passado é impossível de ser pago, o que vale e que pode ser pago em dia (por enquanto) é esse salário desidratado.
Em 2021, tivemos o privilégio de poder observar em detalhe como a inflação ataca os insetos que caem em sua teia, coisa que as pessoas das décadas de 80 e 90 não conseguiam observar a olho nu. A inflação é aliada do governo, a única forma de fazer caber suas promessas em um orçamento limitado. Pena que seja um truque que não possa ser usado de maneira recorrente.
Confesso que não entendo muito de serviço público, dado que passei minha vida toda na iniciativa privada e não tenho parentes próximos que sejam funcionários do governo. Portanto, convido qualquer funcionário público que seja leitor dessa humilde página a corrigir qualquer eventual erro deste post.
Em primeiro lugar, não entendo o que significa “entregar o cargo”. Até onde eu sei, cargos de chefia são conquistados via concursos internos. “Entregar os cargos” significa que esses servidores terão que prestar novos concursos públicos para obterem seus cargos de volta? Ou os cargos estarão lá, intactos, à espera de seus donos, quando estes decidirem retoma-los? Pergunto isso porque, se os cargos permanecem disponíveis, essa “entrega de cargos” nada mais é do que uma greve sem risco. Aliás, greve de funcionário público, por definição, é sem risco. Não há o risco de corte de ponto e, muito menos, demissão. E o pior: normalmente, o prejudicado é o cidadão, que é tomado como refém para obter o resgate. Em uma greve na iniciativa privada, o prejudicado é o patrão, que deixa de produzir e lucrar. Na greve do funcionalismo público, o patrão é o cidadão, que não recebe o serviço pago pelos seus impostos.
Não vou aqui discutir a “justeza” das reivindicações. Mesmo porque, em um país com milhões de pessoas que não conseguem um emprego formal, o “justo” é muito relativo. O fato é que, por mais justo que seja reajustar os salários do funcionalismo, o cobertor está curto, acabou o dinheiro. Quer coisa mais injusta do que não receber uma dívida do governo já transitada em julgado, como é o caso dos precatórios?
Os funcionários públicos federais têm o privilégio de ter seus salários depositados em dia, dado que o governo federal é o único que tem o poder de se endividar sem limites. Funcionários de estados e municípios pelo país não têm a mesma sorte, vários estão recebendo seus salários com atraso. Reajuste parece ser uma palavra de luxo, nesse caso.
Encerro contando um causo. Sou engenheiro pela Poli-USP. Engenheiros formados na Poli não costumam encontrar dificuldade de serem contratados e, normalmente, têm carreiras de sucesso. Qual não foi o meu choque ao saber que o melhor aluno da minha turma havia prestado um concurso para auditor fiscal da receita. Sua conta, no entanto, foi simples: seu salário começava muito acima do que ganhava um engenheiro júnior no mercado, tinha estabilidade e se aposentava com salário integral (era final da década de 80). Na integral da curva de salários (desculpem-me a linguagem de engenheiro), a sua esperança de renda ao longo das décadas seguintes era maior do que o que poderia esperar, na média, na iniciativa privada. Ou poderia ser até menor, mas a sua aversão ao risco fez com que preferisse o certo ao duvidoso. Meu colega de Poli fez uma escolha, com tudo o que essa escolha acarreta. Inclusive, a ausência de reajuste por falta de dinheiro.
Em um mundo ideal, o Estado arrecada o suficiente para pagar bons salários para os seus funcionários, de forma a prover os serviços que a sociedade delegou ao Estado. No mundo real, a sociedade quer o máximo do Estado pagando o mínimo de impostos e os financiadores desse gap cobram juros extorsivos. A conta só fecha com inflação, calote da dívida, serviços públicos ruins e baixos salários do funcionalismo. Normalmente, uma combinação dessas coisas todas.
PS1: não adianta colocar a culpa no “fundão eleitoral” ou nas “demandas do Centrão” ou, genericamente, na “corrupção”. Esse dinheiro é peanuts perto das necessidades de uma sociedade que exige cada vez mais do Estado.
PS2: o fato de Bolsonaro ter privilegiado um determinado segmento do funcionalismo seguiu a lógica dos “eleitos”, a mesma que escolheu os “campeões nacionais” da Dilma ou os “setores que mais empregam” para receber a desoneração da folha. Como não tem dinheiro pra todo mundo, o governo escolhe discricionariamente aqueles que serão beneficiados. Não acha justo? Encontre seu instrumento de pressão e arranque o seu benefício de Brasília. É assim que a coisa funciona.
Em 31/03 deste ano, a Equatorial venceu o leilão de privatização da CEEE-D, a distribuidora do grupo gaúcho de energia elétrica CEEE. Ontem, a empresa publicou o seu balanço do 3o trimestre. Destaco abaixo dois trechos.
No primeiro, a empresa informa que o programa de demissões voluntárias (PDV) encerrou-se com o pedido de demissão de 46% dos funcionários.
Você não leu errado. Quarenta e seis por cento (quase metade) dos funcionários da empresa pediram demissão! Alguém poderia pensar: “puxa, então a empresa acabou”. Não, a empresa continua lá, fornecendo eletricidade. Com 46% a menos de pessoas trabalhando.
Mas será que está funcionando mesmo? Aí entra o 2o trecho: os índices DEC (que mede a duração média de interrupção de fornecimento) e FEC (que mede a frequência média de interrupção de fornecimento) foram melhores neste trimestre do que em qualquer outro nos últimos 12 meses. Ou seja, a empresa está entregando um serviço melhor com metade dos funcionários.
Isto é apenas um microcosmo desta grande empresa chamada Estado Brasileiro. Não tenho absolutamente nada contra os funcionários públicos. Tenho vários amigos que o são. Mas, infelizmente, trabalham para uma empresa extremamente ineficiente. Não que os funcionários em si sejam ineficientes. Pelo contrário, acredito que trabalhem com afinco e dedicação. A estrutura toda, no entanto, é ineficiente. Provavelmente, com uma forma mais eficiente de organizar o trabalho, um serviço melhor pudesse ser entregue com o emprego de menos pessoas.
Claro que o serviço público tem a sua própria dinâmica, que não deve ser comparada com uma empresa que visa o lucro. Mas isso não significa que exista espaço para a ineficiência. Afinal, é o dinheiro de nossos impostos que sustenta a máquina, e qualquer desperdício significa subtrair recursos de programas que poderiam mitigar a miséria dos mais necessitados. Se ganhos de eficiência em empresas privadas se transformam em lucros, ganhos de eficiência na máquina do estado se transformam em benefícios para a população.
O exemplo da CEEE-D é estarrecedor. Quantas CEEE-D existem pelas repartições desse Brasil afora?
Foram somente 67 votos contra, em um universo de 513 deputados. Do restante, 408 votaram a favor e 38 se abstiveram de votar na chamada “lei da impunidade”. Com essa maioria se aprova qualquer reforma constitucional. Com folga.
Quando leio que a reforma administrativa é “difícil” por não ser “popular”, fico cá pensando: será que a maioria do povo brasileiro é funcionário público ou depende de um funcionário público para viver?
Segundo o Atlas do Funcionalismo Público, do IPEA, havia cerca de 9,5 milhões de funcionários públicos no Brasil em 2019, representando cerca de 17% das pessoas empregadas no país naquele ano. Esse percentual não considera os desempregados. Portanto, trata-se de um bom contingente, mas, ainda assim, uma minoria. Não parece ser, assim, uma reforma tão impopular.
Impopular foi a reforma da previdência, que mexeu com a aposentadoria da maioria dos brasileiros. Mas o medo da impopularidade não foi suficiente para impedir que nossos valorosos parlamentares votassem essa reforma.
Se não é impopularidade o que impede a reforma administrativa de avançar, o que seria então? A votação acachapante da “lei da impunidade” nos dá uma pista. Quando estão em jogo seus interesses particulares, os parlamentares jogam às favas a sua impopularidade. Quer coisa mais impopular do que uma “lei da impunidade”? Mesmo assim, somente 67 heróicos deputados votaram contra.De onde se conclui que o problema da reforma administrativa não é sua “impopularidade”, mas os interesses pessoais dos parlamentares e, por que não dizer, do próprio presidente da república, que tem feito corpo mole nessa materia. Os políticos, de maneira geral, devem ter uma parcela de sua renda vinculada aos salários do funcionalismo. Têm parentes ou correligionários que são funcionários públicos. Estão pensando em seus próprios bolsos, é simples assim.
Portanto, quando você ouvir que a reforma administrativa tem resistências no Congresso por ser “impopular”, tenha em mente qual “povo” é contra a reforma.
Já tive oportunidade de comentar aqui algumas decisões esdrúxulas de juízes a respeito de demandas que teriam consequências econômicas nefastas.
Observando o teor da PEC emergencial aprovada pelo Senado (e que deve ser aprovada pela Câmara nessa semana), caiu-me uma ficha: os juízes decidem do modo que decidem porque vivem em um mundo sem restrições orçamentárias.
A PEC emergencial trata de congelamento de salários do funcionalismo público caso as despesas obrigatórias atinjam 95% das despesas totais. Mas, vejam só: esse congelamento não atinge o Legislativo ou o Judiciário. Assim, a professora ou a enfermeira terão o seu salário congelado, mas não o aspone DAS-52398 ou o desembargador.
Só pode ser por isso que leis e julgamentos constroem um mundo maravilhoso, onde todos têm a sua dignidade humana preservada, sendo a dos autores e operadores da lei a primeira na fila.
Ocorre que, como no mundo real existe restrição orçamentária, a dignidade humana dos funcionários do Legislativo e do Judiciário vem às custas da dignidade humana do restante da população. Por mais que a letra da lei afirme o oposto.PS.: é claro que essa elite do funcionalismo público sabe o que é restrição orçamentária. Caso contrário, aquele procurador mineiro não teria reclamado do “miserê” que ganhava. O que só torna a coisa pior: eles não vivem em um mundo à parte, eles sabem exatamente o que estão fazendo.